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Conselho Federal de Medicina

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Em 1987, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu 1º de dezembro como o Dia Mundial da Luta Contra a Aids para disseminar a prevenção e a solidariedade com os portadores do vírus HIV. Como forma de lembrar esse dia e entender os rumos da doença no Brasil, o departamento de comunicação da AMB entrevistou Adauto Castelo. Formado em Medicina pela Unifesp com doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Castelo é professor de infectologia da Unifesp, onde coordena o Núcleo de Patologias Infecciosas da Gestação (NUPAIG). 1- Qual é o panorama da doença atualmente no Brasil? A incidência está aumentando? Cumulativamente, entre 1980 e 2008, já foram oficialmente notificados 506.499 casos de Aids no país, com 35.384 novos casos registrados somente em 2006. Estima-se que existam 630.000 pessoas infectadas pelo HIV no Brasil. Apesar dos progressos consideráveis no enfretamento da epidemia, com exceção da região Sudeste, a incidência continua aumentando. Em 1997, ocorreram 15,8 infecções para cada 100.000 habitantes, número que saltou para 19 em 2006. A distribuição desses casos é bastante heterogênea. Apesar de reunir 60,4% dos casos notificados até 2008, a região Sudeste foi a única que apresentou redução na incidência de novos casos: no período de 2000 a 2006 houve redução de 24,4 para 22,5/100.000 habitantes, enquanto na região Sul houve aumento de 26,3 para 28,3/100.000 habitantes. O aumento foi maior na região Norte, que passou de 6,8 em 2000 para 14/100.000 habitantes em 2006. Em 1990, aqueles com mais de 12 anos de estudo formal correspondiam a 14% do total de infectados, reduzindo para 8,7% em 2006. Aqueles com oito a 11 anos de estudo formal, o percentual variou de 13,9% para 24,5%. Outra área em que houve progresso foi na transmissão vertical (mãe-filho). Em 1996, houve 892 casos de transmissão vertical e em 2006, somente 379 casos foram notificados. No Núcleo de Patologias Infecciosas na Gravidez (NUPAIG) da Unifesp – São Paulo, que atende grávidas infectadas pelo HIV, não se registrou nenhuma transmissão desde 2002, entre mais de 400 grávidas atendidas. 2- O virologista Robert Galo, considerado um dos descobridores do HIV, disse que o programa brasileiro de combate à Aids não pode ser considerado modelo. Como o senhor vê essa questão? O grande desafio do programa brasileiro parece ser o custo crescente das novas drogas e tecnologias que, uma vez disponíveis, são imediatamente demandadas pelos pacientes e por seus médicos. Como conseqüência da acentuada redução da mortalidade de pacientes infectados pelo HIV no Brasil, o contingente, em geral, recebendo tratamento disponibilizado pelo governo aumenta em torno de 10.000 a cada ano. Financeiramente mais impactante, no entanto, é o número crescente de pacientes que, tendo desenvolvido resistência às drogas anti-retrovirais atuais, albergam vírus multirresistentes. Para tratá-los é necessário utilizar uma combinação de novas drogas, que por serem recém-desenvolvidas têm custo muito elevado, estão protegidas por patentes e não têm similares nacionais. A expectativa de um programa dito modelo é que este seja capaz de incorporar, em tempo real, as inovações tecnológicas. O dilema é que essa demanda pode inviabilizar a sustentabilidade do programa, caso não seja revisto o modelo vigente: recebem tratamento integralmente pago pelo Ministério da Saúde todos os pacientes que buscam os postos de distribuição da rede pública, independentemente do nível econômico. Nenhuma parcela dessa conta advém do bolso daqueles que poderiam pagar parte ou o total do custo dos medicamentos, muito menos das companhias de seguro de saúde. Claramente, há necessidade de identificar fontes alternativas para a sustentabilidade do programa, a médio e longo prazo. Curiosamente, devido à óbvia implicação política, esse tema não é discutido com a sociedade. 3- O coquetel anti-Aids distribuído pelo governo brasileiro é composto por 17 medicamentos. Quantos tiveram a patente quebrada e qual a importância desse fato para o programa de combate à doença no Brasil? É imperioso encontrar saídas que garantam a sustentabilidade do programa ante os novos desafios relacionados com o custo dos medicamentos. O sucesso da produção nacional de medicamentos que compõem os vários esquemas de drogas anti-retrovirais, e cujas patentes haviam expirado, trouxe enorme redução de custos em relação aos praticados pelos laboratórios multinacionais. Essa solução, no entanto, não se aplica aos medicamentos ainda protegidos por patentes. Apesar de várias ameaças, o único exemplo de quebra de patente (licença compulsória), até o momento, foi com a droga Efavirenz. Essa era a droga adquirida de laboratórios multinacionais que causava maior impacto financeiro no orçamento do programa. A licença compulsória possibilitou ao Ministério da Saúde adquirir a droga produzida na Índia e, quiçá, tenha sua produção nacional já a partir do próximo ano. 4- O que é comportamento de risco hoje? Importante ficar claro que, de fato, não existem grupos de risco e sim comportamentos de risco. Toda vez que se deixa de adotar práticas que minimizem a exposição ao vírus, o indivíduo incorre em um comportamento de risco. Esse é o caso de relações sexuais desprotegidas ou do compartilhamento de seringas, somente para citar duas situações mais freqüentes. O último relatório do programa de DST/Aids do Brasil destaca o crescimento alarmante do número de infectados entre homens e mulheres com mais de 50 anos. Claramente, o advento de medicações que aumentam o desempenho sexual desse grupo etário e a falta do hábito de usar preservativos levou essas pessoas a terem comportamento de risco. 5- Para a geração que cresceu sabendo da importância do uso do preservativo e acompanhou as descobertas da ciência, a Aids não é uma doença que significa morte imediata. Qual o perigo da Aids ser considerada, pelos jovens, como um mal crônico e não uma sentença de morte? Apesar de ser verdade que a infecção pelo HIV deixou de ser uma sentença de morte para tornar-se uma infecção crônica, a condição de infectado traz inúmeras conseqüências: uso de medicamentos pelo resto da vida, efeitos adversos desses medicamentos, o preconceito ainda existente que tanto dificulta o relacionamento afetivo, empecilhos para procriação, etc. Em sã consciência, ninguém se exporia voluntariamente a tantas limitações de qualidade de vida. A questão parece residir muito mais na negação do risco e na ditadura dos impulsos, que estava presente antes que se dispusessem de drogas anti-retrovirais ativas. A ausência de campanhas educativas contínuas é, certamente, muito mais nociva. 6- Diante da notícia do “desaparecimento” do HIV em um paciente com leucemia, que passou por um transplante de medula óssea, no qual foram utilizadas células-tronco de um doador com resistência natural ao vírus da Aids, quais as chances desse tratamento representar a cura da doença? Apesar de ser uma observação importante e que contribui no melhor entendimento da dinâmica da interação HIV-Homem, não há possibilidade dessa estratégia vir a tornar-se um tratamento para a infecção HIV. O transplante de medula óssea é um procedimento que se associa com elevada mortalidade e inúmeras complicações graves. Seria impensável, quando já se dispõem de tratamentos eficazes, submeter um paciente infectado por HIV a esse procedimento. Adicionalmente, encontrar doadores que, além de compatíveis, sejam portadores da mutação que torna seus linfócitos resistentes à infecção pelo HIV é tarefa extremamente difícil. 7- Ainda nesse campo, quais as linhas de pesquisa que estão mais avançadas? As células-tronco são tidas como a grande esperança? Como vai a pesquisa no Brasil? Há alguma inovação no que se tem estudado? Desafortunadamente, os resultados de pesquisas com vacinas anti-HIV testadas até o momento foram desanimadores e não há perspectivas que, em médio prazo, venham a ser desenvolvidas. Não há expectativas de curto prazo com respeito à utilização de células-tronco. Felizmente, em relação ao desenvolvimento de drogas, as notícias são bem melhores. Durante o ano de 2008 foram lançadas drogas de novas classes, o que garante que irão funcionar para pacientes portadores de vírus resistentes às drogas atualmente disponíveis. Esse reforço no arsenal terapêutico se traduziu no renovar de esperanças de boa qualidade de vida para esses pacientes. Há várias drogas em diferentes estágios de desenvolvimento que: 1) deverão se constituir em novas alternativas para tratar vírus resistentes; 2) terão menos efeitos adversos; 3) poderão ser administradas menos freqüentemente. Fonte: AMB

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