“Nas duas últimas décadas houve um grande aumento da oferta de vagas para os cursos de Medicina. A criação de novas escolas não obedeceu aos pré-requisitos técnicos de necessidade social, que, entre outros fatores, deve atender aos parâmetros preconizados pela Organização Mundial da Saúde de 01 médico/1.000 habitantes. O que tem prevalecido são critérios de natureza político-regional, em detrimento dos de ordem técnica, visando atender aos interesses das instituições de ensino e da comunidade que se vê seduzida pelo “glamour” de sua cidade ter uma ou mais faculdades de Medicina, transformando o ensino médico numa atividade bastante lucrativa para os empresários da educação, haja visto os altos valores cobrados nas mensalidades. A maioria esmagadora das novas escolas é privada, com poucos professores titulados, senão quase todos itinerantes e emprestados de outras instituições. Alguns “vendem” a titulação, o que poderíamos considerar verdadeiro “aluguel acadêmico”. Para a escola ser viável economicamente, oferta-se 100 vagas para o primeiro ano, quase sempre em dois vestibulares, o de verão e do inverno, com grande arrecadação. A oferta para 100 alunos por turma tem sua razão, pois é o ponto de equilíbrio para a viabilidade econômica do curso de Medicina. A Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM) identificou que várias faculdades de Medicina têm muitas carências. De 78 avaliadas, oito foram consideradas insuficientes; a nota média dos alunos foi de 4,9. Semelhante conclusão chegou o “Provão” do MEC, demonstrando que o conhecimento cognitivo é deficiente. Se avaliada, a parte prática, com certeza, os resultados seriam desastrosos. Há uma grande diferença entre quantidade e qualidade de profissionais, razão pela qual as entidades médicas, freqüentemente acusadas de corporativistas e de praticar a reserva de mercado, têm o dever de esclarecer à população, por meio de um discurso coeso, que, se a sociedade está exposta a maus profissionais, é porque a maioria das escolas de Medicina não está em condições de formar bons profissionais. E, também, que estão preocupadas em ver asseguradas as condições necessárias para que cada aluno consiga competência plena para exercer sua profissão. A sociedade não precisa de mais médicos, mas sim de profissionais com formação de qualidade, adequadamente distribuídos no país, por meio de uma política de incentivo e de melhores condições de atendimento. Não basta denunciar. O grande desafio das entidades médicas é ver efetivamente restringidas as possibilidades de abertura de novos cursos de Medicina no campo legal, por meio de mobilização política pela alteração da Lei n.º 9.394 (LDB), atribuindo ao Conselho nacional de Saúde parecer de caráter terminativo, para os pedidos de leis estaduais específicas que contemplem a participação das entidades médicas, para aqueles pedidos ligados às instituições de ensino superior estaduais e municipais. Para obter a autorização de funcionamento, o curso terá que comprovar a necessidade social e receber avaliação muito boa em todos os critérios, desde infra-estrutura física, qualificação do corpo docente, financiamento sustentado a médio e longos prazos. O projeto não deve se valer do SUS como financiador da assistência e da pesquisa. Terá de atender a todas as exigências para a oferta de vagas na residência médica. O prefeito, gestor do SUS, tem que saber que deverá manter unidades de saúde, hospital universitário com todos os equipamentos necessários para um ensino de qualidade. Para atender a todas essas necessidades e outras mais, o investimento é significativo. Não se pode aceitar, em contra-partida, que alguns requisitos indispensáveis ao funcionamento do curso fiquem na promessa de implantação futura, ao longo de seis anos de graduação, como acontece atualmente. Somente assim a sociedade estará protegida dos profissionais com formação inadequada e as entidades médicas poderão intervir na busca de ensino de qualidade com formação técnico-científica, ética e humanitária”. Diretoria do CRM-ES
Escolas Médicas: um basta ao oportunismo
02/01/2003 | 02:00