É sobejamente reconhecido que o trabalho de assistência à saúde não pode prescindir de condições mínimas de segurança para o binômio médico-paciente. Destarte, para que o profissional esteja em estado pleno de atendimento ao sofrimento humano é vital que esteja bem contemplado em suas condições biopsicossociais, relevando-se neste ponto a sua saúde financeira. Não é este o quadro vivenciado pelos médicos brasileiros. Em recente encontro com lideranças médicas nacionais, no qual o Cremeb esteve presente, o ministro da Saúde, Humberto Costa, mesmo reconhecendo que a remuneração pelos serviços prestados está muito aquém do que seria justo, afirmou, sem meias palavras, que neste primeiro ano do governo Lula não é exeqüível uma revisão na tabela do Sistema Único de Saúde, uma vez que o enxuto orçamento da sua pasta já estaria comprometido com atividades de custeio. Neste primeiro momento cabe à categoria médica lutar no setor privado para recuperar as perdas acumuladas, não apenas na vigência da pseudo-estabilidade econômica do Plano Real, mas desde a implantação das tabelas de remuneração editadas pela Associação Médica Brasileira. No entanto é preciso arregimentar-se, pois o setor empresarial já mostrou a perversa face da atividade meramente lucrativa. Os contratos firmados pelos médicos com algumas operadoras de planos privados de assistência à saúde são freqüentemente desrespeitados. Os prazos para pagamento dos honorários não são cumpridos, as multas não são pagas, o volume de solicitação de relatórios é desgastante para o médico e humilhante para o paciente, além das glosas aplicadas indiscriminadamente. Noutro passo, a relação trabalhista tem experimentado verdadeira revolução globalizada. A formalidade do emprego, com as garantias constitucionais conseguidas com grande dificuldade pelos partidos progressistas na Assembléia Nacional Constituinte, está sofrendo tumultuada modificação. Sem uma discussão ampla e democrática os contratantes tergiversam buscando mão-de-obra pelos meios mais diversos, terceirizando serviços através de organizações sociais e pseudo-cooperativas, tentando, reconheçamos, sobreviver ante a avalanche tributária brasileira. Mas será apenas esta a explicação para o quadro atual? O ministro do Trabalho, Jaques Wagner, acena com a possibilidade de discutir a flexibilização da legislação trabalhista, através de estudo técnico visando reforma na CLT e uma discussão ampla com os setores envolvidos, notadamente o patronato e os empregados. Ambas as situações atingem sobremaneira a refinada mão-de-obra que é a atividade médica. Há um escandaloso achatamento da remuneração do profissional da medicina. Há grande entrave à atividade médica, autônoma e independente, na qual a sagrada, intocável e inegociável relação médico-paciente é tratada como mero e desprezível detalhe. Toda esta indignação não pode ficar apenas no discurso. Vislumbram-se novas formas de luta. Necessário se faz que democraticamente discutamos com os atores envolvidos estas questões. Esta é a proposta que adotamos. O trabalho iniciado pelo Cremeb, Sindimed e ABM, associados ao Clube dos Médicos, Febase, Sindhosba, Ahseb e Sindilab, criando na Bahia o CIER-BA – Comitê Integrado de Entidades Representativas dos Prestadores de Serviços na Área de Saúde no Estado da Bahia, à semelhança do que ocorreu em Goiás, está evoluindo. Este comitê está auscultando as reivindicações das sociedades de especialidades, visando uniformizar a relação dos prestadores de serviços em diversos níveis, com o empresariado. Qualquer médico que tiver sugestões deve procurar a sociedade de especialidade à qual esteja vinculado para expor as suas idéias e contribuir com o trabalho. Dentro da proposta adotada pelo Cremeb, está prevista para os dias 8 a 10 de maio a realização do I Congresso Baiano Sobre Remuneração e Condições do Trabalho Médico, organizado conjuntamente pelas entidades médicas – ABM, Cremeb e Sindimed – para discutir temas diversos, enfocados em matéria desta edição. Pretendemos trazer a Salvador representações dos Ministérios da Saúde e do Trabalho, da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), das seguradoras, da Abrange, do Ciefas, das Cooperativas e de outras representações ligadas aos temas. No estado democrático de direito é assim que se obtém conquistas. No encontro das divergências é que se solidifica a democracia. Na discussão de teses, negociando e estabelecendo premissas. Assim é que, sem submissão de um lado e sem arrogância do outro, prestadores e compradores de serviços devem debater à exaustão, procurando encontrar o modus vivendi em favor do principal beneficiário, o paciente.
Saúde financeira para os médicos
14/04/2003 | 03:00