O avanço científico que possibilitou a reprodução humana assistida, mais especificamente a fertilização in vitro, consolidou alguns de seus aspectos nestes últimos 25 anos, mas também causou polêmica e provocou dilemas éticos novos e ainda não resolvidos. É necessário destacar que 25 anos pode ser bastante na vida de uma pessoa, mas é pouco tempo para que novas e desafiantes realidades sejam adequadamente avaliadas, e que posições éticas a seu respeito sejam desenvolvidas e amplamente aceitas. A bioética, como disciplina que surge exatamente para avaliar o impacto do avanço tecno-científico, particularmente no âmbito das biociências, sobre a vida humana, tem desenvolvido reflexões interessantes a respeito da reprodução assistida. A bioética não endossa uma única posição sobre temas polêmicos, por causa do necessário respeito à diversidade cultural e religiosa, mas promove o debate e a análise crítica das posturas assumidas. Não há dúvida que o profissional de saúde, corretamente orientado pelo princípio da beneficência, busca o bem estar do casal ao o assistir, amparar e instrumentar no sentido de viabilizar o desejo e a decisão de ter filho. O serviço de reprodução assistida é mais um serviço de saúde, que pode promover vida, realização humana e superação de limites biológicos. Não há dúvida de que o casal tem autonomia para tomar as decisões que envolvem os diferentes aspectos de todo o processo de busca ou não do serviço de reprodução assistida. Não podemos promover uma ditadura da tecnologia que pressiona os casais inférteis a buscarem necessariamente a reprodução assistida, nem podemos pressionar os casais a optarem por soluções que eles não desejem nem se sintam em condições de assumir. Os casais precisam ser informados, científica, técnica e eticamente, para que a decisão a ser tomada seja a mais consciente possível. Todos que se aproximam das conquistas realizadas neste campo ficam maravilhados com a insistência e persistência de inúmeros pesquisadores, com a dedicação dos profissionais, com a garra e firmeza dos casais que buscam tais serviços e, por fim, com o encanto dos resultados, como o nascimento de bebês longamente esperados e profundamente desejados pelos pais e mães. Neste momento, uma boa reflexão cristã nos diz que o ser humano cumpre de fato o seu papel de co-criador, que recebeu do Criador a missão de levar a criação à plenitude. Esta visão positiva e otimista da reprodução assistida não pode esconder ou acobertar os problemas e dificuldades existentes. Não cabe à bioética barrar o avanço da reprodução assistida, mas é necessário indicar caminhos para que tal serviço de saúde seja realizado dentro dos padrões éticos aceitáveis pelas pessoas envolvidas e por toda a sociedade. Os problemas éticos mais sérios levantados pelos atuais métodos da reprodução assistida são: possível desvinculação entre reprodução e sexualidade humana, a produção de embriões supranumerários e a redução embrionária. Entre outras questões também merecem um estudo adequado: o anonimato dos doadores (ou vendedores) de gametas, o redesenhar das relações familiares, a utilização das técnicas disponíveis como pressões ideológicas sobre casais inférteis, o reforço social da infertilidade como problema. A quase total ausência de legislação a respeito da reprodução assistida no Brasil, mostra que a nossa sociedade tem dificuldade de promover o debate e tomar decisões que regulamentem o assunto de maneira equilibrada. Proibir totalmente ou permitir sem restrições a reprodução assistida, são posições que não promovem os autênticos interesses dos envolvidos, nem respeitam a diversidade da sociedade brasileira. Sem querer cegamente apoiar uma outra posição, gostaria de concluir, para incentivar o debate, com uma pergunta: por que temos dificuldade de promover o debate sobre reprodução assistida no Brasil? —— Mário Antônio Sanches é professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
OPINIÃO – BIOÉTICA E REPRODUÇÃO ASSISTIDA
21/05/2004 | 03:00