Recuperar a dignidade é dever para os médicos Desde a primeira reunião realizada para avaliar as estratégias do movimento em favor da implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), o entusiasmo está sempre presente. Toda segunda-feira, desde o dia 15 de março, os médicos baianos se encontram para discutir as últimas novidades, dar sugestões e ouvir experiências dos colegas. As assembléias injetaram ânimo na categoria e estão ajudando a aumentar a confiança em um desfecho vitorioso, tanto para os médicos como para a sociedade. A freqüência tem sido alta – cada cadeira é disputada. A média de público é de 600 pessoas por assembléia. Os auditórios do Cremeb e da ABM tornaram-se pequenos para absorver a demanda, e a alternativa foi recorrer ao Bahia Othon Palace Hotel e, excepcionalmente um dia, à Reitoria da Universidade Federal da Bahia. Nunca se falou tanto em recuperação da dignidade. Mais do que um movimento para recuperar perdas salariais, os médicos se organizaram em torno da busca pela valorização de seu trabalho. Questões encaradas de modo receoso, como a criação de cooperativas e o descredenciamento, foram ganhando corpo a cada assembléia. O medo em relação a um futuro incerto foi cedendo lugar à consciência de que tais ações representam uma forte pressão junto às operadoras. Muitas das manifestações de apoio recebidas pelo movimento ocorreram nas assembléias. Partiram de políticos, estudantes e integrantes da sociedade civil. Pontuar conquistas e equívocos é indispensável a qualquer movimento, seja ele de classe ou não. Ninguém melhor do que aqueles que estão na liderança para analisar a evolução do movimento médico deflagrado com a paralisação do atendimento às seguradoras Bradesco Saúde e Sul América na Bahia. Com esse objetivo, o Jornal do Cremeb buscou ouvi-los e dá aqui as últimas notícias: José Márcio Maia 1º secretário do Cremeb NÃO À SUBMISSÃO – O representante do Cremeb destaca o “inédito grau de mobilização dos médicos baianos”. Em sua opinião, o movimento em favor da implantação da CBHPM chegou a um estágio de avanço que algumas mudanças alcançadas se tornam irreversíveis. “O paradigma de médico submisso, aceitando todas as regras impostas nas relações com as operadoras, não cabe mais”. Outro ganho proporcionado pelo movimento foi o esclarecimento feito à população da situação difícil que os médicos enfrentam junto às operadoras de planos. Através da mídia, os pacientes constatam que, além da defasagem nos honorários pagos aos médicos, tecnologias mais modernas e novos procedimentos não são oferecidos. A união dos médicos com os hospitais também foi um ponto destacado por José Marcio Maia. “Apesar de existirem interesses às vezes divergentes, está sendo possível esta parceria com o movimento em favor da CBHPM”. APRENDIZADO – José Márcio Maia acredita que o movimento tem errado pouco, prova disso é o grau de mobilização e as conquistas alcançadas. Mesmo com a pouca experiência em movimentos dessa natureza, acredita que as decisões tomadas até agora foram acertadas. “Se os erros tivessem sido significativos, o movimento não teria chegado ao grau que chegou”, afirmou. O aprendizado foi feito na prática, na definição dos rumos do movimento e a intuição parece ter sido uma grande parceira nestes momentos, acrescentou. APOIO DA SOCIEDADE – O secretário do Cremeb diz ter se surpreendido com a receptividade da sociedade em relação à luta dos médicos. Mesmo com os transtornos que o movimento ocasionou, com a corrida do paciente para conseguir o reembolso, a população tem se mostrado compreensiva e sensível às reivindicações da categoria. “Não vai haver unanimidade, principalmente por se tratar de algo que mexe com o dia-a-dia dos cidadãos, mas o que se vê é uma larga predominância do apoio da população”. ADESÃO DOS MÉDICOS – Mesmo com a adesão em massa, José Márcio Maia lamenta o fato de que alguns médicos apenas estejam participando do movimento por temor à Resolução CFM 1673/03, que define ser antiético não utilizar a CBHPM como referência para a cobrança de honorários. “Essa percepção precisa ser mudada. A obediência realmente se impõe, mas o que importa é incorporar a convicção de que é preciso reverter a atual situação e resgatar o respeito ao trabalho médico”. PAPEL DO CREMEB – A participação do movimento tem evidenciado aos médicos que o papel do Conselho deve ir além da ação judicante. Para o secretário, a inserção política é um novo papel que vem sendo assumido pelo CRM. “Há no Cremeb a clara compreensão de que ele não pode se restringir ao papel de apurador dos possíveis deslizes éticos e precisa estender seu horizonte de atuação para ações políticas”. NEGOCIAÇÕES – Em relação à duração do movimento, José Márcio Maia acredita que ele já está se prolongando além do desejado. No entanto, adverte que tal situação não pode ser atribuída aos médicos. “Os avanços que ocorreram até agora foram fruto de iniciativas das entidades médicas. Muito pouco ou quase nada partiu das operadoras, mais especificamente das seguradoras de planos de saúde”. Como exemplo, citou a inserção do Governo, através da ANS e do Ministério da Saúde, que foi solicitada pelos médicos. O secretário informou que o hiato existente nas negociações regionais com as seguradoras é conseqüência da negociação que está sendo feita com os comandos nacionais das entidades médicas e operadoras, com mediação da ANS. Ele afirma que o movimento baiano tem grande importância para que se possa chegar a um entendimento. POPULARIZAÇÃO – Um dos próximos passos do movimento, já em curso, é a massificação da comunicação. Outro é estender a paralisação do atendimento a outras seguradoras. Na assembléia do dia 26 de abril, a Unibanco e a Porto Seguro foram escolhidas como os próximos alvos. Ainda não foram decididas as datas. Quanto a outras operadoras que negociam com o movimento, a Unidas caminha para um entendimento sobre a implantação da CBHPM. Será estabelecido um prazo limite para que a Unimed defina um posicionamento sobre o assunto. José Carlos Brito Presidente da ABM LIBERTAÇÃO – O presidente da ABM define o movimento médico como um movimento de libertação. Foram dez anos de adormecimento por parte dos profissionais, que ignoravam, segundo ele, a força que têm para fazer valer suas reivindicações diante das seguradoras. Para ele, esse despertar foi a maior conquista. Outro avanço destacado por ele é a parceria hospitais e médicos. “Pela primeira vez no movimento médico, no Brasil, os hospitais e os médicos deram as mãos e entenderam que um não vive sem o outro”. A organização do movimento também chama a sua atenção. “Durante muitos anos a Medicina baiana irá lembrar este movimento como um acontecimento histórico”. COMPREENSÃO DOS PACIENTES – José Carlos Brito considera que a sociedade aceitou bem o movimento dos médicos baianos. O objetivo social do movimento, que é a implantação de novos procedimentos e tecnologias através da CBHPM, foi assimilado pela população. O movimento esclareceu ainda aos pacientes sobre o aviltamento nos honorários médicos, pois as altas mensalidades dos planos de saúde não condizem com o pagamento efetuado ao médico. “A população nunca teve clareza sobre o valor pago aos médicos”. O cuidado em relação aos critérios de atendimento, pensados com o objetivo de amenizar os transtornos aos usuários, também contribuíram para que o movimento fosse bem aceito. “Em quase dois meses, nenhum óbito foi causado por uma intransigência de um médico, por conta do movimento”. NACIONALIZAÇÃO – A contribuição das entidades médicas nacionais é esperada por José Carlos Brito para que as negociações avancem. A mudança de postura da ANS é considerada pelo presidente da ABM uma conquista que irá ajudar bastante nas futuras negociações. “A promessa de implantação da CBHPM no rol de procedimentos da ANS está sendo cumprida, e a entidade vem ajudando muito na busca de soluções na negociação com as operadoras”. Alfredo Boa Sorte Presidente do Sindimed AUTO-ESTIMA – Para o presidente do Sindimed, a descoberta da capacidade de mobilização e união dos profissionais baianos foi um dos principais ganhos do movimento em prol da implantação da CBHPM. “Os médicos baianos recobraram a confiança e a auto-estima”. A retomada de questões adormecidas como o cooperativismo médico, suscitada nas sociedades de especialidades e durante as assembléias, também é um ponto destacado por ele. Este aspecto, bem como o descredenciamento universal, estaria relacionado com o basta na intermediação das operadoras de planos de saúde na relação entre o médico e o paciente. A incorporação de novas tecnologias e procedimentos pela ANS, baseadas nos conceitos da CBHPM, foi outra vitória enumerada. CRÍTICAS – Olhando para trás, o presidente do Sindimed acredita que o estabelecimento do diálogo com usuários de planos de saúde deveria ter sido iniciado mais cedo. “Se esse trabalho tivesse começado antes, o movimento talvez tivesse conseguido uma maior união de forças entre pacientes e médicos na luta pelo fim das dificuldades impostas pelas seguradoras, como as glosas, autorizações, requisições e outros”. HORIZONTES – Vencido o embate com as seguradoras, o presidente do Sindimed defende que a próxima etapa seja a luta por melhores condições de trabalho para os médicos que atuam no serviço público. A implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) no SUS é uma das bandeiras que devem ser defendidas, sugere. “Além do PCCS do SUS, é preciso também negociar com o governo do Estado e prefeituras no sentido de melhorar as condições de trabalho e salários dos médicos”, acrescenta. José Augusto Andrade Presidente da AHSEB UNIÃO DE MÉDICOS E HOSPITAIS – O representante dos hospitais no movimento acredita que é preciso entender a situação difícil enfrentada pelos médicos. Ressalta que os serviços de qualidade, primados pelas instituições de saúde, dependem muito da boa remuneração e do aperfeiçoamento médico. “Pela primeira vez, nós, dirigentes de hospitais, entendemos que não podemos ficar contra o médico”. ALIANÇA – Apesar dos transtornos causados pelo movimento, o presidente da AHSEB acredita que a população compreendeu as razões do movimento. “A população entendeu que não pode viver sem o profissional médico”. Prova da boa aceitação seria o fato de que nenhuma ação jurídica contundente contra os profissionais, hospitais, clínicas ou laboratórios partiram da população. PRÓXIMOS CAPÍTULOS – Para o presidente da AHSEB, as negociações das entidades nacionais com as operadoras precisam ser intensificadas neste momento, para que as soluções aos anseios dos médicos sejam construídas de forma mais rápida. “Com o êxito do movimento, nós, dirigentes de hospitais, esperamos que os profissionais médicos continuem mantendo os serviços de qualidade que são oferecidos em nossas instituições”. Matéria publicada no Jornal do Cremeb nº 116 de Abril de 2004
Balanço do movimento
05/12/2004 | 02:00