O impacto da publicidade médica irregular esteve no centro das discussões do segundo painel do XII Congresso de Direito Médico, realizado nesta terça-feira (26), na sede do Conselho Federal de Medicina (CFM). O encontro reuniu juristas e especialistas para analisar as consequências éticas, jurídicas e sociais das práticas de divulgação que extrapolam os limites legais e desrespeitam a boa-fé no relacionamento entre médicos e pacientes.
Mediado por Graziela Schmitz Bonin e secretariado por Klevelando Augusto Silva dos Santos, ambos integrantes da Comissão de Direito Médico do CFM, o painel reuniu especialistas de destaque para discutir os limites da publicidade na medicina. As exposições ressaltaram a urgência de fortalecer a regulamentação e a fiscalização dessas práticas, especialmente diante da expansão das redes sociais e do uso crescente de novas estratégias de comunicação digital na área da saúde.
Na primeira palestra do painel, o procurador regional do Ministério Público do Trabalho (MPT), Xisto Tiago de Medeiros Neto defendeu o uso do conceito jurídico de dano social para responsabilizar a publicidade médica irregular. Segundo ele, essa prática vai além da ofensa a um indivíduo e afeta toda a coletividade. “O dano social decorre de uma conduta irregular cujos efeitos lesivos se estendem ao universo de indivíduos de maior alcance, atingindo, por vezes, uma coletividade inteira”, afirmou. Para o procurador, as consequências desse tipo de publicidade recaem especialmente sobre os mais vulneráveis, sendo “principalmente aquelas categorias sociais com menos capacidade de discernimento no mundo das fake news”.
Xisto defendeu que, nesses casos, não é necessário comprovar prejuízo individual, visto que os danos são presumidos. “Não se busca a individualização, não se exige a demonstração de sofrimento. A responsabilização por dano moral, extrapatrimonial, social, coletivo ou difuso se verifica pelo simples fato da violação”, explicou.
Em seguida, a advogada Sandra Krieger Gonçalves chamou atenção para o crescimento expressivo das ações judiciais contra médicos no país. Segundo ela, o aumento chegou a 506% em apenas um ano, saltando de 12.368 casos em 2023 para 74.358. “É simplesmente impossível imaginar o volume e o trâmite desse processo, já que o Brasil acumula hoje 139 mil casos pendentes de julgamento”, destacou. A jurista ressaltou que a judicialização da saúde exige respostas urgentes, em especial no fortalecimento da comunicação entre médicos e pacientes e na documentação adequada dos atendimentos.
Sandra Krieger alertou ainda para os riscos da chamada medicina defensiva, quando o profissional multiplica exames ou procedimentos apenas para se resguardar juridicamente. “Não se pode imaginar que a medicina defensiva vá transformar cada atendimento em um embate, já antevendo uma ação judicial”, afirmou. Para ela, o equilíbrio passa pela escuta ativa, pelo consentimento informado e por registros consistentes em prontuário, inclusive das comunicações por aplicativos de mensagens. “A proteção do médico não pode comprometer a assistência, que é a finalidade maior da medicina”, completou.
Encerrando as exposições, o jurista Nelson Néry Júnior falou sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à publicidade médica, ressaltando que a legislação brasileira considera crime a prática de divulgação enganosa ou abusiva. “É proibida toda a publicidade enganosa e abusiva. O médico que a promove ofende um direito básico do consumidor, está sujeito a indenização e ainda responde criminalmente, com pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa”, explicou.
O especialista lembrou que, além do CDC, a profissão deve observar as resoluções internas do CFM, como a nº 2.336/2023 e a nº 1.718/2004, que vedam práticas como promessas de resultado, sensacionalismo ou divulgação de métodos sem validação científica. “No final das contas, quem responde por tudo é o médico, mesmo quando a publicidade é feita por uma agência. Por isso, é fundamental adotar regras de compliance rigorosas na comunicação, para evitar danos à imagem, indenizações e até a obrigação de arcar com contra-publicidade”, alertou.