A imagem do médico clinicando sozinho, no refúgio do seu consultório, e cobrando os honorários diretamente do paciente é coisa em extinção. Em Salvador, apenas 1,5% dos profissionais exercem exclusivamente a atividade, a maioria está no consultório ou na emergência de um hospital, empregados do setor público ou privado, e mais de 50% são prestadores de serviços. Estes dados foram obtidos pelo pesquisador e conselheiro do Cremeb Carlito Lopes Sobrinho, para uma tese de doutorado desenvolvida pela Famed/Ufba, e reforçam a idéia de que a precarização do trabalho na Medicina é crescente, atingindo a saúde do próprio médico. “A saúde precisa ser entendida como um bem público e, para cuidar bem da sociedade, o médico precisa de condições de saúde e de trabalho”, afirma o autor. Segundo Carlito Sobrinho, a freqüência de distúrbios psíquicos menores (DPM), como estresse, ansiedade e depressão, em médicos consegue ser maior do que em outras categorias profissionais, caso dos metalúrgicos de São Paulo, professores de ensino secundário em Salvador, metroviários do Rio de Janeiro, professores da Ufba e da Uefs. No total, os médicos apresentaram cerca de 26% de DPM, que está diretamente ligada ao ritmo como atendem seus pacientes (alta demanda) e à autonomia para exercer o que realizam (baixo controle). Quanto maior a demanda e menor o controle, maior então a carga de tensão. “Médicos com trabalho de alta exigência apresentaram três vezes mais DPM do que os que trabalham com baixa exigência”, informou. Outra conclusão: a DPM ocorre principalmente em mulheres, em médicos solteiros, com idade abaixo de 45 anos e que não praticam atividades fisícas. Em comum à maioria dos médicos pesquisados, a elevada sobrecarga de trabalho, as múltiplas inserções no mercado (funcionalismo público, terceirização, cooperativas de trablho, etc), o serviço em regime de plantão, contratação precária sob a forma de remuneração por procedimentos e a baixa remuneração. Para empreender a pesquisa, Carlito Sobrinho passou dois anos pesquisando, com apoio do CNPq, do Cremeb e do Sindimed, e incluiu, originalmente, 800 médicos no estudo, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Edgard Santos (Hupes). Da amostra final, fizeram parte 350 questionários que foram repassados individualmente, contendo perguntas sobre saúde física e mental, hábitos de vida e condições de trabalho. “Condições de Trabalho e Saúde dos Médicos em Salvador”, título da tese, foi defendida no final do ano passado e contou com o médico e professor Fernando Martins Carvalho como orientador. MODELO JAPONÊS – Flexibilidade de contratação da força de trabalho. Esta é uma característica importante do “modelo japonês”, um modelo de organização do trabalho humano que transformou o mundo e foi aplicado na Medicina brasileira com todas as suas perversas implicações. Para Carlito Sobrinho, seus efeitos refletem-se na pesquisa, que mostra como de um perfil artesanal, típico do início do século XX, a assistência à saúde assumiu o modelo fordista – em que o capital passa a comandar o trabalho e a vida do trabalhador, com a perda da autonomia e o assalariamento – até a atualidade, com a crescente informalização das relações de trabalho. “Os médicos, hoje, estão submetidos ao mesmo sistema de exploração que os trabalhadores em geral”, admite o pesquisador. Em Salvador, a mudança da inserção assalariada para uma inserção sem vínculo empregatício, remunerada por procedimentos, explica, tem gerado instabilidade, múltiplas inserções de trabalho e aumento do desgaste físico e psíquico. A dificuldade, portanto, está em exercer em toda a sua plenitude uma atividade complexa, intelectual, que envolve a subjetividade de dois indivíduos, a do médico e a do paciente. Sem a confiança deste, não há relação que perdure. “O paciente deposita confiança no médico que o ampara, o acolhe e não apenas o atende”. O capítulo “Ética e Subjetividade no Trabalho Médico” é um dos que mais merecem atenção do leitor médico. Nele, o autor trata da tensão que existe no trabalho médico, decorrente da objetividade da ciência e da individualidade do caso. Com as substanciais inovações científicas, tecnológicas e econômicas, o discurso humanístico da Medicina perdeu terreno, discurso este que, mais do que nunca, precisa ser retomado pelas Faculdades de Medicina nas disciplinas de Ética Médica. ENTREVISTA Jornal do Cremeb – A pesquisa “Condições de Trabalho e Saúde dos Médicos em Salvador” poderá ter desdobramentos? Carlito Sobrinho – Sim. Penso agora em estudar durante um ano os médicos residentes da Bahia, estudar os diferentes processos de trabalho desenvolvidos nas diversas especialidades médicas. Processo de trabalho equivale aos fatores químicos, físicos, biológicos e ergonômicos envolvidos na atividade. Cada especialidade tem o seu. Escolhemos apenas os médicos residentes pois eles têm um contrato de trabalho de dedicação exclusiva em que recebem a mesma remuneração para cada 60 horas semanais trabalhadas, cerca de R$ 1.300. E isso é igual para todas as especialidades. JC – Alguma hipótese já em vista a respeito desse trabalho? CS – Supomos que os médicos que atuam em urgências e emergências, em UTIs e certas especialidades cirúrgicas têm uma situação de maior exigência. E, por isso, mais propensos a terem DPM. JC – De uma maneira geral, os médicos são resistentes a falar de sua saúde e das condições de trabalho a que estão sujeitos? CS – Correto, principalmente na devolução do questionário. Mas não sei se se trata de resistência, que é algo consciente, ou de negligência. O médico não pára nem para pensar. Está tão envolvido com o trabalho que não quer desviar a atenção. Negligência é próprio de alguém desligado, alguém que dá pouca importância a si mesmo. JC – Mudanças imediatas na organização e gestão do trabalho. É o caminho para onde a sua pesquisa aponta. Concretamente, isto significa o quê? CS – Tem que haver algumas mudanças. Caminhamos do modelo artesanal para o modelo japonês, um modelo de exploração exacerbante, excludente e nada solidário. E esse modelo trouxe enormes implicações para a saúde física e psíquica. É um modelo muito bom para o capital, mas nada atraente para os trabalhadores. A situação é difícil e os empregados, aí incluídos os médicos, estão fragilizados. Mais cedo ou mais tarde, o trabalhador terá de enfrentar o capital. Há uma necessidade de confronto. JC – Não é uma visão muito marxista? CS – É uma visão marxista, sim. A relação entre patrão e empregado é uma relação de conflito permanente, pois envolve interesses muito diferentes. JC – Consciência de classe para mudar. Existe isso entre os médicos? CS – Infelizmente, não. Dizem que os médicos são corporativistas, mas a Medicina ainda não é um corpo. Não temos consciência de classe. Muito em função da ideologia liberal, os médicos ainda não trabalham de forma solidária e não sabem que precisam se organizar e criar pactos entre si. JC – Há que se ter “criatividade” para exercer bem a Medicina. É uma das suas afirmações. Que “criatividade” é essa? CS – Isso tem a ver com a Ética. A Medicina tem que adotar um modelo cuja finalidade seja aliviar o sofrimento, cuidar, zelar pelo outro. São princípios éticos primordiais da profissão. A luta que os médicos têm que empreender deve estar pautada nesses princípios. É inclusive a única maneira de se ganhar o apoio da sociedade, que precisa ser nossa aliada. O resgate da atividade profissional tem que passar pela Ética. Para ser médico, há que se ter vocação também. PERFIL DOS MÉDICOS PESQUISADOS 54,4% – sexo masculino 45,6% – sexo feminino 57,2% – casados 21,8% – solteiros 52% – nascidos em Salvador 34,5% – nascidos no interior da Bahia 13,5% – outros Estados ESPECIALIDADES MAIS FREQÜENTES 12,6% – Ginecologia e Obstetrícia 8,2% – Pediatria 5,7% – Cirurgia Geral QUEIXAS DE SAÚDE 54,1% – cansaço mental 43,3% – dores nas costas 37,5% – sonolência 37,2% – dores nas pernas 25,1% – insônia E MAIS… 58,4% têm carga horária semanal de trabalho igual ou superior a 40h 40% dos médicos realizam atividade em regime de plantão. Desses, 60% têm carga horária igual ou superior a 24h semanais 61,9% têm renda mensal inferior a R$ 5 mil 48,6% fazem uso de bebida alcoólica 6% fazem uso abusivo de bebida alcoólica 24 % desenvolveram hipertensão arterial após o início da atividade médica 36 % das mulheres e 18% dos homens apresentaram DPM

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