Em continuidade ao debate sobre os grandes desafios da saúde no século XXI, o segundo dia do encontro promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) foi aberto com uma mesa redonda dedicada à saúde psicoemocional. O tema integra a programação do VI Encontro Luso-Brasileiro de Bioética, do III Encontro Ibero-Americano de Bioética e do I Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Bioética Médica, que ocorrem de forma integrada na sede do CFM, em Brasília.
Com mediação do 1º vice-presidente do CFM, Emmanuel Fortes, a mesa contou com palestrantes que trouxeram à tona questões urgentes relacionadas à saúde mental da população e dos profissionais da medicina, sob diferentes perspectivas éticas, clínicas e sociais.
“A gente está num caminho muito difícil na medicina e a mesa trouxe um debate realmente muito instigante e extremamente claro. Nós permeamos essas discussões com uma questão fundamental, intrínseca ao ser humano. Sem a esperança não tem a fé. É intrínseco, a gente tem esperança para poder definir estratégias para concretizá-las. A medicina ganhou uma impessoalidade com o Plano Nacional de Atenção Básica, quando o paciente é encaminhado para os especialistas. Precisamos rever esta parte para fortalecer a relação médico-paciente. A medicina precisa restabelecer o elo que cura, se não do improvável, da solidariedade com a dor de quem nos procura”, afirmou Fortes.
Uma epidemia silenciosa – Abrindo a rodada de exposições, o psiquiatra Ruy Palhano, membro do conselho fiscal da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), abordou o suicídio como um problema de saúde pública de alta complexidade e com multifatores. Palhano chamou atenção para dados alarmantes: mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio por ano no mundo, sendo cerca de 14 mil dessas mortes no Brasil. “É um paradoxo que, enquanto lutamos pela vida, tantos se sintam impelidos a tirá-la”, destacou. O especialista enfatizou o papel das políticas públicas, da escuta ativa e do acolhimento como estratégias indispensáveis para reverter esse cenário.
Burnout – Em seguida, o professor Valdiney Gouveia, da Universidade Federal da Paraíba, apresentou um panorama preocupante sobre a Síndrome de Burnout entre médicos brasileiros. Pesquisa recente revela que 57% dos profissionais da medicina no país já vivenciaram o burnout em níveis moderados a graves. “O burnout é mais do que fadiga; ele desumaniza o cuidado, afeta a qualidade da assistência e exige respostas institucionais”, afirmou. O palestrante defendeu a promoção da saúde no ambiente de trabalho, em vez do foco exclusivo no tratamento da doença.
Sociedade medicalizada – O professor Hélio Angotti, do Centro Universitário do Espírito Santo, propôs uma análise crítica sobre a medicalização excessiva da vida contemporânea. “Vivemos uma cultura de diagnósticos e de consumo de medicamentos que muitas vezes desconsidera as causas sociais e emocionais do sofrimento”, afirmou. Angotti defendeu a retomada de um modelo hipocrático, baseado na escuta, na relação médico-paciente e na responsabilização dos diversos atores do sistema de saúde.
Fronteiras da responsabilidade – Encerrando a mesa, o presidente da ABP, Antônio Geraldo, trouxe reflexões instigantes sobre os dilemas éticos oriundos dos avanços das neurociências. “A possibilidade de identificar biomarcadores de comportamentos violentos, por exemplo, nos coloca diante de dilemas éticos sérios: até que ponto podemos intervir preventivamente? Qual é o limite entre cuidado e controle?”, questionou. Ao abordar a pressão social pela liberação de substâncias como o canabidiol, o psiquiatra alertou para os riscos da medicalização sem respaldo científico robusto.
O evento segue ao longo do dia com novas mesas e discussões, reafirmando o compromisso do CFM com uma bioética integral, comprometida com a dignidade humana e a sustentabilidade dos sistemas de saúde.