Apesar do elevado número de médicos, falta de políticas públicas prejudica distribuição e interiorização
O Brasil tem um número absoluto significativo de médicos, porém a política de interiorização das escolas de medicina não atrai e fixa os profissionais no interior do País. Segundo o estudo da Demografia Médica, mesmo aqueles que se formam nas escolas de áreas distantes migram para os grandes centros em busca de oportunidades. Com isso, persiste a distribuição desigual entre as regiões do país e entre as áreas metropolitanas e o interior.
As áreas mais afetadas são as menos desenvolvidas, as mais distantes e as de difícil provimento (com altos índices de violência, por exemplo). “Houve um aumento expressivo no número de médicos, mas se manteve a tendência de concentração nas capitais e nas grandes cidades, a maioria na rede privada”, avalia Mario Scheffer, coordenador do trabalho.
“Esse aumento não bene ciou nem a população no interior, nem o sistema de saúde. Temos 500 mil médicos, mas há falta deles na atenção primária, nos municípios sem assistência, nos serviços do SUS e nas periferias”, constata o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Enquanto a média nacional é de 2,4 médicos por mil habitantes, há lugares, como Vitória (ES), onde a proporção é de 13,71, enquanto em municípios com até 5 mil habitantes há 0,37 médico por mil habitantes.
Esse problema não afeta apenas a presença do médico. O estudo Demografia Médica já revelou em edições anteriores que nos locais sem cobertura médica também não há profissionais de outras categorias, inclusive da área da saúde.
“Localidades com esse perfil – população pequena, sem atividade econômica definida ou com baixos indicadores de desenvolvimento humano – não atraem e fixam profissionais. Nelas, o mercado não se autorregula. Assim, cabe ao Estado, por meio de políticas, levar e manter médicos e outros profissionais nestas áreas. Para isso devem ser oferecidas condições de trabalho e remuneração adequadas”, afirma o 1º vice-presidente do CFM, Donizetti Giamberardino.
Como ressaltam os representantes do CFM, persistem as distorções percebidas na Demografia Médica 2011 e mantidas em todas as edições seguintes.
Ao analisar o quadro, percebe-se que Norte (1,30) e Nordeste (1,69) apresentam uma média menor do que o índice nacional, localidades Sul (2,68), Centro-Oeste (2,74) e Sudeste (3,15) exibem um desempenho melhor.
No Sudeste, onde moram 42% da população, atuam 53% dos médicos. Já o Norte, que concentra 8% da população brasileira, tem apenas 4% do total de médicos do País.
Pela primeira vez na série histórica, nenhum estado apresentou razão menor do que um médico por mil habitantes. Em todo o país, apenas quatro estados apresentam proporção de médicos por mil habitantes inferior à metade da média nacional, ou seja, 1,2. Por outro lado, outros sete relatam um desempenho acima de 2,4 médicos por mil habitantes. Os destaques são Distrito Federal, com 5,11, seguido por Rio de Janeiro (3,7) e São Paulo (3,2).
Indicador de desigualdade entre capitais e interior confirma má distribuição de profissionais
A Demografia Médica no Brasil 2020 confirma o que o CFM denuncia há anos: faltam políticas públicas que fixem os médicos e demais agentes de saúde no interior do país. Isso fica evidente na análise dos números.
Enquanto nas 27 capitais a média é de 5,65 médicos por mil habitantes, nas cidades do interior é de 1,49. Abrigando 23,8% da população, as capitais concentram 54,2% dos médicos.
As maiores taxas nas capitais estão em Vitória (13,71), Florianópolis (10,68), Porto Alegre (9,94) e Recife (8,18). Já Macapá (AP) e Rio Branco (AC) têm as menores (1,77 e 1,99, respectivamente), apresentando, inclusive, um percentual abaixo da média nacional geral.
No comparativo entre as regiões, as capitais do Norte têm 2,94 médicos por mil habitantes, seguidas pelas capitais do Nordeste (5,30), Centro-Oeste (5,44), Sudeste (6,15) e Sul (8,35).
ID – Para identificar quão irregular é a distribuição de médicos nos estados, o estudo Demografia Médica criou o Indicador de Desigualdade (ID), que revela a diferença da presença de médicos nas capitais e nos municípios do interior.
O indicador é resultado da divisão entre a razão de cada capital e a razão das regiões do interior do respectivo estado. Quanto maior o ID, maior a concentração de médicos na capital. No Brasil como um todo, esse indicador é de 3,80 – resultado da divisão entre a razão das capitais, que é de 5,65, e a razão dos municípios do interior, que é de 1,49 médico por mil habitantes.
Percebe-se que a maior desigualdade ocorre em Sergipe, com índice de 22,93. Neste estado, a relação médico/população é de 6,01 na capital, enquanto no interior é de 0,26. Já o extremo oposto se vê em São Paulo, que tem um ID de 2,43. Lá, o índice na capital é de 5,61 e, no interior, de 2,31. Essa boa relação é explicada porque o estado tem várias cidades com mais de 500 mil habitantes, que geralmente contam com um contingente maior de médicos.
Com um Indicador de Desigualdade equivalente a 7,95, o Nordeste é a região com maior diferença entre capitais e interior. Nessa região, enquanto a média de médicos nas capitais é de 5,30, nas cidades do interior fica em 0,67. A região com o menor ID é o Sudeste, onde a taxa de médicos atuando na capital é de 6,15, e no interior 2,15.
OCDE – Em estados das regiões Sudeste e Sul e em cidades mais desenvolvidas, a proporção é muito maior do que a razão de 3,5 médicos por mil habitantes, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nas capitais brasileiras, essa média fica em 5,65 médicos por mil habitantes.
A perspectiva é que a proporção de médicos por grupos de mil habitantes continue crescendo, já que os médicos trabalham em média 40 anos e anualmente cresce o número de formandos.
2,7% atendem 15% – Além das capitais, os médicos tendem a se fixar nas cidades com mais habitantes. Enquanto nos municípios com mais de 500 mil moradores a média é de 4,89 médicos por mil habitantes, nas localidades com até 5 mil pessoas a relação é de 0,37. Só a partir dos municípios com mais de 100 mil habitantes é que se chega à média de 2,27.
“O médico é um profissional como outro qualquer, não é um sacerdote; temos médico onde o mercado regula. Nos locais de difícil acesso, cabe ao Governo Federal ter políticas públicas para prover médicos e estrutura de trabalho. Se não for assim, dificilmente um médico vai querer trabalhar num lugar onde não tem emprego, remuneração adequada e perspectivas de crescimento na carreira”, alerta o presidente do CFM.
O estudo mostra que os 48 municípios com mais de 500 mil habitantes reúnem 31,7% da população do país e contam com 62,4% dos médicos. Já nos 1.253 municípios com até 5 mil moradores, vivem 4,2 milhões de pessoas, que são atendidas por 1.557 médicos. A situação também é difícil- nos 1.199 municípios que têm de 5 a 10 mil moradores, onde a razão é de 0,38. Neles, moram 8,5 milhões de pessoas e 3.269 médicos. Somados, os 3.797 municípios com até 20 mil habitantes representam 68,2% dos municípios do país e abrigam 15,2% da população, que é assistida por apenas 2,7% dos médicos em atividade.