A grave crise da saúde pública, a criação de novos cursos universitários e a necessidade de fortalecimento de outros, a mudança no modelo assistencial brasileiro e a concentração de profissionais nas capitais têm gerado desvios que afetam diretamente a Medicina. De uns tempos para cá, atos médicos privativos, como diagnóstico, prescrição de medicamentos e solicitação de exames, passaram a sofrer interferência de profissionais de campos afins, a exemplo da Enfermagem. O Cremeb tem recebido uma série de denúncias, provenientes na maior parte de cidades do interior do Estado, como Vitória da Conquista e Alagoinhas, dando ciência dos fatos, embora o Conselho Regional de Enfermagem da Bahia desconheça-os por completo. Em outubro do ano passado, entretanto, motivado por uma notícia de atuação ilegal de enfermeiras em Barreiras, o Coren publicou uma nota no jornal A TARDE esclarecendo que o “problema” seria levado ao Ministério da Saúde para pronunciamento a respeito. Segundo a presidente, Ednelza Feitosa Soares, a apuração concluiu que a enfermeira agia dentro dos limites legais e acabou absolvida. “Todo e qualquer desvio de conduta é imediatamente apurado pelo Coren e o profissional envolvido é orientado a proceder corretamente”, diz Feitosa, que atribui os fatos recentes a casos “isolados” num estado como a Bahia, com 417 municípios, e à falta de informação sobre a evolução da Enfermagem (que já conta com 37 tipos de especialização) e o papel do enfermeiro numa equipe de saúde coletiva. “O enfermeiro está cada vez mais preparado para atender às exigências do mercado de trabalho”, salienta. Ednelza Soares afirma que recentemente o Coren expediu a todas as prefeituras baianas cópias das Resoluções 195/97, 271/2002 e 272/2002, relacionadas à prática da Enfermagem. As denúncias e consultas que chegam ao Cremeb partem normalmente de médicos. Pelo menos dois pareceres já foram emitidos sobre a matéria, um deles do conselheiro e corregedor José Abelardo Meneses. Ele explica que a posição dos Conselhos não se traduz em corporativismo, uma vez que está baseada na legislação vigente que regula o exercício da Enfermagem no Brasil. De acordo com a Lei nº 7498/86, do Ministério da Saúde, só é permitido ao enfermeiro a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública (como tuberculose, hanseníase, DST/AIDS, assistência à saúde da mulher, pré-natal e outros) e rotinas que tenham sido aprovadas em instituições de saúde pública e privada. Em situação inespecífica, Abelardo Meneses ressalta que o diretor da unidade de saúde em que atua, sendo médico, terá de responder perante o Conselho de Medicina. O mesmo vale para o médico na posição de gestor. Para ambos, vale o que dizem as Resoluções dos Conselhos de Medicina. O secretário de Saúde de Itabuna, Edson Dantas, por exemplo, recebeu do Cremeb, via denúncia, uma receita de corticóide prescrita por enfermeira daquele município e ela, que já havia sido proibida de fazê-lo, foi novamente advertida. À necessidade de implantação em larga escala do Programa Saúde da Família (PSF), do Ministério da Saúde, que vem contribuindo, sem dúvida, para a melhoria de saúde da população, pode ser atribuída boa parte das distorções. Como muitas prefeituras não conseguem atrair médicos em número suficiente para trabalhar nas equipes (compostas em geral por um médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, todos com papéis definidos), a solução tem sido empregar enfermeiras numa função para a qual não estão habilitadas a exercer. Como os incentivos econômicos são muitos, o atendimento tem se pulverizado. O mesmo ocorre com a implantação do Programa de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI), que visa à capacitação de recursos humanos no nível primário de atenção. Para o conselheiro Abelardo Meneses, o Programa de Interiorização do Médico, do Ministério da Saúde, precisaria ser amplamente implementado para corrigir o problema. Outra observação é que não basta apenas oferecer um bom salário ao médico, mas assegurá-lo de que terá a carteira de trabalho assinada pela prefeitura e não ficará à mercê do poder público e/ou político do município em que estiver atuando. Uma das últimas denúncias encaminhadas ao Cremeb foi de um médico urologista, que apresentou ao Conselho três receitas com dosagens distintas de medicamentos prescritas por enfermeiras para um paciente que sofria de infecção urinária. O secretário de Saúde de Itabuna, Edson Dantas, pensa que, enquanto o Judiciário não dá a palavra final, é preciso discutir o problema num simpósio com os representantes dos Conselhos de Medicina e Enfermagem. Para o conselheiro Abelardo Meneses, a questão passa também por uma conduta do médico, que não pode prescindir dos seus deveres para ter direitos e deve, neste momento, rever a postura que assume no dia-a-dia profissional. “É um compromisso político não se deixar levar pelas insatisfações decorrentes da crise por que passa a saúde pública no Brasil, pelo comodismo ou pelos baixos salários, e delegar a outros profissionais atos exclusivos da sua competência”, analisa. O secretário de saúde de Ilhéus e presidente do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde, Paulo Medauar, compartilha da opinião. Em Ilhéus, afirma, todas as normas preconizadas pelo Ministério da Saúde têm sido respeitadas e ele se diz totalmente contrário ao exercício da Medicina por outros. “O médico é insubstituível e cabe a ele, também, manter a dignidade e a estima da profissão”, observa. O conselheiro Abelardo Meneses, autor do Parecer Cremeb 25/02, volta a lembrar: “A solicitação de exames complementares, a análise dos resultados e a prescrição de medicamentos constituem-se em ato médico exclusivo”.
Atuação de enfermeiros preocupa Cremeb
12/10/2002 | 00:00