No segundo painel do XII Congresso Brasileiro de Direito Médico, que tratou de “fraudes na medicina, desafios jurídicos”, os debatedores trataram de temas que geram intensos debates e questionamentos quanto aos aspectos éticos das condutas adotadas por médicos e pacientes: útero de substituição, inseminação caseira e exercício ilegal da medicina. Participaram da mesa a vice-corregedora do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Flávia Amado Bassanezi, a doutora e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Regina Beatriz Tavares da Silva e o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Diaulas Costa Ribeiro.
Primeira a falar, a integrante do Cremesp ressaltou a importância da Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 2.320/2022, que define as normas éticas e técnicas de reprodução assistida e aperfeiçoa práticas e observância de princípios éticos e bioéticos para trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos.
Ela explicou que a gestação de substituição é uma técnica em reprodução assistida utilizada quando existe uma condição que impeça ou contraindique a gestação. Para que a gravidez ocorra, é necessária a cessão ou empréstimo do útero, sem qualquer remuneração. Caso ocorra, pode haver crime de tráfico de crianças e adolescentes e de comércio de órgãos humanos (no caso, o útero).
“Do ponto de vista jurídico, o Brasil não tem uma lei sobre esse assunto. Existe um vazio na legislação suprido por algumas normas acessórias que não tratam diretamente (o tema), exceto a resolução do CFM”, disse. De acordo com a regulamentação, a cedente temporária do útero tem de ter ao menos um filho vivo, pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quatro grau e, na impossibilidade de atender a esse último item, tem de haver autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado.
Além disso, a resolução do CFM reitera que não pode haver caráter lucrativo ou comercial e que a clínica de reprodução não pode intermediar a escolha. O preenchimento de termo de consentimento livre e esclarecido também deve ser assinado por todos os envolvidos, um relatório médico da saúde mental e física tem de ser feito e ainda há a questão da aprovação do cônjugue ou companheiro, se a cedente for casada ou em união estável.
Flávia contou que o número de denúncias envolvendo médicos e reprodução humana dobrou da última gestão do conselho para a atual e que 57% delas resultaram na abertura de processos ético-profissional. Os principais artigos do Código de Ética Médica encontrados nas sindicâncias são o 18 (desobedecer a acórdãos e resoluções), o 30 (usar da profissão para corromper costumes e cometer crimes) e o 80 (expedir documento tendencioso ou que não corresponda a verdade).
Segundo ela, o público que mais pede autorização ao Cremesp para realizar procedimento de reprodução assistida são casais homossexuais masculinos, contraindicação médica para mulher gestar, maternidade ou paternidade solo e transgênero.
Exercício ilegal da medicina – Já o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Diaulas Costa Ribeiro falou, entre outros assuntos, sobre o crime de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, previsto no artigo 182 do Código Penal, com tem pena de detenção de seis meses a dois anos e multa se o crime for praticado com o fim de lucro.
Ele aproveitou para tratar do artigo 258, que trata de formas qualificadas de crime de perigo comum, chamando-o de um equívoco absoluto que possibilita ao falso médico escapar de punições mais severas, enquanto médicos devidamente registrados são punidos com mais rigor em casos semelhantes. “Esse artigo é de uma outra época em que nós não tínhamos problemas tão complexos como os que estamos enfrentando hoje”, comentou.