Com um dos mais baixos tetos financeiro do País, cada alagoano tem direito apenas a R$ 138,50 ao ano para assistência pelo SUS
Em Alagoas, aproximadamente 92% da população depende do Sistema Único de Saúde. No país, apenas o Maranhão apresenta índice superior, conforme o Censo/2010 do IBGE. Entretanto, o tamanho dessa sobrecarga não tem sido suficiente para sensibilizar o governo federal a injetar uma fatia maior de recursos para a assistência médica dos alagoanos.
Cada cidadão tem direito apenas a R$ 138,50 (ao ano) para atendimento ambulatorial de alta e média complexidade hospitalar, recurso repassado aos gestores. O limite tolerado para despesas com saúde – no caso de Alagoas (teto financeiro) é de R$ 431 milhões. Especialistas calculam que para uma assistência razoável seriam necessários pelo menos o triplo desse valor. Daí se explica o sofrimento físico e emocional (humilhação) de quem depende do SUS.
Fila virtual – No intuito de acabar com as filas em frente às unidades de saúde, desde 2007 a marcação de consultas e exames funciona eletronicamente, pela rede de computadores. Como o número de exames e consultas disponibilizado para cada município é desproporcional à demanda, a espera por vaga é longa, mas as filas só aparecem no mundo virtual (só consegue ver, quem tem acesso ao sistema online).
Apesar disso, insiste-se em mascarar a realidade, apontando melhoras no sistema quando, no dia a dia, verifica-se superlotação tanto no pronto-socorro geral quanto nos minis (são cinco na capital). São frequentes as ocorrências de equipamentos quebrados nos hospitais público, como o Hospital Geral do Estado (HGE), referência para urgência e emergência.
Inoperante – Outro agravante: os mini prontos-socorros não dispõem sequer de desfibrilador cardíaco. Muitas vezes, falta até medicação básica e médicos. Um exemplo do descaso foi o período de três meses de inoperância do tomógrafo do HGE, mesmo sendo um aparelho imprescindível para atendimento de urgência e emergência. Só após muitas denúncias de pacientes e da imprensa que a situação foi resolvida.
O secretário de saúde de Alagoas, Alexandre Toledo, lamenta que a população ao invés de agendar consultas eletronicamente (na unidade de saúde mais próxima do seu domicílio) continue indo ao pronto-socorro e ao hospital geral do estado, segundo sua avaliação, por motivos evitáveis deixando a área do ambulatório sempre cheia.
Para ele, a estrutura de atendimento é boa em todo o Estado, principalmente após os últimos investimentos nos três maiores hospitais regionais: em Arapiraca, Santana do Ipanema e Paulo Jacinto. Toledo também considera um avanço o padrão de assistência do SAMU, citando que as 42 ambulâncias dão um reforço imprescindível à qualidade da assistência.
O presidente do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), Fernando Pedrosa, esclarece que ele e os demais conselheiros visitam periodicamente as unidades de saúde e hospitais regionais do interior e capital, vistoriando a situação, ouvindo os profissionais e os pacientes sobre as deficiências do sistema.
“Como resultado dessas visitas, todo ano, fazemos um relatório com o diagnóstico geral dos problemas. Já chegamos a entregar esse documento ao governo, pedindo solução e sugerindo alternativas, mas predomina o descaso, apesar das muitas promessas de investimento no setor”, criticou.
“Quando o local não oferece condições de trabalho e ocorre insucesso na prestação do serviço, a população e o próprio governo culpam o médico, não o hospital, posto ou clínica. O governo deve colocar entre suas prioridades condição de trabalho adequada à atividade médica, se quiser tirar a saúde do caos em que se encontra ”, diz o presidente do Cremal.
Superlotação e formigas – No HGE os pacientes já enfrentaram até formigas nos corredores superlotados, onde macas viram camas, mortos dividem espaço com os vivos. Durante a madrugada é comum haver queda de paciente, com fratura de fêmur. Os acidentes acontecem em momentos prosaicos, como durante uma ida ao banheiro ou um escorregão no piso molhado.
“Meu pai tem 86 anos e chegou aqui ao HGE graças a Defensoria Pública. Ele estava com muita dor e os hospitais negaram atendimento. Hoje, quando cheguei, ele tinha fraturado o fêmur por causa de uma queda. Não sei o que é pior: o interior ou a capital. Até agora, oito horas após a ocorrência, não teve um ortopedista para atendê-lo”, relatou aos prantos a costureira Maria Estela dos Santos Pereira, justificando que onde mora, em Coruripe, não tem UTI, por isso buscou ajuda em Maceió, a capital.
Improvisos – O cenário é chocante: pacientes entubados no chão, outros sentados cadeiras, segurando o frasco de soro com as mãos, à espera de leito. No corre-corre dos profissionais para salvar vidas, a saída é o improviso: caixas de papelão viram bandejas com medicamentos. Macas se tornam mesas. Na rotina, a exposição aos riscos: remédios e seringas são manipulados próximo a lixo, o que pode abrir brechas para casos de infecção por bactéria.
A filha de dona Josefa da Silva ficou desesperada. Ao chegar para visitar a mãe, a encontrou morta. A mulher foi internada com dor abdominal, apresentou escaras e, na sequencia, uma série de complicações por infecção, até chegar a óbito. “Sei que foi devido à péssima qualidade da assistência. Os pobres, infelizmente, dependem do SUS e o resultado é o mais doloroso possível”, desabafou.
Suporte – O superintendente de Atenção Básica da Secretaria de Saúde do Estado, Vanilo Soares, disse que a superlotação do HGE poderia ser evitada com um bom suporte nos municípios. Segundo ele, quase 70% das pessoas que são encaminhadas ao HGE não deveriam ser atendidas naquela unidade de saúde. Desse total, 40% da demanda é oriunda de pacientes do interior do estado. Entre os que são de fato internados, a proporção seria ainda maior, com metade dos usuários vindos de outros municípios que não Maceió.
Na capital ele sustenta que os cinco minis pronto-socorros funcionam normalmente, mas também apresentam superlotação, inclusive com pacientes do interior. “Tais unidades de saúde apresentaram uma média mensal de atendimento de 8 mil pacientes por mês, em 2010. É algo excessivo. Em muitos casos, as pessoas chegam lá devido a uma febre ou dor de barriga, por exemplo, o que só reforça a necessidade de maior investimento na atenção básica por parte dos demais entes federativos”, avaliou.
Enquanto isso, cerca de 50 prefeitos chegaram a ameaçar o descredenciamento de municípios alagoanos do Programa Saúde da Família (PSF), sob o argumento de que não podem arcar com a despesa oriunda da contratação dos médicos (contra-partida do município).
Mesmo diante de um cenário caótico, desde maio de 2010 a Secretaria de Saúde do Alagoas instalou o serviço de ouvidoria do SUS. Qualquer cidadão que ligar para 0800-28411945 ou enviar e-mails para
Fonte: Assessoria de Imprensa do Cremal – Fátima Vasconcelos
ouvidoriasus@saude.al.gov.br com relatos sobre a deficiência no atendimento. A promessa é de garantia de solução. Mas diante de tantos relatos, fica a pergunta: o que será dos alagoanos dependentes do SUS?