Cirurgia, radioterapia e quimioterapia foram os únicos tratamentos de câncer, mas há 20 anos. Hoje, há outros tipos de medicamento. Os chamados anticorpos monoclonais, considerados drogas inteligentes, funcionam como mísseis teleguiados que atacam só as células cancerosas. Segundo a oncologista Nise Yamaguchi, eles já estão sendo usados com sucesso para tratar câncer de mama, linfomas e leucemias. “Recentemente, foi lançado nos EUA um anticorpo monoclonal para câncer de intestino”, acrescenta o oncologista Sérgio Simon. A hormonioterapia também apresenta bons resultados no tratamento de câncer de mama e próstata que são dependentes de hormônio –40% do câncer de mama em jovens e 60% do mesmo câncer em mulheres pós-menopausa são assim. “A vantagem do bloqueador hormonal é que você tira a fonte de crescimento das células e elas param de crescer. Muitas vezes, doenças metastáticas para ossos e pulmão ficam estáveis por anos a fio devido ao procedimento”, diz Yamaguchi. Outra linha de drogas: os chamados indutores de apoptose, que reativam o programa de morte das células tumorais. São usadas com sucesso, segundo Yamaguchi, em leucemia aguda. A médica ainda destaca substâncias presentes na alimentação que têm a mesma função dessas drogas e podem ser usadas na prevenção ou como tratamento complementar. “É o caso da pectina, presente na casca da maçã e nos carotenóides”, diz. Há medicamentos que inibem fatores de crescimento, proteínas ou enzimas que estimulam a multiplicação celular. Nos EUA, um medicamento à base de gefitinibe tem mostrado bons resultados para câncer de pulmão –não foi lançado aqui, mas está em processo de análise no Ministério da Saúde. Há ainda as vacinas que, específicas para cada tipo de tumor, aumentam a imunidade do paciente e podem diminuir o tamanho do tumor, bloquear a metástase e até exterminá-lo. Ainda em fase experimental, já apresentam resultados. Em São Paulo, foram feitos dois estudos promissores. Um deles, conduzido pela oncologista Débora Castanheira, no Hospital do Câncer, mostrou-se eficaz contra o melanoma. O outro foi encabeçado pelo professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP José Alexandre Marzagão Barbuto, que desenvolveu uma vacina contra o câncer renal e também o melanoma. Em suma, conhecendo mais os tumores, sabe-se mais sobre a eficácia do tratamento segundo o tipo de câncer. Para Daniel Deheinzelin, do Hospital do Câncer, esse conhecimento possibilita um tratamento cada vez mais individualizado. Conheça alguns avanços na prevenção e no tratamento do câncer Aparelhos de última geração Com o PET/CT, aliado no diagnóstico do câncer de pulmão, pode-se hoje ter uma noção mais precisa das características e da localização do nódulo, o que facilita a retirada cirúrgica do tumor. As máquinas de mamografia chegam a detectar tumores com menos de 1 mm. Cirurgias pouco invasivas Antigamente, as incisões cirúrgicas mediam cerca de 20 cm, e os pacientes sofriam com a cicatrizarão e com possíveis infecções. Hoje, segundo o cirurgião Jurandir de Almeida Dias, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, cirurgias de esôfago, pulmão e intestino, por exemplo, podem ser feitas com incisões de 2 cm, graças ao uso de microcâmeras que facilitam o acesso ao local. A colostomia, bolsa para recolhimento de fezes após cirurgia para retirada de intestino, é menos comum. “Conseguimos preservar melhor o local e os músculos envolvidos no processo”, diz. Enxurrada de pesquisas clínicas Graças ao extenso número de estudos, pode-se tratar cada tipo de tumor de uma maneira mais certeira. As pesquisas forneceram informações mais precisas que já estão sendo aplicadas com sucesso no tratamento da doença. Estudo recente do Institute Gustave Roussy, na França, com 1.867 pacientes de 33 países, mostrou que a quimioterapia administrada após a retirada do câncer de pulmão pode impedir recidivas. Índice de cura O diagnóstico precoce aumenta as chances de cura, que chegam a 90% no câncer de mama e a 95% no de próstata. A prevenção do primeiro é feita via auto-exame, indicado para mulheres a partir de 20 anos. Aos 35 anos, deve-se começar a fazer as mamografias –a cada dois anos para quem tem entre 40 e 49 anos e anualmente após os 50. Quem tem histórico do câncer na família também deve fazer ultra-sonografia a partir da primeira menstruação. Para se prevenir dos tumores da próstata, homens acima de 40 e com histórico da doença na família devem fazer, todo ano, exame de toque e dosagem do PSA. A partir dos 50, ambos os exames devem ser feitos por todos os homens. Marcadores tumorais Assim como acontece com o câncer de próstata, em que é feita a dosagem de PSA, proteína cujos níveis elevados no sangue indicam a presença de tumor, cientistas tentam encontrar outros marcadores para diversos tipos de câncer. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, tentam desenvolver um teste que encontraria um grupo específico de moléculas presentes em células de tumores no intestino. No Brasil, pesquisadores do Hospital do Câncer, em parceria com o instituto Ludwig, chegaram a um marcador molecular que identifica células tumorais presentes no câncer de estômago –trabalho que estampa a capa da nova edição da revista “Cancer Research”. Melhorias paliativas Está mais fácil controlar os efeitos colaterais da quimioterapia, da radioterapia ou da própria doença. O controle da dor física é possível com avançados medicamentos que combinam analgésicos, antiinflamatórios, opiáceos e antidepressivos. Há estimuladores de apetite para os que sofrem de inapetência. Há dez anos, as pessoas morriam de infecções após a quimioterapia, hoje é possível proteger o sistema imunológico. Para melhorar a qualidade de vida do paciente, a acupuntura, a arteterapia, a meditação e musicoterapia se mostram eficientes. Prevenção no dia-a-dia Descoberta essencial para a prevenção: 70% dos tipos de câncer estão relacionados a hábitos inadequados. Obesidade, sedentarismo, dieta desequilibrada, cigarro e álcool parecem facilitar a incidência e o desenvolvimento de câncer. Consumir muita fruta, verdura e grãos reduz em até 50% os tumores de mama. O cigarro é responsável por 90% dos cânceres de pulmão. Atividade física, além de fortalecer o sistema imunológico, equilibra os níveis dos hormônios sexuais, que servem de combustível para os tumores de mama e próstata. No caso do câncer de pele, o principal inimigo é o sol, por isso o uso do protetor solar é tão importante. Proteção à genética A medicina reconhece que 10% dos tumores têm origem genética, ou seja, um gene com alguma lesão é herdado. Segundo a geneticista Simone Noronha, do Hospital do Câncer, isso se dá em casos de câncer de mama, intestino, tireóide e rim. Graças à oncogenética, hoje existe um teste que avalia o risco de a pessoa com histórico familiar desenvolver o mesmo câncer. De custo alto –entre R$ 8 mil e R$ 9 mil–, o exame é indicado para casos especiais e não é infalível. “É preciso que a pessoa tenha mais de um parente com um ou mais tipos de câncer desenvolvidos ainda na juventude”, diz a especialista. E, quando a predisposição para certos cânceres de mama é alta, há drogas para serem prescritas antes mesmo de o tumor surgir, a fim de impedir o desenvolvimento da doença. Quimioterapia em domicílio As drogas quimioterápicas podem ser dadas em doses fracionadas, o que ameniza os efeitos colaterais (náusea, diarréia, risco de infecções), e por via oral, o que significa poder tomar em casa. Radioterapia mais precisa Usada para tratar 60% dos tipos de câncer, a radioterapia se utiliza de radiações ionizantes que danificam o material genético das células tumorais. “Atualmente, os aparelhos são mais precisos e conseguem poupar os tecidos sadios que estão próximos ao tumor. Com isso, o paciente sente menos dor”, explica João Victor Salvajoli, diretor do Departamento de Radioterapia do Hospital do Câncer. Existem drogas que também protegem os tecidos saudáveis durante a radiação, usadas principalmente no câncer de esôfago. Fé e informação auxiliam pacientes que sofrem de câncer Descobrir o diagnóstico da doença ainda é terrível, mas, diz Regina Ramos, 40, as pessoas devem saber que o câncer não é o fim de tudo. “É preciso um pouco de fé, depois é procurar por informação e ajuda. A medicina está aí para isso.” Há oito meses, ela descobriu um câncer de estômago, doença que a cada ano acomete 20 mil brasileiros, sendo que 11 mil morrem. “Sentia uma queimação, achei que era só uma gastrite.” Quando ela recebeu o diagnóstico, entrou em pânico. Nos anos 80, ironicamente, havia trabalhado como psicóloga atendendo pacientes com a mesma doença. Ela passou por cirurgia para retirada do tumor e fez sessões preventivas de radio e quimio. Agora só faz exames de controle –e também questão de contar sua história para mostrar que o câncer não é um inimigo invencível. Já o corretor de seguros Manoel Castro de Souza, 58, luta contra um câncer de pulmão desde 1995. Na época do diagnóstico, não fumava mais, mas o cigarro foi seu parceiro por duas décadas. “Sei que o câncer de pulmão é grave, os sintomas demoram a aparecer e, por isso, tive sorte ao descobrir a doença precocemente. Tudo começou com uma pneumonia que não sarava”, conta ele. “Claro que a doença me afetou, não posso mais praticar atividade física, adorava esportes radicais, mas tento levar uma vida normal.” Falta de informação ajuda a manter medo do câncer Milhões de pessoas vivas hoje tiveram câncer. Nos Estados Unidos, onde as instituições prezam estatística como instrumento de análise, sabe-se que há cerca de 8,4 milhões de pessoas que tiveram algum tipo de câncer; entre elas, algumas foram curadas, outras ainda têm a doença, informa a American Cancer Society. Procurados pela Folha de S.Paulo, alguns dos maiores especialistas brasileiros confirmam: viver e controlar melhor essa multiplicação celular desordenada não é impossível, ao contrário do que a maioria ainda acredita. “As pessoas vivem mais tempo, conseguem conviver com o câncer e, muitas vezes, chegam à idade em que a morte ocorre por outras doenças. Coisa que há 20, 30 anos era mais difícil”, afirma o oncologista Ricardo Brentani, presidente do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e do Hospital do Câncer. Aliás, este último, que é centro de referência no estudo da doença, guarda uma curiosidade na sua história. “Há seis anos, éramos conhecidos por Hospital Antonio Cândido Camargo, nome do fundador. Resolvi colocar a palavra câncer para desmistificar o significado da doença”, diz ele. Mas ainda há quem, de tanto temor, nem pronuncie a palavra câncer, exatamente como há 30 anos. A doença é cruel (ainda é a segunda causa de morte no país), agressiva e dolorosa, mas o medo só agrava a situação. “O grande medo pode mesmo paralisar as pessoas, impedir que busquem ajuda na hora certa. Mas é preciso saber que existem procedimentos novos para o tratamento do câncer que não estavam disponíveis 15 anos atrás”, diz a oncologista Nise Yamaguchi, presidente da Sociedade Paulista de Oncologia Clínica e pesquisadora do Hospital das Clínicas (SP). Se a ex-modista Emília Santos de Oliveira, 60, tivesse ouvido os seus desinformados, apesar de bem-intencionados amigos, ela talvez já teria passado desta para outra. “Por causa da desinformação, muitos amigos falavam que não valia a pena gastar dinheiro com essa doença, que não adiantava, pois a morte era inevitável. Imagine se eu tivesse caído nessa conversa”, lembra Emília, que, em 1999, durante um auto-exame da mama, descobriu um nódulo. Segundo Vitória Herzberg, fundadora do Day Care, ONG que oferece apoio e informação a pacientes de baixa renda com câncer, a palavra ainda inspira asco. “Quando fundei o Day Care, as pessoas falavam ‘aquela coisa’ [referindo-se ao câncer]. Isso ainda acontece hoje.” O que mudou, diz ela, é que as pessoas se conscientizaram da importância que a busca por ajuda tem. Herzberg se envolveu com a doença depois que Daniel, seu filho de 17 anos, morreu de câncer, em fevereiro de 1989. Na época, ela conta que foi atrás de informação para entender a doença, como tratamentos, aspectos psicológicos e sociais e formas de conviver com ela. Mas praticamente não havia nada para leigos. “Meu marido e eu resolvemos agir justamente por entendermos que as pessoas não deveriam passar pelo mesmo sofrimento por falta de comunicação e informação adequadas”, diz ela, no seu site farto de dados e orientações. Aliás, a informação é um aliado não só do paciente. “De alguma forma, todos estão comprometidos com o câncer. Alguns por estarem perto dele. Outros porque o têm ou tiveram. E todos pelo medo de tê-lo”, registra o editorial da “Hands”, revista brasileira on-line especializada em câncer. Segundo estimativas do Cancer Research UK, do Reino Unido, uma em cada três pessoas naquele país vão ter câncer durante a vida, o que significa que todas as famílias do país terão, de alguma maneira, contato com a doença no país. Boas novas É possível traçar uma lista de notícias animadoras. Os diagnósticos precoces aumentaram em 80% as chances de cura de tumores malignos, como os de mama e próstata; exames modernos apontam nódulos com menos de 1 mm e a existência de tratamentos menos tóxicos, mais certeiros e pouco invasivos são algumas delas. Tratar os sintomas indesejados da doença e os efeitos colaterais provocados pelo tratamento viraram rotina, diz o oncologista Sérgio Simon, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Antes, o paciente com câncer ósseo tinha de ficar deitado para evitar fraturas; atualmente pode-se controlar o problema com a medicação adequada”, exemplifica Simon. “Até as metástases [comprometimento de outros órgãos causado pelo câncer], que sempre foram associadas à idéia de morte, podem ser controladas com tratamento; inclusive em casos de linfomas [câncer no sistema linfático] e leucemias [doença maligna dos glóbulos brancos]”, diz a oncologista Nise Yamaguchi. Outro bom exemplo: a anemia causada pela quimioterapia e pela radioterapia tem remédio. Nesses casos, ministram-se fatores de crescimento sangüíneo, o que faz com que o sangue se multiplique e os sintomas de cansaço e fraqueza desapareçam. Diagnóstico precoce Outro ponto a favor da batalha contra a doença, contam os médicos, é que hoje as pessoas fazem questão de saber o que realmente está acontecendo no organismo delas. Para Brentani, a percepção da população aumentou. “Neste país, por causa de campanhas agressivas, a população fuma menos. É visível o contraste quando você vai para os Estados Unidos ou à Europa”, diz ele. Dados do Hospital do Câncer reforçam a idéia: em 15 anos, 70% dos pacientes que chegavam para ser atendidos tinham tumores em estágio avançado; hoje, 70% deles chegam com tumores em estágio inicial. Para o médico José Gomes Temporão, diretor do Inca (Instituto Nacional do Câncer), o câncer segue o mesmo caminho dos cuidados de doenças como diabetes, hipertensão e Aids. “O número de sobreviventes vai aumentar desde que o problema seja encarado como mais uma doença que tem tratamento.” A Folha de S.Paulo reuniu, em dez tópicos, informações que indicam o avanço médico no conhecimento, na prevenção e no tratamento do câncer. Da Assessoria de Imprensa do Cremepe. Com Informações do Equilíbrio Online.
Tratamentos de ponta combatem diferentes tipos de câncer
27/02/2004 | 03:00