“Eu passava mal quando tinha de pegar o trem logo pela manhã. Tinha pavor de alguém me seguir, de ser estuprada. Ia rezando até meu destino. Se eu sentia que alguém tentava falar comigo, minhas mãos gelavam, sentia pânico e tinha taquicardia. De tanto medo, não conseguia nem ler, perdia a concentração.” A professora em projetos sociais Elaine Camunha, 29, sente um pavor incontrolável da violência sexual. “Nunca fui molestada.” Ela não dorme sozinha nem entra em bancos desacompanhada e sabe que seu medo exacerbado –até de fantasmas, apesar de nunca ter visto um– a atrapalha. “Eu dependo de outras pessoas para fazer certas coisas, mas não tenho medo de assumir: sou medrosa mesmo e nem por isso me considero neurótica. A violência em si não é objeto específico da medicina. Contudo, o relato de Elaine resume como o medo da violência urbana pode agir na mente e no corpo dos moradores das grandes cidades. Assim, o excesso de prevenção, regido pelo medo exacerbado, sem limites e infundado, pode desencadear distúrbios mentais –que vão de neurose e paranóia a síndrome do pânico– e, como conseqüência, causa até transtornos físicos –como úlcera, taquicardia, hipertensão e tensão muscular, queda da resistência e aumento de quadros infecciosos. Identificar o que são simples atitudes preventivas não é tarefa simples. Segundo especialistas ouvidos pelo Equilíbrio, existe uma linha muito tênue que separa a precaução do medo da violência, cujas atitudes extremas, porém não incomuns, levam o cidadão a se privar até de seu direito de ir e vir. Para a Polícia Militar, não existem excessos em se tratando de segurança, ou seja, vale tudo para se proteger. Para o psiquiatra Olavo Pinto, do International Mood Center, da Universidade da Califórnia (EUA), as pessoas têm vergonha de procurar ajuda, pois se consideram fracas em relação às outras, já que seus medos são incomparavelmente maiores. “Mas não é sinal de fraqueza, é doença e deve ser encarada como tal.” Mas, então, como estabelecer parâmetros de normalidade? É preciso identificar os gatilhos que levam à neurose –distúrbio cujo uso do termo foi banalizado e hoje é obsoleto na comunidade ortodoxa científica–, que não se desenvolve da noite para o dia, mas é construída ao longo da formação da personalidade, de acordo com o psicanalista Noé Marchevsky, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Assim, fica fácil identificar uma neurose legítima quando certos comportamentos começam a atrapalhar a rotina, seja profissional, amorosa ou familiar. “A pessoa normal tem uns tiquezinhos aqui ou acolá. O problema é ela ser dominada pelo medo”, diz Marchevsky. O corpo sente Quando aumenta a violência, cresce também a ameaça e a prontidão. A resposta orgânica para esse sentimento é o aumento da pressão e da sudorese. A pessoa passa a enxergar mais coisas do que imagina. “A violência deixa as pessoas mais neuróticas. Existe uma inteligência contra a violência, mas o organismo fica ansioso quando não consegue descobrir uma solução inteligente, seja mística, crédula etc”, diz Henrique Del Nero, psiquiatra e filósofo, chefe do Departamento de Ciência Cognitiva da USP. A solução para controlar as fobias, segundo Del Nero, é desenvolver medidas inteligentes que diminuam a ansiedade. “Não é mudando o mundo, mas uma área da realidade.” É o que muita gente tenta fazer quando está ao volante. Com o crescente aumento de roubos a carros parados em faróis, os motoristas tentam se livrar como podem da ameaça. “Estou sempre de vidro fechado, não deixo ninguém andar comigo com o vidro aberto”, diz a artista plástica e paisagista Gica Mesiara, 30, que, apesar de não ter medo de malabaristas no farol –“até me divirto”–, não se distrai. “Estou sempre precavida. Até mesmo se vou dar dinheiro para o malabarista ou para uma criança, abro só um pouquinho do vidro”, confessa Mesiara, que nunca foi assaltada no trânsito, mas quase na rua. “Fiquei tão nervosa que tive um chilique. O cara foi embora.” O grau de ansiedade –ou o medo da violência– pode até ser medido em “toques”. Para testar esse termômetro, experimente encostar subitamente em uma pessoa distraída: provavelmente ela vai pular e dar gritos de susto, com medo de uma agressão. O índice que mede a violência é também alto e epidêmico. É raro encontrar alguém que nunca foi vítima de violência ou que não conheça alguém próximo que tenha sido –“diferentemente de alguns anos, em que a raridade consistia exatamente no contrário”, como afirma o sociólogo Luís Antônio de Souza, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (USP). Interrupção Uma das principais questões que devem ser trabalhadas com familiares de vítimas de homicídio é a interrupção do ciclo de violência proporcionada pela agressão, afinal, apesar de parecer lugar-comum, violência gera violência. É natural e até saudável o sentimento de vingança de um parente ou amigo de uma vítima da violência. O problema é quando esse sentimento é colocado em ação. É aí que entram os grupos de apoio, diz o psicólogo Francisco Beltrão, do Centro de Referência e Apoio à Vítima (Cravi), programa de atendimento gratuito da Secretaria da Justiça de São Paulo. Outra solução é procurar grupos de auto-ajuda como o Neuróticos Anônimos. Medo à venda Mercado sempre em alta em qualquer comunidade com níveis altos e constantes de violência, a indústria do medo é lucrativa: blindagem, segurança particular ou comunitária, grades, armas e munição, mesmo no mercado paralelo. “Assim, cresce a paranóia e a neurose. O Estado não dá conta e a pessoa fica cada vez mais agressiva”, afirma o especialista em violência da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Flávio Testa. Segundo levantamento do sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Misse, o excesso de informação violenta é responsável por gerar medo e neuroses urbanas. “As pessoas têm acesso à informação sem experimentar a situação, pois existe a diferença entre a percepção real, que é como a realidade é interpretada, e a violência real. Em pessoas com predisposição, isso pode desencadear até a síndrome do pânico”, diz Misse. Dilema O que poderia ser melhor, menos mal ou pior? Pecar pelo excesso de prevenção –e entra aí viver em uma “ilha” cercada de arames farpados e câmeras de segurança– ou manter um nível razoável de relacionamento social, saindo à noite e até abrindo a janela do carro para dar dinheiro a um pedinte, mesmo se expondo claramente a assaltos? “O ser humano é adaptável e possui mecanismos para conviver com riscos”, afirma Antonio Flávio Testa, sociólogo, antropólogo e psicanalista da UnB, para quem o medo é saudável. “Parte desse medo amputa a vida social, principalmente em comunidades em que os moradores estão entre a polícia e o bandido e não têm a quem recorrer”, afirma a psicóloga social Nancy Cardia, da USP. As pessoas são induzidas a tomar medidas preventivas que, com o tempo, passam a ser automáticas, assim como escovar os dentes. O medo de as filhas serem assaltadas em sua própria casa, principalmente quando não está lá para protegê-las, fez com que a empresária Carolina Correia Botelho, 29, projetasse um “bunker” –espécie de câmara secreta inviolável utilizada como abrigo em caso de invasão de criminosos– em sua futura casa, em São Paulo. “A sensação de segurança é plena”, garante. “Não abro os vidros de meu carro. É claro que ver crianças pedindo esmola nos faróis toca meu coração, mas sei que, naquele momento, não posso ajudar. É a regra número um dos procedimentos de segurança. Faço minhas ajudas em creches, em escolas. Quando minhas filhas ganham brinquedos novos, doamos os velhos a instituições de caridade”, relata Botelho, que anda em carro blindado. Gastos sociais Além de trazer um sofrimento emocional maior, o aumento da depressão e da ansiedade também eleva os custos sociais. Muitas das principais causas de incapacitação profissional no mundo são problemas mentais. E os sinais da ansiedade são caracterizados por crises de taquicardia, mal-estar abdominal, tensão muscular. Com esses sintomas, vêm a irritação e dificuldade para relaxar diante de situações que gerem medo. “É quando a pessoa tem a sensação de perder os limites, de não ter mais controle de sua vida”, analisa o psiquiatra da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Mário Eduardo Costa Pereira, autor do livro “Pânico e Desamparo”. s Veja como identificar o medo infundado -Tente reconhecer os sintomas e as situações de medo -Formule um plano de ação para amenizar a ansiedade -Converse com pessoas e compare medos e atitudes preventivas -Medo não é fraqueza: procure um profissional, se necessário Saiba mais www.nev.prp.usp.br (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) www.necvu.ifcs.ufrj.br (Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ) www.justica.sp.gov.br/cravi.htm (Centro de Referência e Apoio à Vítima – Cravi) Neuróticos procuram grupos de ajuda Apesar de nunca ter sido assaltada, a funcionária pública aposentada Valdete (ela não quis revelar o sobrenome), 60, tinha absoluta certeza que seria, a qualquer instante, vítima de algum tipo de violência. Sua mania de perseguição chegou a tal ponto de não ficar próxima à linha amarela do metrô, pois tinha medo de alguém empurrá-la. “O neurótico tem dessas coisas. Exagera em tudo”, resume Valdete, atual secretária nacional do grupo de auto-ajuda Neuróticos Anônimos. O grupo é uma versão do AA (Alcoólicos Anônimos), porém destinado àqueles que “tendem a ter atitudes desproporcionais à situação por causa do medo, sem saber administrar suas emoções”. Há 30 anos no NA, Valdete conta que, assim como uma doença crônica, não pode deixar de freqüentar as sessões semanais, mas se considera uma pessoa “normal”. “Até por conta da segurança, tenho uma conduta reservada, mas não vivo mais apavorada.” Com cerca de 460 “filiais” espalhadas pelo país –são aproximadamente 25 freqüentadores por reunião–, cada semana uma média de três pessoas ingressam ao grupo, cujas sessões são gratuitas (www.neuroticosanonimos.org.br) Cidade do vizinho é mais violenta Por que paulistanos tendem a achar que o Rio de Janeiro é mais violento que São Paulo e vice-versa se ambas as capitais têm índices de violência compatíveis? Pesquisas afirmam que, quanto mais distante a pessoa está da realidade, mais ela tende a idealizar negativamente o ambiente, como afirma o sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana, da UFRJ. “A pessoa não vivencia aquela violência. Ela ouve por um segundo meio, seja o noticiário ou o amigo. Isso acontece no mundo todo, a pessoa tende a relativizar a notícia, acreditam que a violência está na cidade toda”, diz Misse. Para ele, o excesso de sensacionalismo contribui na elaboração negativa na psique coletiva, pois a sociedade tem acesso à informação, mas sem experimentar a realidade. Mas essa percepção também esbarra no desconhecido e está vinculada a questões geográficas. “O ser humano se relaciona com o ambiente em que vive. Os moradores sabem identificar os pontos de risco de sua região. Quem domina seu ambiente físico leva vantagem. Muitas guerras foram decididas assim”, afirma Antonio Flávio Testa, sociólogo, antropólogo e psicanalista especialista em violência urbana da UnB. Já a psicóloga social Nancy Cardia, vice-coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que os paulistas têm mais medo do Rio que os cariocas de São Paulo. “São tipos diferentes de violência. No Rio, ela está mais espalhada e existe a proximidade da classe média com os pontos de risco.” Da Assessoria de Imprensa do Cremepe. Com Informações da Folha Equilíbrio. Foto: Equilíbrio On Line.

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