“A morte não é uma doença para a qual devamos achar cura. É necessário que o homem reconheça e aceite a própria realidade e os próprios limites”, defendeu o arcebispo de Aparecida e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis, em entrevista ao jornal Medicina sobre a Resolução CFM 1.995/12, no qual abordou a ortotanásia. Confira a entrevista na íntegra: 

 

É verdade que na década de 50 o papa Pio XII disse que ninguém é obrigado a receber tratamentos extraordinários para manter a vida em caso de terminalidade? Essa diretriz ainda é defendida pela Igreja Católica? 

Sim, o Papa Pio XII se antecipou aos tempos em que se começou a introduzir tecnologias na manutenção da vida, isto é, o início das UTI, das Unidades de Terapia Intensiva, a partir dos anos 70 do século passado.

Num Discurso a um numeroso grupo de Clínicos, Médicos e Cirurgiões sobre “Problemas Religiosos e Morais, ligados à Reanimação”, em 1957, Pio XII, estabelece três princípios: O primeiro é que se tem, em casos de doença grave, “o direito e o dever de empregar os cuidados necessários para conservar a vida e a saúde”. O segundo princípio é que, habitualmente, este dever só obriga ao emprego dos meios ordinários (segundo as circunstâncias de pessoas, de lugares, de épocas, de cultura), isto é, dos meios que não impõem nenhum ônus extraordinário para si mesmo, ou para outro”. O terceiro princípio complementa o segundo: “Por outro lado, não é vedado fazer mais do que o estrito necessário, para conservar a vida e a saúde, com a condição de não faltar os deveres mais graves”.

Ocorre uma evolução com a “Declaração sobre Eutanásia publicada em Roma pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1980, que substitui a terminologia de Pio XII de “meios ordinários e extraordinários”  por “meios proporcionados e meios não proporcionados”.

João Paulo II na Encíclica Evangelium Vitae (1995) distingue a eutanásia e a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico.  “Quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes (…). A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionais não equivale aos suicídios ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte” .

Os meios proporcionados são sempre obrigatórios na manutenção da vida e os meios não proporcionados, aqueles que alimentam a obstinação terapêutica, ou seja, a distanásia, devem ser evitados.  Como afirma o Catecismo da Igreja Católica no número 2279: “Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos”. A intuição de Pio XII e que foi sendo aprofundada com João Paulo II, sem dúvida, é muito importante, enquanto opõe-se claramente à prática da eutanásia, e prevê que não se deve praticar a chamada distanásia, ou seja, o prolongamento do processo do morrer.

Como o senhor avalia o conceito de que a ciência e a religião assumiriam papéis opostos? Essas duas práticas, tão importantes para a humanidade, podem caminhar juntas?

Historicamente, ao longo dos séculos, a relação foi muitas vezes conflituosa, em que a hegemonia de uma significava a negação da outra. Estamos, hoje, numa perspectiva diferente, a saber, na busca da convivência respeitosa.  Albert Einstein dizia que “a ciência sem religião é paralítica; a religião sem a ciência é cega”. O cientista do genoma humano, Francis Collins faz uma afirmação importante neste âmbito que nos ajuda a refletir sobre esta questão quando afirma: “A ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos na existência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões como: Por que o universo existe: Qual o sentido da existência humana? O que acontece após a morte? Uma das necessidades mais fortes da humanidade é encontrar respostas para as questões mais profundas e temos de apanhar todo o poder de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para buscar a compreensão tanto daquilo que vemos como do que não vemos”.

O nosso saudoso João Paulo II fez um esforço com atitudes heroicas e exemplares no sentido de reconciliar a Igreja com o desenvolvimento científico. Ele dizia que “A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição. A religião pode purificar a ciência da idolatria e do falso absolutismo”.

Como a CNBB vê a prática a ortotanásia?

Este termo “ortotanásia” ganhou popularidade na mídia brasileira muito recentemente e muita gente ainda o confunde com “eutanásia”. O termo ortotanásia não é utilizado em documentos da Igreja, nem no novo Código de Ética Médica (2010). Nestas questões éticas delicadíssimas em que estamos navegando em cima de “um fio de navalha”, é preciso antes de tudo esclarecer os conceitos que estão em jogo, senão acabamos gerando confusão mental e atrapalhando a vida das pessoas. Em nosso país fala-se praticamente de eutanásia, muito pouco de distanásia e quase nada de ortotanásia. Uma discussão frutuosa somente é possível se entendermos, corretamente, o sentido ético exato de cada terminologia utilizada. 

Entende-se por ortotanásia como a morte no tempo e momento “certos”, sem abreviações de um lado (que seria eutanásia) e muito menos intervenções inúteis e fúteis que somente prolongam o processo do morrer (que é a obstinação terapêutica ou distanásia). Entre os dois extremos, deixar a natureza seguir seu curso natural. É a proposta dos cuidados paliativos. O papa Bento XVI, por ocasião do Dia Mundial do Enfermo de 2007, disse que “é necessário promover políticas que criem condições em que os seres humanos possam suportar as doenças incuráveis e enfrentar a morte com dignidade”. Neste sentido, o papa enfatiza que é necessário criar centros de cuidados paliativos que proporcionem assistência integral, garantindo aos enfermos ajuda humana e acompanhamento espiritual. A medicina brasileira está de parabéns com este último código ao oficializar a prática de cuidados paliativos frente a situações de terminalidade, evitando-se, assim, a prática da distanásia. 

No fundo, a ortotanásia é morrer digno e saudável, cercado de solidariedade, amor e carinho, amando e sendo amado. A morte não é uma doença para a qual devamos achar cura. É necessário que o homem reconheça e aceite a própria realidade e os próprios limites. Temos que viver com sabedoria a nossa dimensão de seres mortais e finitos. Para nós, cristãos, estamos nos preparando para a páscoa definitiva, a passagem desta vida para a vida em plenitude, junto de Deus.

Flickr Youtube Twitter LinkedIn Instagram Facebook
namoro no brasil Играйте в Вавада казино - каждая ставка приносит выигрыш и приближает к большим деньгам. Заходите на официальный сайт Вавада казино и вперед к победам!
Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.