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Conselho Federal de Medicina

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Cosme Humberto Correa Techera* minha escolha pela profissão de médico se remete a minha adolescência. Posteriormente, já na Faculdade, me deslumbrava estudando os mistérios que encerra nosso corpo, a biofísica, a bioquímica, a farmacologia, as diferentes patologias e, finalmente, nos hospitais, com a incondicional e insubstituível colaboração dos doentes, aprendi a clínica, a fazer diagnósticos e implementar tratamentos. Entretanto, foi mais tarde ainda, já maduro, que compreendi que ser médico é muito mais que saber qual o remédio indicado para esse ou aquele mal, ou retirar através de uma cirurgia magistral um órgão doente. Ser médico é estar disposto a escutar com atenção o que o paciente vem nos contar e saber fazê-lo sentir que pode confiar em nós, que estamos dispostos a perceber e receber suas emoções, temores, angústias; fazê-lo sentir que temos a suficiente sensibilidade para compreender que durante esse momento mágico que é a consulta médica, se há desenvolvido ou está se desenvolvendo um vínculo único, que é a chamada relação médico-paciente. Relação esta imprescindível e absolutamente necessária para o exercício da Medicina, que não pode e nem deve ter intermediários, que às vezes necessita de tempo para ser estabelecida, sem a qual se torna muito difícil ou até impossível fazer um diagnóstico ou prescrever um tratamento com vistas a conseguir a cura das enfermidades do corpo, ou, pelo menos, o consolo ou alívio dos sofrimentos da alma. É o primeiro passo quando os nossos olhos são capazes de perceber pequenos gestos ou expressões que revelam grandes segredos, nossos ouvidos capazes de observar variações da voz que os não-médicos não perceberiam, e os sons que o corpo emite e captamos, nossas mãos prontas a traduzir a ansiedade pela via da temperatura, ou um pequeno tremor da mão do paciente, ou do familiar, quando nos cumprimenta, ou de compreender, ao palpar aquele abdômen, o que ele esconde. Enfim, os nossos sentidos são treinados e adaptados ao longo do exercício da nossa vida profissional, a captarem, como artistas, fatos da mente e do corpo que só mesmo nós, médicos, somos capazes de fazê-lo. É o que poderíamos chamar de medicina-arte . Há 30 anos exerço a Medicina que, atrelada à física, à química, à conquista do espaço, à engenharia genética, atingiu no século XXI um nível inimaginável, obrigando a mim e aos meus colegas uma atualização permanente. O médico que não o fizer, ficará sem respostas para uma série de perguntas, sem saber que existe e como se valer da tomografia computadorizada, da ressonância magnética, da ultra-sonografia, da cirurgia a laser, da cirurgia endovascular, dos transplantes, da engenharia genética, das modernas técnicas e drogas para o diagnóstico precoce e tratamento das doenças cardiovasculares, do câncer, da AIDS, do implante de células-tronco etc. Essa é a Medicina que poderíamos chamar de medicina-ciência. Que eu as chame de arte e ciência não quer dizer que sejam duas, ou que possam ser exercidas separadamente. A medicina é uma só, indivisível. Ela é o que o seu titular faz para seus pacientes, seja individual, nos consultórios e hospitais, ou coletivamente por intermédio das ações de saúde pública. Ambas são uma só, companheiras inseparáveis. Na forma correta e ética de exercê-la, é, no meu descortino, a mais humana e humanitária de todas as profissões, pois lida, concomitantemente, com coisas também indivisíveis: corpo, alma e mente. Infelizmente, essa Medicina aqui descrita agoniza, sufocada pelos interesses econômicos e pela falta de uma política de saúde adequada. Ao limitarem de forma desapiedada e perversa os meios de que deveríam dispor para professá-la, os médicos honestos e dedicados ficam impedidos de exercê-la. Estão tentando matar a nobilíssima profissão, obrigando-nos a atender inúmeros pacientes em um curtíssimo lapso de tempo, consultas incompletas, mal remuneradas, que não nos permitem ouvir, perguntar, olhar, palpar, auscultar, conhecer e muito menos fazer-nos ouvir, explicar, tentar trocar a expressão de dor, com a qual fomos procurados, por uma de alegria quando nos despedimos. Consultas que impossibilitam estabelecer um liame, uma relação médico–paciente adequada. Estão tentando matar a medicina quando nos impedem de pesquisar ou tratar corretamente uma doença, porque a tecnologia e os procedimentos chamados de alta complexidade representam custos elevados, que podem afetar os lucros das empresas que intermediam a relação médico-paciente. Não permitamos que tal situação se perpetue: somente nós, médicos, conhecedores do gigantesco problema que vivemos e vivenciamos, com o auxílio de nossos pacientes e da população, conseguiremos evitar que a nossa arte milenar e a nossa ciência, que não têm limites no tempo, continuem transformadas em mercadorias que enchem de lucros os chamados administradores da saúde, transformando-nos em objetos de leilões, iguais àqueles – de tristíssima memória – que eram perpetrados com os homens e com as mulheres que aqui chegavam nos navios negreiros. *Cosme Humberto Correa Techera é médico

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