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Quando elaborou o conjunto de histórias do cotidiano para o seu terceiro livro, sob a inspiração de um momento todo especial na vida sentimental, o médico Gerson Gebert estava convencido de que iria encerrar ali a sua experiência literária e, ao mesmo tempo, silenciar o já mítico “Boca Santa”. Ao promover no final do mês de julho último o lançamento da nova obra, intitulada Outras histórias do Boca Santa, ele se viu surpreendido não apenas pelo carinho e receptividade dos amigos e admiradores, mas pela constatação de que ‘seu’ personagem alçara domínio público e que o estilo bem-humorado mais do que nunca reforçava o apelo para que outros tantos casos do dia-a-dia não se percam no tempo. A própria personalidade também parece conspirar contra a decisão inicial do médico-contista de renunciar à arte das letras, motivo de grande prazer ao lado da Medicina e do futebol – que são exatamente as suas maiores fontes de informação. Sempre simples, criativo e multiplicando amizades, fora do ambiente de trabalho Gerson não consegue conter sua propensão às brincadeiras, o deboche contido e a pregação ao otimismo. A destreza em lançar apelidos e zombarias é ainda mais marcante no convívio com os amigos da Confraria do Boca Santa (alusão à Boca Maldita) ou do futebol-esticadinha do sábado, este com histórico de mais de três décadas de freqüência. E foi num desses impulsos de exercício constante de bom humor que o Dr. Gerson se deixou trair, dias atrás. Ao participar da homenagem ao Dr. Acir Rachid, contemplado com o título de Professor Benemérito da UFPR, ele se viu tentado com a possibilidade de escrever histórias “extra-paredes” do Hospital de Clínicas. A decisão não tem data para ser anunciada, mas o médico antecipa que, se for positiva quanto a assumir o novo desafio, os “causos” terão as mesmas características dos que já publicou, sobretudo quanto a veracidade e a não-exposição ao ridículo das pessoas envolvidas ou de gerar desavenças. “É claro que em muitas circunstâncias os nomes são fictícios, mas sempre estarão muito próximos à realidade”, brinca Gerson Gebert, que considera interessante resgatar histórias do “berço do ensino médico paranaense”, esta que é uma das Faculdades de Medicina mais antigas do país. Gerson confessa que entre os maiores “habitués” de suas histórias estão exatamente alguns amigos de convivência constante e que foram incentivadores do surgimento do “Boca Santa”. Dentre eles estão seu colega de INSS José Camargo Lima Filho e dois parceiros da Confraria, o dentista Luiz Piá de Andrade, a quem apelidou de “Repolho”, e o advogado José Maria Garmatter, o “Joca”. Este, aliás, foi quem prefaciou o livro inaugural, Histórias do Boca Santa, com suas 32 passagens apimentadas, muitas ambientadas no meio médico-hospitalar. Editada sem preocupação de auferir lucro e sim de conjugar história e humor. Humor que não poderia faltar no próprio lançamento da primeira publicação. O autor aproveitou um cruzeiro no Caribe, que fazia com grupo de amigos, para promover o “lançamento internacional” da obra. O mesmo espírito prevaleceu no segundo livro, Novas histórias do Boca Santa, com 34 capítulos e tendo prefácio do amigo professor Carlos Alberto Sanches. Porém, Gerson confessa que só o escreveu porque se viu provocado pelo amigo Garmatter, que o chamava de “escritor de um livro só”. Além da repercussão positiva entre as pessoas conhecidas, já que a edição não teve uma tiragem em escala capaz de estimular a distribuição em livrarias de outros centros, Gerson pôde comemorar a premiação de duas das histórias no Concurso Literário Crônicas Paranaenses de 1999, da Secretaria Estadual de Cultura. O toque prostático e Papel picado, envolvendo personagens afamados dos meios médico e político, foram publicados em livro de conto. O que era para ser as ‘últimas’ histórias virou ‘outras’ no terceiro livro do Boca Santa, que teve o colunista da Gazeta do Povo e escritor Luiz Alfredo Malucelli como autor da apresentação. Indicativo de que a “língua afiada” do médico vai contar novas histórias? Gerson não diz nem sim, nem não. Mas admite que a sugestão de relembrar situações do HC mexeu com seu ego tanto quanto a presença de cerca de duas centenas de amigos na “noite de autógrafo” do terceiro livro, cuja renda foi revertida a uma instituição assistencial. Fonte de histórias Para Gerson Gebert, é difícil estabelecer qual a história mais picante ou engraçada, já que todas possuem características especiais próprias. Contudo, não deixa de citar a primeira que escreveu – Cinzas –, por ser Ter despertado a paixão de escrever. O médico relata a promessa que o pescador fez ao amigo, à beira da morte, de distribuir suas cinzas num pesqueiro que freqüentavam na Baía de Guaratuba. Em meio ao ritual, uma rajada de vento o fez engolir, literalmente, o amigo cremado. Muitas das histórias relatadas pelo médico têm origem na Confraria do Boca Santa, nome que acabaria associado ao personagem criado. O grupo foi formado há mais de oito anos e hoje tem cerca de 40 integrantes, das mais diferentes profissões. “É mais fácil entrar no Country que na confraria”, brinca Gerson, lembrando que as reuniões ocorrem na última quinta-feira de cada mês. Como “clube de bolinha”, dá margem para muita encrenca familiar, a exemplo do que ocorre com o grupo de futebol formado também há mais de três décadas, tendo a frente os gêmeos Octávio, médico, e Antero da Silveira, hoje procurador. Gerson, que diz ter jogado no infantil e no infanto-juvenil do Coritiba, e depois no juvenil do Ferroviário, faz parte do grupo desde o início, quando era utilizado o campo de futebol do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Glória, no Portão. Depois, a “pelada” passou para o campo do Hospital Nossa Senhora da Luz, onde o Dr. Octávio também trabalhava, e na seqüência para o campo da Guarda, atrás do Palácio Iguaçu. Há alguns anos o futebol rola aos sábados no campo do Batalhão da Guarda, junto ao Presídio do Ahú, com direito a “esticadinha” para uma carninha e um bate-papo. Situações pitorescas não faltam também nesse grupo, tão eclético quanto a Confraria, ajudando a enriquecer o acervo de histórias do Boca Santa. Formação Com alguma influência do pai, que era representante de laboratório, Gerson escolheu a Medicina, ao contrário do irmão, que optou pelo Direito, e da irmã, que virou professora. Também os filhos não seguiram seus passos. As três filhas são cirurgiãs-dentistas e o filho é arquiteto. Gerson ingressou na UFPR aos 17 anos de idade, tendo se formado em 1968 como integrante de uma turma que se distingüiu por conservar grande número de profissionais na Capital paranaense. Ele próprio não ficou afastado de Curitiba por mais de um ano, período em que trabalhou em hospital filantrópico de Rio dos Cedros, em Santa Catarina. Especializou-se em cardiologia e clínica médica. Integrante de um grupo restrito de mestres em cardiologia, foi professor da Federal e trabalhou no HC e no Hospital São Lucas. Também atuou na perícia médica do INSS por 32 anos, até se aposentar. Atualmente, além de médico de uma empresa privada, continua atendendo no consultório que montou há 21 anos no centro de Curitiba, no mesmo prédio onde funciona a sede atual do Conselho de Medicina. A lição O que tira Gerson do sério? A má-prática da Medicina e o abuso dos recursos tecnológicos. Ele acha que a profissão perdeu o seu romantismo e que isso precisa ser resgatado de alguma maneira. “A medicina tornou-se impessoal; o paciente sente falta da figura amiga do médico”, diz Gerson, para quem o bom profissional é aquele que dá atenção, que escuta, que lança mão aos exames estritamente necessários. “O diagnóstico deve ser feito pela pessoa do médico, nunca pela máquina” ensina. Correspondências para o médico e escritor podem ser encaminhadas para: Rua Marechal Deodoro, 497, 11.º andar, conjunto 116, CEP 80020-909, Curitiba – PR.

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