
Dando continuidade ao 1º Fórum de Nutrologia promovido na manhã desta terça-feira (5) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a terceira mesa do evento teve como foco a inserção da nutrologia no contexto da medicina de precisão. Moderada por Rodrigo Merces Weyll Pimentel, membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CFM, e secretariada pelo 2º secretário e conselheiro federal do CFM, Estevam Rivello Alves, a sessão contou com três palestras que abordaram, sob diferentes perspectivas, as inovações tecnológicas, científicas e bioéticas que impactam a prática da nutrologia contemporânea.
Inteligência Artificial – O 3º vice-presidente e coordenador da Câmara Técnica de Nutrologia do CFM, Jeancarlo Fernandes Cavalcante, apresentou uma reflexão sobre a aplicação da Inteligência Artificial (IA) utilizando a metáfora mitológica de Argos — o gigante de cem olhos que tudo via — para ilustrar o seu potencial como ferramenta vigilante e proativa no cuidado médico. O palestrante destacou três pilares fundamentais da IA na medicina: a medicina de precisão e o cuidado personalizado, o AlphaFold (sistema capaz de prever a estrutura tridimensional de proteínas com base em suas sequências), e o conceito de gêmeo digital, que permite simular intervenções terapêuticas em modelos digitais personalizados com base em dados genômicos e clínicos.
Aplicando esses conceitos à nutrologia, o conselheiro federal apresentou casos práticos como o monitoramento de diabetes gestacional, a detecção precoce de deficiências nutricionais (como a de vitamina B12) e a análise integrada de biomarcadores para ajustes terapêuticos em tempo real. Jeancarlo Cavalcante também projetou as tendências futuras da especialidade, como a nutrigenômica personalizada com expressão gênica monitorada continuamente, sensores intestinais para análise do microbioma em tempo real e biomarcadores não invasivos obtidos por meio de saliva, suor ou respiração.
Concluiu afirmando que, apesar dos avanços exponenciais da IA, o julgamento clínico humano continua insubstituível, sendo essencial para validar, interpretar e assumir responsabilidade pelas decisões clínicas baseadas em tecnologia. “Obviamente tudo isso está sujeito a vieses e precisa também do olho humano, da conferência humana, porque alguém precisa ser responsabilizado quando isso não funcionar adequadamente. E não podemos responsabilizar o algoritmo, temos que responsabilizar o médico ou pelo menos o gestor operacional desse sistema de inteligência artificial. Mas, não nos preocupemos tanto: a inteligência artificial não vai substituir o médico”, defendeu.
Microbioma intestinal – Na sequência, a médica nutróloga Marcella Garcez Duarte, diretora e docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN, tratou do microbioma intestinal como biomarcador na nutrologia de precisão. Foi destacada a consolidação do direito do médico de prescrever dietas como ato médico, e reforçada a importância de todos os médicos dominarem as orientações dietéticas como base terapêutica essencial para melhores resultados clínicos. O foco de sua apresentação foi o microbioma humano, tratado como um biomarcador dinâmico e promissor para a nutrologia de precisão. 
A palestrante explicou a diferença entre microbiota e microbioma e descreveu as múltiplas funções metabólicas, imunológicas e digestivas desempenhadas por esse ecossistema microbiano, cuja composição varia entre os indivíduos e pode ser modulada pela dieta. Foram apresentados, dentre outros aspectos, estudos que mostram como a análise do microbioma, associada a tecnologias como a inteligência artificial, permite prescrever dietas altamente personalizadas com melhores desfechos clínicos.
Por fim, Marcella reforçou que, embora testes genéticos ainda tenham custo elevado, sua utilização seletiva já é viável na prática clínica, sobretudo quando o paciente não responde adequadamente às condutas tradicionais. A palestrante encerrou sua fala com uma citação a Hipócrates, reiterando que, no contexto da medicina moderna, não apenas as doenças, mas também os tratamentos devem começar pelo intestino
Alimentação artificial – O presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), João Batista Santos Garcia, abordou os aspectos bioéticos da alimentação artificial no contexto dos cuidados paliativos. Foram enfatizados os dilemas recorrentes vividos por profissionais da área, especialmente quanto à manutenção ou suspensão dessa prática em pacientes em fase terminal.
Embora tecnicamente constitua um tratamento médico, a alimentação artificial deve ser avaliada com cautela, pois pode causar sofrimento adicional, como broncoaspiração, edemas e desconforto. Além disso, o ato de alimentar carrega forte carga simbólica e afetiva, sendo muitas vezes interpretado pelas famílias como sinônimo de cuidado e vínculo, o que torna mais complexo o diálogo sobre sua suspensão. O palestrante alerta que, no fim da vida, a fome e a sede são reduzidas por conta do metabolismo alterado, o que precisa ser esclarecido aos familiares para evitar sofrimento desnecessário e decisões baseadas em desinformação.
“Também é importantíssimo conversar, dar um suporte para as famílias do ponto de vista emocional, não só científico, para que eles entendam que seus entes queridos não vão morrer à míngua porque foi retirado uma sonda de nutrição artificial”, explicou. A alimentação pode configurar obstinação terapêutica quando utilizada de forma fútil, sem trazer benefícios reais ao paciente. Nestes casos, não iniciar ou suspender a alimentação artificial pode ser um ato ético e compassivo. Reforça-se a importância da decisão compartilhada entre profissionais e familiares, respeitando os valores, crenças e desejos do paciente. “Os familiares são fundamentais na decisão de manter ou retirar a alimentação artificial. Eles estão ali ao lado do seu ente querido até o final da vida”, ressaltou.
O paliativista destacou ainda que, embora o Brasil não possua uma legislação nacional específica para cuidados paliativos, existem resoluções éticas do CFM – como as de nº 1.805/2006, nº 1.995/2012 e nº 2.232/2019 – que oferecem respaldo jurídico para a interrupção de tratamentos desproporcionais e asseguram o respeito às decisões do paciente.