Provenientes das pequenas boticas do começo do século passado, as farmácias de manipulação, também denominadas magistrais, sofreram um retrocesso com o surgimento da indústria farmacêutica de ponta na década de 40. Nos anos 80 e 90, voltaram a crescer. Na Bahia, existem 87 estabelecimentos, sendo que 33 somente em Salvador. Parecem números tímidos, se comparados ao arsenal de drogarias e farmácias comerciais existentes no Estado (2,4 mil), mas representam um grande avanço. Segundo dados do Conselho Regional de Farmácia (CRF), nos últimos dois anos, a quantidade de farmácias magistrais na Bahia cresceu 100%. “Não concorremos com a indústria farmacêutica, mas atendemos a determinadas demandas que a indústria não consegue dar conta. Exemplo disso é que trabalhamos com medicamentos que saíram de circulação porque não deram êxito comercial ao setor industrial de grande escala”, explica a presidente regional da Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), Ediza Brasil, responsável pelos Estados da Bahia e de Sergipe. As farmácias de manipulação de Salvador recebem diariamente cerca de 5 mil usuários de medicamentos manipulados portando receitas prescritoras de mais de 8 mil fórmulas. A polêmica suscitada pela política sanitária do governo federal nos últimos anos a respeito da qualidade e segurança dos medicamentos industrializados é considerada um dos fatores que contribuíram para impulsionar o crescimento das farmácias de manipulação. Além disso, elas vêm sendo uma alternativa para nichos que a indústria farmacêutica não atende ou deixou de atender, como pacientes que necessitam de doses e associações de medicamentos diferenciados do padrão produzido industrialmente. Mesmo promissor, o setor magistral ainda precisa resolver questões que garantam a sua estabilidade, como a criação de medidas legais que incidam sobre o grau de pureza dos insumos utilizados (ver boxe abaixo). “Exigência de prescrição médica e personalização do remédio são as principais vantagens das farmácias de manipulação”, diz a representante da Comissão da Área de Manipulação do CRF, Cristina Ravazzano. A presidente do CRF, Ademarisa Fontes, revela que estes procedimentos “ajudam a evitar a auto-medicação, um dos fatores responsáveis pelo maior número de mortes por intoxicação no País”. Para combater o uso inadequado de medicamentos, o Conselho Nacional de Saúde aprovou medidas como o fracionamento de remédios industrializados. Ainda assim, o professor e diretor da Faculdade de Farmácia da Ufba, Mirabeau Souza, acredita que os efeitos dessas iniciativas “serão limitados, enquanto perdurar a dificuldade de acesso aos serviços de saúde por parte de um contingente expressivo da população brasileira”. Insumos na mira da Vigilância As farmácias de manipulação brasileiras utilizam insumos sem registro dos órgãos de vigilância e controle sanitário. Cabe à cada farmácia formular os próprios critérios de aquisição das matérias-primas, que, em sua maioria, são importadas, principalmente da Índia, China e países da Europa. “Não existe uma regulamentação do padrão de qualidade do insumo adquirido. O Brasil registra o medicamento, mas não o insumo”, afirma a inspetora da Diretoria de Vigilância e Controle Sanitário da Bahia (Divisa), Marly Albuquerque. Apesar de a atividade das farmácias de manipulação ser milenar, o único instrumento legal que nelas interfere de forma específica só foi regulamentado em 2000, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada nº 33 (RDC 33), da Anvisa. A atualização desta resolução vem sendo estudada com prioridade para os parâmetros de risco. “Há cinco anos não se falava em regulamentação do setor magistral. Este é um processo ainda em curso no País”, explica o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Victor Hugo da Rosa. A RDC 33 fixa os requisitos mínimos para a manipulação, fracionamento, conservação, transporte e distribuição de medicamentos. No entanto, nenhum dispositivo legal atesta critérios para um grau padrão de pureza dos insumos farmacêuticos utilizados pelo setor magistral. A responsabilidade de assegurar a qualidade dos insumos é destinada aos próprios estabelecimentos de manipulação. O que vale dizer que um mesmo produto pode ser adquirido através de fornecedores diferentes, apresentando diferentes graus de pureza, havendo a possibilidade de desvio na qualidade do medicamento. Com isso, um grama de um mesmo insumo pode custar de US$ 1 a US$ 10, variação que também influi no preço final do remédio manipulado. Na prática, a regulamentação econômica do mercado farmacêutico não é adequada para as farmácias magistrais, apesar de elas estarem submetidas à norma. Em janeiro, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) multou os laboratórios industriais Sanfi-Synthelabo e Ferring Ltda por descumprirem a legislação sobre a fixação máxima de preços. Medida semelhante não cabe para as farmácias de manipulação, uma vez que os medicamentos não são padronizados e os custos, vulneráveis à cotação da moeda do país fornecedor da matéria-prima e ao preço das embalagens e utensílios técnicos utilizados na manipulação e conservação das substâncias. Cada farmácia magistral calcula os preços de seus produtos. Marly Albuquerque afirma que o poder de regulação será possível somente quando medidas governamentais criarem mecanismos de controle mais objetivos e eficientes para o setor magistral. “A Anvisa precisa se posicionar a respeito dos insumos farmacêuticos no Brasil. O país precisa criar um formulário nacional de matérias primas. Enquanto não tivermos uma regulamentação para os insumos farmacêuticos, voltada para a qualidade e preço, não conseguiremos interferir de forma rígida sobre o setor farmacêutico de manipulação”, adverte. Tanto as farmácias de manipulação quanto as alopáticas têm um certificado anual de regularidade do Conselho Regional de Farmácia (CRF). Anualmente, os estabelecimentos devem atualizar esse registro. A cada renovação, recebem uma faixa com cor diferente. Outros instrumentos legais de regulação sanitária são o alvará sanitário, que é de responsabilidade da Vigilância Sanitária Municipal, e o certificado de qualidade do CRF, que garante a presença de um profissional farmacêutico no estabelecimento.
Farmácias de manipulação crescem 100% na Bahia
19/04/2005 | 03:00