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José de Souza Costa* A Ginecologia baiana ficou abalada com o falecimento, no dia 9 de junho, do eminente professor que, durante muitos anos, e talvez os mais brilhantes, esteve à frente da cadeira de Ginecologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) até a sua aposentadoria, em 1976. Falar do homem Alício é reconhecer o caráter impoluto, a operosidade como médico inteligente e capaz, a firmeza das posições e princípios na vida profissional, social e familiar. Falar do professor é discorrer sobre a capacidade de liderança e organização, o entusiasmo no desempenho das atividades de ensino, calcadas em apreciada eloqüência, bem cuidada didática e exemplar desempenho técnico. No centro de uma plêiade de operosos profissionais que formou ou recrutou por inequívocos dotes, e que o acompanharam desde os primórdios da sua trajetória docente – João Costa Filho, Jair Francisco Burgos, Geilza Cravo Batinga, Hugo da Silva Maia, Maria de Lourdes Rocha Santos Burgos, Adelmo Maurício Botto de Barros, entre outros – Alício Queiroz despontava como o astro que a todos distribuía o brilho da sua invulgar inteligência e o calor do seu entusiasmo acadêmico. Conheci-o em 1956, no quarto ano do curso médico, quando prestei concurso para o Internato de Ginecologia, o que me propiciou uma convivência quase diária, levada a severas reprimendas por erros e descuidos, a cansativas tarefas, a noites maldormidas pela necessidade de estudar, para ter prontas as respostas a inesperados questionamentos, e de chegar em tempo para as precoces visitas à enfermaria, as seções clínicas e o preparo das atividades cirúrgicas, iniciadas às 7 em ponto, rotina somente interrompida com a minha formatura em 1958. Só após 4 anos de ausência, dedicados à Residência Médica de Cirurgia no Hospital das Clínicas e à pós-graduação nos Estados Unidos, voltei à Clínica Ginecológica, em 1962, onde retomei as minhas atividades. Adotamos pontos de vista divergentes em várias ocasiões, o que não impediu o Professor Alício de oferecer-me importante apoio nos concursos de Doutorado e de Livre Docência a que me submeti. Pouco a pouco, conquistei o seu respeito, já que simpatia foi sempre uma constante no nosso relacionamento. Essa conquista ficou patente nas indicações para substituí-lo em congressos e cursos e na gradativa passagem para mim das atividades didáticas e administrativas da Clínica Ginecológica, que se completou com a entrega da chefia do Serviço de Ginecologia, por ocasião da sua aposentadoria. Penso que realizei todas, ou pelo menos grande parte, das apostas que ele fez em mim, durante os longos anos em que exerci a chefia da Clínica Ginecológica, culminando na minha aprovação no tardio concurso de Professor Titular, em 1999. Como bom mestre, acompanhava a minha trajetória, telefonando para cumprimentar-me nessas ocasiões. Sua vida acadêmica foi só alegria? Não, houve também contratempos. Jamais será esquecida a sua tristeza pela mudança da enfermaria de Ginecologia do seu local tradicional, no 1º andar, quando foi dispersada a apreciável coleção de livros, revistas, fotos e filmes que havia reunido, e todas as instalações ali mantidas foram desmanteladas, tendo o Laboratório de Citopatologia sobrevivido graças à cessão que fiz do meu laboratório de pesquisas no 6º andar. Ficou famosa a descrição da sua mágoa ao ver, da varanda, os seus pertences, incluindo os seus sapatos brancos, serem carregados do hospital na caçamba de um caminhão para destino desconhecido. A reforma universitária, em 1969, retirando-lhe o título e parte das atribuições de “catedrático”, foi uma ducha no seu entusiasmo, ao que se somou a dificuldade de conviver com os novos conceitos de planejamento e avaliação didáticos, tais como “carga horária”, “pré-requisitos” e “creditação”. Por isso, foi-se afastando aos poucos, curtindo em surdina o seu desencanto. Mas, como homem de fibra, permaneceu até o fim no exercício da chefia do serviço do Hospital Edgard Santos e, após deixar a Faculdade de Medicina, continuou emprestando a sua experiência clínica e cirúrgica no Hospital Jorge Valente, durante muitos anos. É esse o homem que todos devemos lembrar, seus ex-alunos, colegas, discípulos e amigos. Como está consignado na placa que fiz inaugurar sob o seu retrato, na sala da enfermaria de Ginecologia, em 1986, ao completar 10 anos de aposentadoria, foi o “Mestre e Modelo de incontáveis gerações de ginecologistas”. Como disse nas palavras proferidas no seu sepultamento, “a sua aposentadoria abriu uma grande lacuna no ensino da Ginecologia na Bahia e a sua morte deixa um enorme vazio na lembrança de todos nós”. Ave, Alício! Até a próxima. * José de Souza Costa é Professor Titular de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Ufba; ex-presidente do Cremeb.

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