Para lidar com as diferenças na oferta de médicos entre usuários do SUS e os clientes de planos de saúde, o estudo desenvolveu o Indicador de Desigualdade Público/Privado (IDPP). Trata-se da razão entre posto de trabalho médico ocupado em estabelecimento privado por 1.000 habitantes, sobre a razão posto de trabalho médico ocupado em estabelecimento público por 1.000 habitantes.
Quando o resultado é menor que 1, significa que há mais postos de trabalho médico ocupados no setor público proporcionalmente a seus usuários que no segmento privado, em relação a seus beneficiários. Se é igual a 1, indica que a relação é a mesma. Se o indicador é maior que 1, significa que existem mais postos ocupados no setor privado, sempre em relação à população coberta.
O cálculo demonstra que a razão de desigualdade em todos os estados é muito acima de 1 – a média é de 3,90, indicando que em todos há proporcionalmente muito mais médicos à disposição de usuários privados que de usuários exclusivos do SUS. Entre as capitais, no entanto, três delas têm o indicador abaixo de 1, com mais postos de trabalho médicos a serviço do setor público que profissionais no setor privado – Vitória, Rio de Janeiro São Paulo (tabela abaixo).
No geral, a desigualdade entre público e privado é menor nas capitais que no conjunto do estado. Uma ressalva importante: o IDPP não indica a falta ou excesso do quantitativo de médicos, nem a melhor ou pior qualidade da assistência. Mas, sim, aponta a diferença existente entre o privado e o público. Ou seja, quantos médicos estão à disposição dos planos de saúde por 1.000 clientes desses planos, versus médicos à disposição do SUS.
Rio de Janeiro e Bahia: extremos do IDPP – Os estados do Rio de Janeiro e da Bahia ilustram os dois extremos no IDPP (Tabela 14). Tomando-se o número de médicos cariocas ocupados nos estabelecimentos privados em relação a 1.000 habitantes beneficiários desses serviços, tem-se a razão de 5,9. No setor público, a relação é de 3,6 postos ocupados por 1.000 usuários/SUS. A razão do primeiro sobre o segundo é de 1,63.
Por sua vez, na Bahia, há 15,1 postos de trabalho ocupados no setor privado por 1.000 beneficiários. No setor público, a relação é de 1,2 posto de trabalho médico ocupado por 1.000 usuários/SUS. A razão do IDPP é de 12,5.
O resultado não mostra se há sobra ou falta de médico nesses estados, mas aponta que os cariocas que utilizam o serviço público contam com um número de médicos bastante próximo daqueles que se valem de planos privados de saúde. Já entre os baianos, há uma enorme diferença entre essas duas populações, com grande desvantagem para os usuários exclusivos do SUS.
O IDPP, portanto, ajuda a visualizar o nível de disparidade entre o Brasil da assistência médica privada e o Brasil do usuário que depende exclusivamente do SUS (Gráfico 5). No país como um todo, o IDPP é de 3,90, indicando um alto índice de desigualdade tanto entre as regiões quanto entre as capitais. Entre todos os estados, apenas sete têm o indicador de desigualdade inferior a 4.
Nos estados do Ceará, Roraima, Amapá e Amazonas, a desigualdade abaixo de 4 ocorre por conta do pequeno número de postos de trabalho médicos ocupados tanto no serviço público como no privado. Como esse indicador utiliza a cobertura populacional por planos de saúde, onde não há mercado privado significativo, a utilização do IDPP fica prejudicada, daí a limitação metodológica do índice.
No Amazonas, por exemplo, com o segundo menor índice de desigualdade (1,68), há 1,88 posto de trabalho médico ocupado no SUS – abaixo de 1,95 da média nacional – e apenas 3,17 postos de trabalho médico ocupados no setor privado, menos da metade da média nacional. Nesses casos, a igualdade se deve a uma nivelação por baixo, já que há baixa concentração de médicos tanto no setor público como no privado.
Além da Bahia (IDPP igual a 12,09), estados como Acre (9,74), Pará (9,62), Piauí (8,46) e Sergipe (7,27), entre outros, ilustram uma distorção que precisa ser considerada por qualquer política pública de incentivo à “ocupação médica”, pois o simples aumento no número de profissionais nessas regiões desassistidas pode ter efeito inverso: inflar o número de médicos à disposição do setor privado e agravar a desigualdade no acesso à assistência médica.