Fazendo a sua estréia durante o XV Encontro dos Conselhos de Medicina da Região Sul e da inauguração da nova sede do CRM, a exposição “Pioneiros da Medicina Paranaense” projeta-se como o prefácio da mais complexa e extensa história a ser exibida sobre o tema no âmbito regional. O acervo de 30 painéis com textos e ilustrações tende a ser enriquecido a partir do cumprimento de um calendário de mostras itinerantes pelas principais cidades do Estado, num roteiro que propõe a prospeção de material informativo, documentos e fotos. Idealizador do projeto, o médico, fotógrafo e pesquisador Carlos Ravazzani está conclamando os colegas e a sociedade de modo geral a ajudarem a “escrever” a história dos pioneiros, que tende a ser reunida em um livro até o próximo ano. O conjunto de pôsteres (no formato de 60x80cm) foi reunido pela primeira vez para a inauguração da sede do CRM e proporciona um pouco mais de conhecimento de aspectos históricos e curiosidades relativos à Medicina paranaense. A viagem no tempo tem seu ponto de partida no século 18, com os primeiros hospitais paranaenses – a Santa Casa de Paranaguá e a de Curitiba – e os médicos pioneiros, encabeçados por Joaquim Ignacio Silveira da Mota, que chegou ao Paraná em 1842, 10 anos antes do início das obras da Misericórdia curitibana. A incursão passa pelo primeiro paranaense a se formar em Medicina, o primeiro farmacêutico, as primeiras enfermeiras, as primeiras publicações e sociedades médicas e pontos marcantes da formação, do exercício profissional e meios de assistência. A etapa histórica chega até 1958, quando da criação do Conselho de Medicina do Paraná. Talento múltiplo A idéia de garimpar um pouco mais sobre a memória da Medicina no Paraná surgiu como uma vertente da tarefa que o Dr. Carlos Ravazzani assumiu, ao lado do também médico Dr. Iseu Affonso da Costa, da Academia Paranaense de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense: a de escrever um livro sobre os 150 anos da Santa Casa de Curitiba. De algum modo, a grande maioria de documentos pesquisados tem uma relação com a evolução da Medicina paranaense do período pós-colonial, o que permitiu iniciar a reconstituição da história paralela à da Santa Casa. São mais de dois anos de trabalho, mas os Drs. Ravazzani e Iseu ainda não têm previsão sobre o final da obra sobre o hospital, ao qual estão ligados desde o início de suas atividades profissionais. Essa relação mais próxima e sentimental é que promete oferecer uma abordagem um pouco diferente à obra “Santa Casa”, do pesquisador Valério Hoerner Júnior, lançada no ano passado. Nascido no Rio de Janeiro, mas com vínculos familiares em Curitiba, onde se formou (na PUC, em 1973), o Dr. Carlos Ravazzani tem um currículo que o credencia a interagir temas como Medicina, história, fotografia e meio ambiente. Já como integrante do Foto Clube, ele lançou em 1989 a obra “O Pantanal”, onde pôde exibir todo o seu talento no manuseio da câmera, exercício que repetiria no ano seguinte com o livro “Curitiba, Capital Ecológica”, tendo a parceria do também fotógrafo José Paulo Fagnani. A experiência viria a ser repetida em 2000, com uma versão mais atualizada dos atrativos da cidade, com pequena mudança no título. Fragmentos de “Curitiba, A Capital Ecológica” foram levados para o telão na nova sede do Conselho de Medicina. Mas, quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho de Ravazzani com o meio ambiente, vale a pena acessar o site que ele lançou há três anos e meio, o “Brasil Natureza” (www.megavision.com.br). Os textos são em português e inglês. Paixões e mostras O Dr. Ravazzani confessa que, hoje, a fotografia é muito mais que um hobby, ganhando de fato o status de atividade profissional que divide com a de cirurgião geral. Dosar o tempo é que são elas, ainda mais numa fase de intensa pesquisa que, pela ânsia da precisão, o tem levado ao original de cada documento ou fotografia. Mas, mesmo com tempo curto, ele ainda consegue uma brechinha para acalentar outra paixão: o futebol. Ele se confessa “vascaíno doente”, mas admite que, no âmbito local, sua torcida é para o Paraná Clube. Montar a exposição com aspectos históricos da Medicina foi uma experiência marcante, como diz o Dr. Ravazzani. Ele insiste que o resultado final do trabalho que realiza é em prol da história e não de promoção pessoal, razão pela qual pede a colaboração dos colegas de cada cidade, que lhe possam municiar com fotos, textos ou documentos sobre os pioneiros, sejam hospitais, médicos ou demais profissionais de saúde. O pesquisador planeja, no começo, incluir na mostra itinerante cidades como Paranaguá, Antonina, Ponta Grossa, Rio Negro e Castro, pela condição de mais antigas. Na seqüência, viriam as demais cidades. “A idéia é de que a exposição seja reforçada com um ou dos pôsteres da região para onde esteja sendo levada”, diz. Sobre o livro dos pioneiros, o médico ressalta que esta será uma etapa à parte. A pretensão, esclarece, é de transitar pelo período imperial e da República Velha, roteiros que o médico e escritor Dr. Júlio Moreira não conseguiu trilhar conforme planejara. Moreira morreu em 1975, depois de ter lançado somente o primeiro dos três livros que pretendia. Em “Histórias da Medicina no Paraná”, ele centrou sua pesquisa no Brasil Colonial, de 1654 a 1822. A Cronologia e os Pioneiros A cronologia dos pioneiros da Medicina remonta à primeira metade do século 18, com os primeiros hospitais (as Santas Casas) e médicos, com destaque para Joaquim Ignacio da Mota. O sequenciamento dos fatos históricos inclui em 1843 a formatura do primeiro médico paranaense. O lapeano José Francisco Corrêa graduou-se no Rio de Janeiro e depois atuou na cidade natal, em Ponta Grossa e Castro, basicamente de forma gratuita face a sua origem abastada. Em 1852 começam as obras da Irmandade da Santa Casa, que dois anos depois teria à frente o Dr. José Cândido da Silva Murici, oficial médico do Exército e nomeado “vacinador provinciano”, cargo que à época correspondia a de secretário da Saúde e que tinha como prioridade o combate à varíola. O primeiro farmacêutico aparece em 1857. Augusto Stellfeld era alemão e revalidou seu diploma no Rio. Começou a atuar no Hospital da Santa Casa, quando o mesmo ainda estava na Rua da Direita, atual 13 de Maio. O primeiro médico parnanguara foi o Dr. Leocádio José Corrêa, que se instalou no litoral em 1973, após formar-se no Rio. Médico humanista e deputado provinciano, começou a carreira como inspetor de portos. Em 1880 ocorreu a inauguração da Santa Casa de Curitiba, com a presença do imperador dom Pedro 2.º (era assim que ele assinava). Ao contrário do que assinalam alguns autores contemporâneos, o imperador disse que “o hospital está bem situado”. O Dr. Ravazzani observou em suas pesquisas, inclusive de jornais da época, de que é folclórica a observação de dom Pedro 2.º de que a Santa Casa ficava “muito longe”. Único médico atuando no hospital da Irmandade desde 1868, o Dr. Murici morreu um ano antes da inauguração da obra, que levou 12 anos para ser edificada. Quem o sucedeu foi o genro, médico que ascenderia a general do Exército, Dr. Antonio Carlos Pires de Carvalho Albuquerque. Seu neto, Walter Pires, cerca de um século depois viria a ser o ministro do Exército (no governo Figueiredo). Dr. Antonio foi o provedor e único médico da Santa Casa de 1879 a 89, passando com a reforma do Império, a Inspetor de Higiene do Paraná, função também similar a de Secretário. Também foi a Santa Casa que abrigou as primeiras enfermeiras do Estado. As Irmãs de São José chegaram da França em 1896. A primeira publicação especializada surgiu em 1901. A “Gazeta Médica do Paraná” tinha como editores-redatores os Drs. Victor do Amaral, João Evangelista Espíndola e Reinaldo Machado. No ano seguinte surgia a primeira sociedade médica, a de Medicina e Cirurgia do Paraná, presidida pelo Dr. Victor do Amaral. Em 1907 ocorreu a primeira cesariana no Paraná, sendo a sexta no país. Foi conduzida na Santa Casa pelos Drs. Reinaldo Machado e João Espíndola. A fundação da primeira faculdade de Medicina, da UFPR, ocorreu em 1912, tendo como expoentes os Drs. Victor do Amaral e Nilo Cairo. Formada em 1919 na Federal, a Dra. Maria Falce de Macedo transformou-se na primeira médica do Paraná. Ainda nesse período, são enfocados os pioneiros da universidade: o Dr. João Cândido Ferreira em clínica médica e Dr. Symon Kossobudski, em clínica cirúrgica. A viagem no tempo passa pelo ano de 1933, com a fundação da Associação Médica do Paraná e da Revista Médica do Paraná, sob liderança do Prof. Milton de Macedo Munhoz, que em 1958 participaria da constituição do CRM-PR e também seria seu primeiro presidente. * Contatos com o Dr. Carlos Ravazzani podem ser feitos pelo fone (0xx41) 242-1788 ou por e-mail (info@megavision.com.br).
Os pioneiros que escreveram a história da Medicina paranaense
23/04/2003 | 03:00