A melhoria da qualidade de vida por meio do incentivo aos exercícios físicos deixou de ser um simples conselho médico. O apelo ao equilíbrio entre mente e corpo passou a ser confundido com excessos na busca de corpos esculpidos por músculos definidos e imagens de atletas sadios. Na tentativa de reverter este quadro, especialistas alertam que a venda errônea desse tipo de cultura consumista e a adoração fictícia pelo corpo podem ser tão prejudiciais ao organismo quanto o próprio sedentarismo. O médico da seleção brasileira masculina de vôlei e do time paranaense Rexona, Álvaro Chamecki, faz uma alerta: “Esporte é saúde, mas em demasia pode ser prejudicial”. Para ele, a medicina esportiva tem vital importância na preparação e desenvolvimento do atleta, seja ele profissional ou não. “O médico é quem pode determinar qual a situação de ideal para o esportista render em uma competição e ajudá-lo na hora de prevenir futuras doenças ou problemas na musculatura, assim como na reabilitação de contusões e lesões. Essa é a função do médico especialista em esportes”, ressalta. O supervisor científico da equipe médica do time de futebol Paraná Clube, Mhoty Domit Filho, acrescenta dizendo que a prática de determinados esportes sem o devido acompanhamento pode até comprometer o organismo. “Não adianta apenas o cardiologista recomendar ao paciente que faça caminhadas para perder peso, sem antes ele ter a avaliação de um ortopedista para saber se o exercício não comprometerá suas articulações ou postura”. Tales de Carvalho, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, acredita que a especialidade pode ir além dessas atribuições e contribuir com benefícios as pessoas em geral. Ele sugere a promoção de programas fixos de combate as doenças crônico-degenerativas, de prevenção e reabilitação cardiovascular, pulmonar e metabólica. “A medicina esportiva deve propor mudanças na cultura médica, excessivamente medicamentosa e intervencionista, hegemônica em nosso meio. É evidente a necessidade de mudança de paradigma”, critica o médico. Mohty diz que, nos últimos dez anos, a medicina esportiva ganhou maior destaque e passou por mudanças significativas. “No futebol, em especial, antigamente não existia essa preocupação inerente à saúde dos jogadores. Atualmente, os times procuram os melhores profissionais, formados e especializados, inclusive com especializações fora do país”, lembra o médico do Paraná Clube Vilões da saúde Seja otimizando o desempenho de atletas, prevenindo e tratando os problemas inerentes à saúde da sociedade, o médico desportista é visto como um “anjo da guarda”. Tales gostaria que a medicina esportiva também colaborasse para modificar certos padrões de conduta que tendem a prejudicar a saúde de parcela da população. É o caso dos suplementos alimentares, utilizados com finalidade ergogênica (para ganho de força e massa muscular), que tendem cada vez mais à generalização em academias de ginástica. De acordo com Tales, é um verdadeiro um comércio ilegal, sem controle dos setores da vigilância sanitária, contando com a participação, direta ou indireta, de profissionais responsáveis pelas sessões de exercícios físicos. “Nestas circunstâncias o que ocorre é a inexistência de prescrição médica e/ou orientação de nutricionista com formação em ciência do esporte”, afirma. Em geral, a situação decorre da falta do conhecimento de que somente uma alimentação balanceada e de qualidade atende a todas as necessidades nutricionais de um praticante de exercícios físicos, inclusive de atletas profissionais. Para Mohty, os suplementos alimentares “são produtos comerciais, que não passam de placebo, sem nenhuma eficácia comprovada”. Quando se trata do uso de algumas drogas e hormônios de comprovada ação ergogênica, que oferecem riscos para a saúde e são considerados doping, a situação caracteriza-se não somente como antiética, mas criminosa. “Se ficar caracterizado o dolo do profissional responsável pela prescrição, há necessidade de uma ação punitiva advinda da justiça comum”, alerta Tales. Freqüentemente, a iniciativa de utilizar esteróides parte dos próprios esportistas, mas não é raro médicos e professores de academia receitarem esses medicamentos. Mohty afirma já ter visto muitos profissionais encerrarem carreira devido ao uso indiscriminado de anabolizantes. “O problema dos anabolizantes é que a curto prazo eles geram certos benefícios. No entanto, as conseqüências do uso exagerado ou freqüente podem acarretar em diversos problemas musculares e afetar a qualidade de vida”, acrescenta Álvaro Chamecki. Aliados Hoje, a medicina esportiva conta com alguns aliados tecnológicos que garantem maior segurança e conforto aos atletas. As lesões decorrentes dos impactos repetitivos e dos traumas desportivos são evitadas pelo uso de calçados que amortecem o impacto e por equipamentos de proteção; os tecidos para uniformes ajudam o corpo a transpirar favorecendo a termorregulação e os laboratórios de fisiologia do exercício dispõem de recursos que permitem que se estabeleça para o atleta a dose exata de exercícios, respeitando seus limites. O especialista em medicina esportiva não atua sozinho, é essencial o apoio de outras áreas como ortopedia, fisiologia, nutrição, cardiologia e a psicologia do esporte. Como trabalha com profissionais do vôlei, esporte caracterizado de alto impacto, Chamecki precisa estar sempre atento à saúde dos atletas. “No Rexona, por exemplo, a equipe tem o suporte permanente de outros profissionais da área de saúde”, conta. Somente o time do Paraná Clube possui sete médicos especializados. De acordo com Mohty, os dirigentes de clubes de futebol estão mais atentos à saúde dos atletas e perceberam que é preciso investir nesta área. “Sempre garantindo bom suporte médico, os jogadores ficam mais dispostos, não sentem tantas dores e estão sempre preparados para enfrentar competições”, finaliza.
Anjos da Guarda do Esporte
26/06/2003 | 03:00