Julio Cezar Gomes* O novo governo representa a vitória da esperança sobre o medo, a renovação conseqüente sobre o passado conservador, passado visto como imobilismo e subserviência aos interesses econômicos internacionais, colocados acima das razões sociais. O novo pacto social celebrado na pessoa simples e determinada do presidente Lula (Luiz Inácio da Silva) representa a rejeição sem rancor de um modelo político centrado no capital e sobreposto ao trabalho, modelo padrão das elites sobre as maiorias, da doença hospitalocêntrica sobre à saúde, que deve estar sempre aberta em jardins e praças, sensível ao sol da manhã. Mas o que de fato nos interessa como agentes da saúde e promotores de um modelo ético de medicina é saber em que medida o novo governo avança em direção aos compromissos que a bioética estabelece como motor da harmonia entre o homem e o meio, além de sujeitar a biologia aos valores morais. De antemão, bioética nada mais é do que a ressurreição da filosofia humanitária, antropocêntrica, re-renascentista, que vestiu roupa nova, sacudiu os trajes medievais e colocou diretrizes morais, valores no controle e na aferição de conhecimentos biológicos. Amarrou a biologia à moralidade e pôs a ciência/tecnologia apenas a serviço da vida. O que significa a serviço da saúde, da beleza, da dignidade dos seres vivos e até da harmonia entre homem e universo, o que na mais completa abrangência significa saúde, e saúde que transcende os limites do ser, porque não lhe basta ser saudável em si mesmo, é preciso alcançar uma relação de harmonia com o meio ambiente. O novo conceito de saúde dessa equipe nova e desprendida do atual governo começa em garantir o direito de comer e trabalhar, passa pelo combate à fome, que torna o cidadão frágil e vulnerável, pela erradicação do analfabetismo, pelo desagravo às diferenças sociais que fazem a “livre competição” do capitalismo uma farsa social, uma disputa desigual entre fortes e instruídos contra fracos e ignorantes. Sim, a saúde começa por aí, com barriga cheia e direito universal de acesso à educação e ao trabalho remunerado; senão doação vira esmola, o cidadão vira mendigo e o homem vira doente. Pior, o hospital vira centro de reciclagem do ser humano e a medicina oficina de mazelas sociais. A bioética em saúde presume a aplicação do princípio da beneficência. O que é isto no plano geral? No coletivo? Significa hospitais públicos bem equipados, profissionais de saúde com remuneração condigna, medicamentos e insumos ao alcance dos necessitados. Sobretudo uma industria farmacêutica nacional/estatal capaz de produzir a relação básica dos medicamentos, como genéricos, sem royalties ou nomes-fantasia. As palavras mágicas para o povo em saúde são qualidade e acesso. Senão o setor vira Sarah Kubitscheck, reduto público de refinada excelência sem facilidade de acesso, sem vocação para urgência traumato-ortopédica e ungido da tirania patronal das empresas privadas. Não adianta. Em segundo lugar temos o principio bioético da não-maleficência. Isto significa que um sistema de saúde não pode ser pernicioso, maléfico ou ineficaz para a sociedade. Sobretudo não pode agravar riscos por escassez de recursos, inexistência ou má qualidade. Da mesma forma que o médico não pode cometer erros ou produzir danos ao paciente. O setor público não pode como sistema admitir excluídos, oferecer serviços insatisfatórios ou causar danos, muito menos por omissão. Cabe ao governo, às autoridades de saúde, aprimorar o sistema, adequar a tabela de procedimentos e privilegiar o setor público, universitário e segmentos não-lucrativos, sem desfavorecer o setor privado. Cabe, segundo o princípio sagrado da justiça equânime, mais para quem mais necessita e, menos para quem menos precisa, não apenas por conta da carência de saúde, mas pela disponibilidade de recursos e aí se consagra à justiça lúcida dos desiguais. Em suma, resgatar dos arquivos digitais e dos palanques eletrônicos as teses das conferências nacionais de saúde, trazê-las à prática. Eis que é chegada a hora e a vez de promover saúde, sem discriminação, oferecendo o básico, a medicina ao alcance de todos, até dos desnecessitados. O povo está doente, com fome e carente de reformas; não dá mais para esperar. Por fim, a autonomia, pilar da bioética que vertido na linguagem dos cientistas políticos significa respeito ao cidadão, resgate da individualidade, princípio e fim da condição humana mesmo que seja na solidão universal da pessoa. A própria cidadania em saúde. O respeito ao cidadão está no direito de acesso ao sistema, no dever de informação plena e esclarecida para cada ato médico, na morte digna sem a parafernália eletrônica ou o seqüestro hospitalar. O homem como princípio e fim, como medida das coisas, como titular de vontades e direitos, medida essencial da dignidade. A globalização na saúde não pode mostrar à sociedade uma medicina de exclusão, de acesso limitado aos ricos e de prognóstico indexado ao saldo bancário ou de acordo com o plano de saúde. Há que se cuidar dos planos de saúde, sem raiva do capital, mas sem deixar que inquietações da bolsa ou flutuações da banda cambial molestem a saúde publica. O Estado deve garantir o essencial a todos; planos privados de assistência ou financiamento à saúde podem garantir o supérfluo de hotelaria às elites. Nada contra. A classe médica tradicionalmente conservadora deve repensar o seu papel social como agente de transformações em saúde, deve colocar-se ao lado dos interesses sociais mais dramáticos, deve render-se às dolorosas injunções que afligem o ser humano, negar-se às tentações do capital como Cristo desdenhou o reino da terra oferecido por Lúcifer. A lógica do capital nem sempre é compatível com a lógica humanitária da medicina; em caso de conflito, prevalece esta. Ademais, o conhecimento é um patrimônio da humanidade, saúde é um direito de todos e um dever compartilhado entre médicos e estado. A busca da felicidade começa, sim, na remissão da dor, na prevenção da enfermidade e na promoção da saúde, único bem essencial à vida. * Julio Cezar Gomes é médico pneumologista, editor adjunto da Revista “Bioética”, do CFM, ensaísta e escritor.

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