A história da Medicina brasileira pode ser dividida em antes e depois da criação dos Conselhos de Ética fiscalizadores da profissão. Na Bahia, não se pode falar do tema sem citar o cirurgião João Torres, que liderou no estado a implantação do Cremeb. Ia de consultório em consultório a fim de convencer os colegas a se inscreverem na entidade. Chegou a tirar dinheiro do bolso para bancar os gastos, e foi sua mulher, Dona Neuza, quem costurou as carteirinhas dos primeiros membros do Conselho. Alheio a superstições, João Torres se inscreveu com o número 7. Aos 86 anos de idade, o fundador do Cremeb mantém na memória vários fatos que marcaram aquela época, como as visitas feitas aos médicos baianos presos pelo regime militar de 1964. Durante a entrevista, em seu amplo apartamento num dos poucos prédios antigos que ainda restam no Corredor da Vitória, ele remexeu papéis, abriu pastas e gavetas. Desde aquela época, conta, o Cremeb já promovia simpósios na capital e no interior com o objetivo de aproximar os médicos de temas de ética médica. Nas eleições de 1958, realizadas no prédio da Secretaria de Saúde (onde hoje funciona o Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória), votaram 895 médicos – 683 de Salvador e o resto do interior. Duas chapas concorreram. A Chapa 1, com 498 votos, derrotou a Chapa 2, que teve 376 votos. O primeiro corpo de conselheiros do Cremeb reunia a nata da classe médica baiana, diz João Torres, uma estratégia para influenciar os colegas a se inscreverem. Da lista faziam parte, entre outros, Aníbal Silvany Filho, Aristides Novis Filho, Clarival do Prado Valadares, Estácio de Lima, Fernando Filgueiras, Hosannah de Oliveira, Jorge Valente e Menandro de Farias. P- Qual foi a reação dos médicos diante da criação do Cremeb? R – A classe médica, no início, não aceitou os Conselhos porque achava que era aquele modelo antigo (o de 1945, instituído no Governo Getúlio Vargas), do Ministério do Trabalho, que só visava sentenciar. Até hoje ainda tem esse ranço. Como eu estava eqüidistante, eles confiaram muito em mim. Eu não era político. Fundei o Sindicato para depois criar o Conselho. Os médicos foram se inscrevendo lentamente. Uns diziam: “ah, mas esse Conselho é punitivo”. Eu respondia: “Não. Se você ler o Código vai entender que, se o Conselho pune o médico errado, está beneficiando todos, chamando a atenção de que aquele elemento deve mudar”. Em toda classe há desvios. P – O que significava presidir o Cremeb nos seus primórdios? Como angariar recursos? R – Inicialmente, o Conselho não tinha dinheiro. Minha senhora fazia as carteiras. O Conselho não tinha funcionários. Depois fui reembolsado (risos). Eu obrigava os primeiros servidores a saberem a lei e o Decreto, porque eu não podia passar o tempo todo no Conselho. Eles chegavam, e eu fazia uma sabatina. Os médicos precisavam ser orientados. Foi um movimento gradual de conscientização da classe médica. P – Onde ocorriam os encontros dos conselheiros? R – O órgão era para ficar num edifício federal. Ofereceram a Receita, lá na Cidade Baixa, mas reunião ali, à noite, era impossível. Depois, a Reitoria, mas como àquela época havia dois grupos – um ligado ao reitor (Edgar Santos) e outro ligado a outras faculdades –, preferi ficar na Secretaria da Saúde. P – Um lugar neutro… R – Exato. P – As reuniões do Cremeb então aconteciam à noite… R – É, inclusive durante a Revolução (refere-se ao golpe de 64). Havia o toque de recolher, às 21 horas. Telefonei para a 6ª Região Militar e perguntei: “O ministro então não pode sair? E o anestesista, o cirurgião?”. Informaram: “O Sr. manda o médico aqui, com a carteira de identidade do Cremeb e a carteira de identidade civil”. Como eles tinham toda a relação do Dops de quem era “subversivo”, o médico corria o risco de ficar por lá mesmo. Visitei vários colegas presos. Pedi ajuda a um colega, Dr. Bráulio, médico militar, que havia sido capitão, e, quando transferido para Fortaleza, me pediu para fazer um cartão apresentando-o ao Conselho de lá. Na Revolução, ele era coronel, chefe do Serviço Médico na Bahia e pertencente ao Estado Maior. Falei com ele. Antes das visitas, eu avisava a família, perguntava se queriam alguma coisa. P – O Cremeb pôde fazer alguma coisa pelos médicos perseguidos? R – O Cremeb foi a única entidade que funcionou durante a Revolução. Porque só tinha professores da faculdade, a nata da classe médica baiana. Uma vez recebi um telegrama pedindo informações para um inquérito policial militar sobre subversivos. Respondi ao general que aqui não tinha subversivos, mas conselheiros.. P – Fora esses incidentes, nenhuma outra interferência política? R – Nunca houve interferência política. Eles sempre me atenderam, por causa daquele favor que eu tinha feito para o Bráulio. E fizemos um trabalho no Conselho da Bahia que serviu de exemplo para outros Conselhos. Tanto assim que recebi do CFM a Ordem do Mérito, em 1967. Demos várias sugestões. Quando o médico se formava, o diploma dele ia para o Rio de Janeiro. Levava oito meses para voltar. O sujeito então podia ficar oito meses sem trabalhar. Nós criamos a inscrição provisória. P – O Sr. se formou em 1946. Nessa época já se falava em temas de ética médica? R – Sim, mas não pelas associações médicas, porque essas não existiam. Não havia nem Código. O médico fazia o curso, e alguns professores diziam o que era bom e o que não era. O sujeito andava solto. Movi um processo contra o presidente da ABM, Dr. Arnoldo Matos. Houve uma denúncia contra ele feita por outro colega. Dr. Arnoldo tinha se candidatado a uma vaga de conselheiro no Cremeb. Ele se afastou, foi julgado. Era meu amigo do peito… P – E erro médico? R – O médico de antigamente não era como hoje. Ele era um conselheiro da família. Tomava conta do menino, da mãe, do pai e às vezes era consultado sobre o noivado da menina! Havia uma afinidade. Por causa da tecnologia, a relação médico-paciente hoje está acabando. P – Uma das principais críticas feitas pelos médicos ao Cremeb é a de que se trata de um órgão punitivo da categoria. É possível mudar isso? R – Esse ranço vem desde aquela época, mas o sentido de fiscalizar é, se eu puno um indivíduo, é em benefício de todos. Se eu tenho um câncer na ponta do dedo, vou tratar de operar. Significa que eu estou contra o dedo todo ou a favor? A mesma coisa o Conselho. P – O que pode ser feito, na sua opinião, para que os laços do Conselho com a classe médica fiquem mais estreitos? R – É o que já está sendo feito: reuniões, congressos, visitas a hospitais. Porque aí o médico vai vendo e se conscientizando, mas… (interrompe para mostrar o verso de um dos boletins que editou com a seguinte frase: “O trabalho em equipe não diminui a responsabilidade de cada profissional pelos seus atos e funções”). A responsabilidade é própria de cada médico, não se transfere. Uma certa vez chegou aqui um boliviano, antigamente existiam aqueles convênios, e ele queria estudar aqui, sem fazer vestibular. Vinham para a Bahia, às vezes casavam com uma baiana. Eu perguntei: “Você está em que ano?”. Tinha que fazer avaliação, saber português (ou vai receitar em espanhol?), saber História do Brasil e outras coisas. Só depois disso eu podia dar a inscrição no Conselho. Quando você vai construir uma casa, assina um contrato com o engenheiro. O contrato do médico é um contrato tácito, não precisa de assinatura. Quando o doente se interna no hospital, já deu o direito ao doutor de fazer tudo, mas sem negligência, com perícia e prudência. Se ele (o médico) cometer uma dessas três falhas, o contrato está quebrado. P – Dr. João Torres, tem um episódio na história do Cremeb sobre o qual gostaríamos que o Sr. comentasse, o incêndio ocorrido na primeira sede. Foi mesmo um acidente? R – Foi acidental. O Cremeb funcionava numa sala da Secretaria da Saúde, na Vitória. Eu estava em casa, quando me telefonaram avisando que houve um curto-circuito. Tenho isso gravado. Os bombeiros estiveram lá. Muita coisa queimou, muitas atas, alguns prontuários tive que refazer. P – O Sr. tinha consciência de que era parte de um capítulo fundamental da história da Medicina baiana? R – Eu sempre trabalhei para a Medicina baiana, na ABM, no Sindicato… (mostra nas paredes todos os diplomas e títulos que recebeu como médico e diretor de entidades). Sempre trabalhei por uma boa Medicina. P – Quais as principais conquistas que vê entre o Cremeb de hoje e o de ontem? R – Acho que a primeira foi a construção de uma sede. Cada conselheiro que chega dá a sua contribuição para melhorar. Eu dei a minha. Agora, a chave é trabalhar pela humanização do atendimento. Frases “Uma vez recebi um telegrama pedindo informações para um inquérito policial militar sobre subversivos. Respondi ao general que aqui não tinha subversivos, mas conselheiros”. “Movi um processo contra o presidente da ABM, Dr. Arnoldo Matos. Houve uma denúncia contra ele feita por outro colega. Dr. Arnoldo tinha se candidatado a uma vaga de conselheiro no Cremeb. Ele se afastou, foi julgado. Era meu amigo do peito…” “O contrato do médico é um contrato tácito, não precisa de assinatura. Quando o doente se interna no hospital, já deu o direito ao doutor de fazer tudo, mas sem negligência, com perícia e prudência. Se ele (o médico) cometer uma dessas três falhas, o contrato está quebrado”. Histórico do Cremeb O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina foram instituídos no Governo de Getúlio Vargas, pelo decreto-lei nº 7955, de 13 de setembro de 1945. A atuação dos Conselhos, no entanto, sofria influência direta do Governo Federal através do Ministério do Trabalho, o que provocou repulsa da classe médica. Esse decreto só foi revogado em 1957, com a Lei nº 3268 de 30 de setembro do mesmo ano, por intermédio da Associação Médica Brasileira e do Sindicato dos Médicos. Os Conselhos ultrapassaram, então, sua finalidade exclusivamente judicante para se tornar também fiscalizadores e promotores da ética no desempenho da profissão, como acontece nos dias de hoje. O Conselho Regional de Medicina da Bahia foi instalado em 10 de março de 1958, ficando a sua organização a cargo da Associação Bahiana de Medicina. A diretoria provisória, indicada pela ABM e aprovada pelo Conselho Federal era composta pelos médicos João Falcão Fontes Torres, como presidente, Josicelli Freitas (vice-presidente), Menandro da Rocha Novaes (1º secretário), Álvaro Rubim de Pinho (2º secretário) e Durval Pessôa Olivieri (tesoureiro). A sede provisória do Cremeb foi instalada no andar térreo da Secretaria de Saúde e Assistência Social, na Av. Sete de Setembro.Menos de um ano depois, foi eleita pelos médicos baianos a primeira diretoria efetiva do Cremeb, que cumpriu o mandato de 1958 a 1963. João Torres continuou como presidente. Para os demais cargos da diretoria, foram eleitos Benjamin da Rocha Salles, vice-presidente, José dos Santos Pereira Filho, 1º secretário, João Morais Sampaio, 2º secretário, e Mathias Mariani Bittencourt, tesoureiro. O regimento interno do Cremeb foi usado como modelo por vários outros CRMs do País. O Conselho também foi pioneiro na concessão de honrarias médicas, criou a inscrição provisória, a carteira simples e o emblema distintivo dos médicos.O Cremeb permaneceu funcionando na Secretaria de Saúde e Assistência Social até o fim dos anos 60. Depois de um incêndio no prédio, as reuniões passaram a acontecer na sede da ABM. Somente em 19 de junho 1975, o Cremeb conquistaria um espaço próprio, no Edifício Center Ville, na Piedade, local onde permaneceria 22 anos. No dia 18 de março de 1997, o Cremeb se transferiu para a atual sede, em Ondina. Biografia de João Torres Nascido na cidade de Itabuna, em 20 de setembro de 1920, João Torres tem quase 60 anos dedicados a Medicina. Formou-se na Faculdade de Medicina da Ufba em 1946 e especializou-se em Anatomia, Traumatologia, Fisiologia Endócrina, Técnica Operatória e Cirúrgica Experimental. Foi presidente do Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia na gestão 1956-1958. Em 58, foi indicado para fazer parte da diretoria provisória para a instalação do Cremeb, sendo escolhido presidente. Foi conselheiro em três gestões, 58-63, 1963-68 e 1968-71, estando à frente da presidência durante as duas primeiras Dentre as variadas funções exercidas, foi diretor do Departamento de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Assistência Social de 1960 a 1964. Em 1967, recebeu do Governo Federal a “Ordem do Mérito Médico”, por indicação do CFM. Em 1975, foi nomeado Chefe de Gabinete do Secretário Estadual de Saúde. Em 1977, foi homenageado pela Sesab com a inauguração do Pavilhão das Oficinas Protegidas João Falcão Fontes Torres, no Hospital Colônia Lopes Rodrigues, em Feira de Santana. Por indicação da Sesab, recebeu do Governo do Estado da Bahia a “Ordem do Mérito da Bahia”, no grau de Comendador, em 1979.Em 1984, participou da Comissão de Elaboração do projeto de construção do novo Hospital Geral de Salvador, em 1988, da Coordenação de Implantação dos Hospitais Gerais de Camaçari e de Salvador, e compôs no mesmo ano o Grupo Executivo para implantação do Hospital Geral do Estado. Apoiou vários programas estaduais em saúde Recebeu uma série de homenagens das entidades médicas baianas, dentre elas: homenagem do Sindimed pela contribuição à luta da categoria médica (1994); inauguração do Auditório João Falcão Fontes Torres na sede da Sesab (1995); Diploma de Mérito Ético-Profissional pelos 50 anos de exercício da profissão, pelo Cremeb, no Dia do Médico (1996); Diploma de Mérito Honra ao Médico, pela Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Medicina da Bahia (1996); Diploma Honorífico em agradecimento a dedicação na instalação do Cremeb e pelos serviços prestados à instituição (1998); “Ordem do Mérito” no grau de Cavaleiro pela Liga Bahiana Contra o Câncer (2001) e recebimento de uma placa pela participação na construção do SUS e do Conselho Estadual de Saúde, pela Sesab (2003).

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