Uma das ações mais polêmicas da história do Supremo Tribunal Federal deverá ser aprovada ainda neste ano. Na quarta-feira, depois de mais de cinco horas de votação, a maioria dos ministros rejeitou a tese do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, de que a interrupção da gestação em casos de anencefalia (feto sem cérebro) era matéria do Legislativo, e não do Judiciário. Por sete votos a quatro, o plenário decidiu que cabe ao Supremo julgar a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Seis dos 11 ministros deram sinais de que, na avaliação do mérito, votarão favoravelmente. Desde o ano passado, a ação detonou um debate apaixonado no país, tendo como principal voz de oposição a cúpula da Igreja Católica. Embora o Supremo ainda não tenha votado o mérito, a decisão de acolher a ADPF era crucial. Se a tese de Fonteles, católico praticante com vínculos com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tivesse vencido, o Supremo lavaria as mãos e deixaria o assunto espinhoso para a Câmara, presidida hoje por Severino Cavalcanti, que se proclama “católico roxo”. Quatro ministros – Cezar Peluso, Carlos Velloso, Eros Grau e Ellen Gracie – defenderam essa opção. A ação continha vários ineditismos e uma sofisticada costura jurídica. É a primeira ADPF que vai a julgamento do mérito pelo Supremo. O instrumento, criado pela Constituição de 1988, só foi regulamentado em 1999. Na votação estava em jogo, também, a criação de uma jurisprudência sobre como o dispositivo deve ser usado. Será ainda a primeira vez que o STF convocará uma audiência pública para ouvir a sociedade antes da decisão final. A tese da ação, defendida pelo advogado Luís Roberto Barroso, é de que a punição ao aborto no Código Penal existe para proteger uma vida em potencial. Como no caso da anencefalia não há possibilidade de vida, já que o feto morre em 100% dos casos, no máximo horas depois do parto, não há vida a ser protegida. Do mesmo modo, o Direito brasileiro não tem definição do que é vida, mas tem de morte: autoriza a retirada de órgãos após a falência cerebral. Como não têm cérebro, tecnicamente esses embriões já estariam mortos. Assim, obrigar uma mulher a carregar na barriga por nove meses um feto condenado à morte violaria os princípios constitucionais da dignidade, liberdade e do direito à saúde. A ação propõe, então, a “antecipação terapêutica do parto”. O conceito, já reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina, foi criado pelo promotor Diaulas Costa Ribeiro e pela antropóloga Débora Diniz em 2003. Eles precisaram de escolta policial para lançar o livro sobre o tema por estar ameaçados por católicos fundamentalistas. Ambos já haviam sido demitidos da Universidade Católica de Brasília por suas posições. Hoje, o aborto só é permitido em casos de estupro e risco de morte da mãe. A tese aceita por seis ministros é de que, ao autorizar a interrupção da gestação de anencéfalos, não estão criando um terceiro tipo de aborto legal. Mas, como centenas de juizes já fazem no país inteiro, apenas interpretando corretamente a lei. Fonte: Revista Época, edição de 02/05/2005
O STF vai julgar – Tribunal aceita ação sobre aborto de fetos sem cérebro. Seis ministros são a favor da permissão
03/05/2005 | 03:00