O grande boom da área de diagnóstico por imagem foram os anos 90. Atraídos pela possibilidade de melhor remuneração, médicos de várias especialidades, que não somente a Radiologia, viram no setor um “filão”. A realidade, hoje, é bem diferente disso. Sufocados pela falta de reajustes e pela desvalorização do real em relação ao dólar – o que estrangula a atividade, já que essa depende de aparelhos na maior parte importados e a manutenção também custa caro –, esses profissionais temem gravemente o futuro. Quem afirma é o presidente da Sociedade de Radiologia do Estado da Bahia, César Augusto de Araújo Neto. Serviços de radiologia tradicionais estão fechando as portas ou tendo suas máquinas retiradas por inadimplência, em todo o Brasil, por não conseguirem equilibrar receitas e despesas. “As perspectivas são muito preocupantes, se medidas não forem tomadas urgentemente pela Agência Nacional de Saúde (ANS) e pelo Ministério da Educação. Haverá um colapso da atividade médica no País”, prevê o médico baiano. A Sociedade de Radiologia tem cerca de 450 membros cadastrados. Apesar da crise, é a especialidade de maior procura por Residência n Bahia, semelhante do que ocorre no resto do País. A disputa por vagas é acirrada: 25 a 30 candidatos para uma. Apenas o Hospital das Clínicas e o São Rafael, reconhecidos pelo MEC e pelo CBR, oferecem a chance. “O número de sócios tem crescido de maneira muito significativa por algumas razões: pela importância que a atividade radiológica tem hoje no diagnóstico das enfermidades, é uma atividade da mais alta relevância nas clínicas e nos hospitais; e devido à tabela de Honorários Médicos, da AMB, que remunera melhor a propedêutica feita com a tecnologia do que a propedêutica clínica, o que significa uma distorção”, comenta César Araújo Neto. A corrida acelerada pela especialidade, entretanto, ocorreu de maneira irregular, assinala. Várias pessoas ingressaram nesse mercado de trabalho sem a formação adequada. Daí a preocupação do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) e do próprio CFM de absorvê-los através da concessão de título de especialista. Repetição de exames “Criamos uma prova especial para todos aqueles que têm mais de sete anos de formados, diversa da que fazemos normalmente, que é extremamente rigorosa e requer um estudo de, no mínimo, um ano”, informa o radiologista baiano. Por outro lado, a Sociedade de Radiologia da Bahia tem insistido na educação continuada de seus associados. Empobrecidos e sem condição de acompanhar as permanentes transformações da Medicina, muitos só têm como reciclar seus conhecimentos em Salvador mesmo. “Passamos por um momento otimista do ponto de vista científico. Mantemos uma atividade regular há mais de seis anos, todos os meses, que é o Clube da Imagem, do qual sempre participam personalidades de peso na radiologia brasileira”, afirma César Araújo Neto. Foi também um meio, comenta, de aglutinar a categoria e brigar por objetivos comuns. “Melhorando a qualidade científica dos nossos associados, menos degradação haverá da venda do nosso trabalho”, raciocina. A precarização do serviço prestado – responsabilidade que não é exclusiva do médico – tem sido motivo de muita apreensão para o presidente da Sociedade de Radiologia da Bahia. E ele atribui ao profissional menos qualificado, que se proliferou em grande velocidade, a culpa pela situação. “Ele só tinha um argumento para participar do mercado e ser competitivo, que era oferecer aos compradores preços mais baixos. Isso gerou muita instabilidade no mercado”, diz. Paralelo a isso, os convênios passaram a exigir dos médicos descontos em cima de uma tabela já defasada, sob a ameaça de descredenciamento de quem não obedecesse. O tiro acabou saindo pela culatra. Segundo o especialista baiano, a má prática deu lugar ao “retrabalho”, que é a repetição do exame. Às vezes, mais de uma vez. Em seu segundo mandato à frente da Sociedade de Radiologia do Estado da Bahia, César Araújo Neto também acumula outras funções: além de secretário da ABM, é o 1º diretor da Sociedade Brasileira de Clínicas de Diagnóstico por Imagem do CBR, cujo vice-presidente é o radiologista Matteoni de Athayde, grande impulsor do desenvolvimento da entidade baiana, que presidiu no início dos anos 90. Essa gestão, aliás, foi um divisor de águas na história da sociedade. Dois eventos realizados em Salvador – a Jornada Norte-Nordeste de Radiologia, em 93, e o Congresso Brasileiro de Radiologia, em 95, depois de 20 anos –, permitiram não apenas a projeção nacional de quem militava na especialidade em nível regional, mas a arrecadação de recursos para a compra de uma sede: na verdade, uma sala, que funciona na ABM. César Araújo Neto formou-se pela Ufba em 1977, fez residência médica e especialização no Rio de Janeiro e pós-graduação no Hospital São Rafael de Milão. É professor da Ufba desde 1980.
Radiologistas ameaçados pela instabilidade financeira
14/08/2003 | 00:00