Pelo menos 746 pedidos de cirurgias eletivas constam pendentes na lista de regulação dos estados e capitais há mais de 10 anos. O número foi extraído apenas das filas dos estados e capitais que atenderam ao pedido de acesso à informação analisados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), mas já revelam uma sistêmica fragilidade na gestão do SUS, que aflige pacientes e famílias em todo o País.
Um paciente de 36 anos, morador de Fortaleza (CE), confirmou que entrou na fila de espera para retirar um tumor de mama ainda em 2007. Há um ano ele decidiu não esperar mais. “Me ligavam todos anos para agendar a cirurgia, que nunca aconteceu. No ano passado desisti de esperar e resolvi ‘pagar particular'”, conta o homem que não quis ser identificado, e também preferiu não delongar a conversa sobre sua história de dependência do SUS.
Embora sejam procedimentos que não precisam ser realizados em caráter de urgência, ou seja, podem ser agendadas, em muitos casos o tempo é crucial. “O mais grave é que, em determinadas cirurgias, a espera complica o quadro do paciente. Se elas esperarem muito tempo, podem ter sua saúde comprometida. Não são raras as cirurgias eletivas que evoluem para uma cirurgia de emergência, que poderiam ser evitadas e cujas consequências podem ser trágicas”, explica Hermann von Tiesenhausen.
Pacientes – Uma pesquisa liderada pelo médico Ricardo Cohen, membro da Câmara Técnica sobre Cirurgia Bariátrica e Síndrome Metabólica e coordenador do Centro de Obesidade e Diabete do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, avaliou as consequências da demora no acesso ao procedimento: a cada mil pacientes que aguardam a cirurgia, cinco morrem por ano de espera. Os estudos verificaram que o paciente que espera sete anos na fila tem 18% mais chance de morrer do que o doente operado de imediato.
Para realizar uma cirurgia eletiva o paciente deve passar por uma avaliação médica na rede do SUS e o médico indica a necessidade desse paciente para realizar uma cirurgia. Atualmente, as áreas mais comuns que se encaixam no perfil das eletivas são as cirurgias para resolução de problemas em ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, urologia e cirurgia vascular.
Espera – No Brasil, em geral o usuário do SUS não sabe quanto tempo vai esperar por uma cirurgia. A expectativa é de que, com a efetivação da estratégia de ampliação do acesso aos Procedimentos Cirúrgicos Eletivos no âmbito do SUS, instituída recentemente pela Portaria nº 1.294/2017, do Ministério da Saúde, seja possível estabelecer padrões de qualidade e parâmetros de tempo para a assistência à saúde.
Enquanto isso não ocorre, iniciativas paralelas tentam minimizar o sofrimento de quem espera por uma cirurgia na rede pública. Próximo de completar quatro anos, a Lei nº 12.732/2012 determina um prazo de até 60 dias a partir do diagnóstico para que pacientes com câncer iniciem o tratamento, com a realização de cirurgia ou início de radioterapia ou de quimioterapia. Segundo relatos de associações de pacientes com câncer, no entanto, a lei não tem sido respeitada e o prazo continua sendo uma das grandes dificuldades para o combate à doença.
Apesar dessas críticas, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 3.752/2012, que tenta suprir a ausência de legislação sanitária sobre o tempo máximo de espera no SUS para outros tipos de atendimentos. A proposta, que determina ao SUS estabelecer prazos para o tratamento de doenças, com metas para que esse tempo seja cada vez menor, ainda pede a redução de 60 para 30 dias do prazo para o primeiro tratamento para quem tem câncer. O projeto segue em caráter conclusivo para análise nas Comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Internacional – O que no Brasil é uma intenção, em outros países já é realidade. Em Portugal, todas as pessoas que necessitam de cirurgia em uma unidade pública têm o direito de ser incluídas em uma lista única. Criado em 2004, o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) teve como um objetivo principal “minimizar o período que decorre entre o momento em que um doente é encaminhado para uma cirurgia e a realização da mesma, garantindo, de uma forma progressiva, que o tratamento cirúrgico decorra dentro do tempo clinicamente admissível”.
De acordo com dados da Administração Central do Sistema de Saúde de Portugal, o tempo médio de espera por cirurgias não urgentes foi de 3,1 meses em 2016. Naquele país, o governo instituiu que o tempo máximo de resposta cirúrgica para o nível de prioridade normal seja de 270 dias, isto é, pouco mais de oito meses. Todas as informações sobre a quantidade de pacientes e os tempos de espera do Serviço Nacional de Saúde português podem ser consultados livremente por qualquer cidadão pela internet.
No Reino Unido, cujo sistema inspirou a criação do sistema brasileiro, ninguém pode esperar mais de 18 semanas para iniciar um tratamento ou fazer uma cirurgia. E o paciente também pode acompanhar pela internet o andamento da fila. De acordo com informações do Serviço Nacional de Saúde inglês – o NHS, nove em cada 10 pessoas conseguem suas operações dentro deste prazo. O direito a esse período limite de espera não se aplica apenas nos casos em que o paciente escolhe esperar mais ou é clinicamente apropriado aguardar a evolução de cuidados secundários e diagnósticos prévios à cirurgia.
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