Na manhã desta quinta-feira (6), primeiro dia de atividades do IV Congresso Brasileiro de Humanidades Médicas, realizado em Recife (PE), as discussões decorrentes das apresentações da mesa “A ciência de fazer arte” orientaram os participantes a uma reflexão importante sobre as relações entre estes dois campos do conhecimento humano. Durante cerca de duas horas os convidados Valdir Reginato, Pablo González Blasco e Paulo Fernando Barreto Campello de Melo – sob a mediação de Helena Maria Carneiro Leão, presidente da Associação Médica de Pernambuco – se revezaram em análises sobre as contribuições que a literatura, o cinema e a música trazem para à prática médica.
Valdir Reginato ressaltou a importância de assegurar a dignidade dos pacientes, em qualquer circunstância, inclusive para aqueles em situação de terminalidade da vida. “Devemos olhar para o jovem que está hoje entrando nas Escolas de Medicina. É preciso estar atento à formação desses jovens”, disse, pouco depois pontuar a dificuldade de alguns colegas de garantirem atendimento humano e uma passagem tranquila aos pacientes.
Elemento humanizador – Em sua participação, destacou o trabalho realizado pelo Laboratório de Humanidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), criado a partir da discussão de livros clássicos. “Os alunos são levados a fazer uma reflexão e a explicar como os livros afetaram suas emoções. Assim, a literatura surge como elemento humanizador para graduandos da área da saúde”, pontuou. Em sua opinião, os melhores frutos da ênfase dada às humanidades no processo ensino aprendizagem vem da convicção de que, ao final, a sociedade não receberá apenas melhores técnicas, mas “também melhores pessoas”.
Em seguida, o médico e professor Paulo Fernando Barreto Campello de Melo abordou a relação entre a medicina e a música, com ênfase nos bons resultados que essa interface traz para os pacientes. Ele foi buscar na história antiga referências para comprovar o elo entre estes dois campos do conhecimento. “Na mitologia grega, Zeus fez de seu filho Apollo guardião da música e da medicina. Por sua vez, Esculápio, filho de Apolo, tornou-se musico e médico”, contou, pouco antes de enumerar artistas, cientistas e estudiosos, em diferentes países, que juntaram o aprendizado acumulado nestas áreas em benefício da humanidade.
“A música é uma ferramenta real de tratamento. Na Universidade Federal de Pernambuco, há disciplinas que nos levam a concluir que a soma da arte e da consolida-se numa proposta ética, humanística e terapêutica. É preciso fazer uma divulgação da Arteterapia e de suas implicações”, citou o professor, que enumera cerca de 17 mil trabalhos científicos já publicados sobre o tema.
Encontro de caminhos – Coube ao professor Pablo Gonzalez Blasco, da Universidade de São Paulo (Usp), fazer o ponto sobre o uso do cinema no exercício da medicina. Em sua reflexão, ele provocou os presentes; “Isso serve para alguma coisa? Forma melhores médicos? Transforma a mim?”. Depois, levou todos à conclusão de que a esperança é de que encontros deste tipo levem ao encontro de caminhos para trazer mais humanidade à medicina e também ao profissional da saúde.
Com uso de sequencias de filmes conhecidos (O Rei Leão, Frankenstein e Hannah Arendt), guiou os presentes a um passeio pelo mundo das imagens, dos sentimentos e da medicina. “Tocar música, entender de cinema não é requerido dos médicos, mas, sim, deixar o paciente confortável. A teoria das humanidades é linda, mas na prática a história é outra. A educação médica deve servir para fazer o aluno pensar sobre quem é e o que quer. Educar não é treinar, mas promover atitude reflexiva e de interesse pelo aprendizado contínuo”, concluiu.
As apresentações, que conquistaram a atenção de todos os participantes, foram precedidas da conferência A experiência da Caravana do Cremepe contada em duas canções, conduzida pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital Tavares Corrêa Lima. Ele abordou as percepções decorrentes da iniciativa, durante a qual foram visitados municípios com IDH baixo no Estado.
Duas canções – “Esse é um tema muito estimulante. Assimilei as experiências como consistentes conteúdos de vida, estimulantes de compaixão. Sensibilizado com as emoções despertadas, decidi fazer a síntese dessas experiências em linguagem com poder de comunicação. Tomei por empréstimo alguns trechos de textos de duas canções de poetas cantores – Milton Nascimento (Nos Bailes da Vida) e Geraldo Vandré (Para Não Dizer que Lhe Falei das Fores)”, disse.
Após a apresentação destas canções pelo músico Guilherme Junior, o presidente do CFM enumerou suas impressões e sentimentos despertos após o encontro com a realidade do interior pernambucano. Finalmente, ressaltou a necessidade de se estar atentos às questões que ultrapassam os aspectos médicos e que tocam também em agendas sociais e políticas. “Há que se ter esforço nesse sentido. Entre as causas publicas nesse país, a questão da saúde deve ser prioritária como o é a questão da educação. Temos que trabalhar com esforço social, pressão social, que é o que direciona a ação política”, arrematou.