Carla Sartori* As ciências econômicas discutem o uso dos recursos produtivos pelas sociedades, recursos estes limitados, alternativos, geradores de bens e serviços que são ou serão utilizados pelos próprios indivíduos. Nós, brasileiros, vivemos uma economia de mercado onde as mercadorias produzidas não se destinam ao uso do produtor, mas à venda. A relação entre produção e consumo subordina-se às leis de mercado. Usualmente o produtor fixa o preço e o consumidor detém o livre arbítrio da compra. Torna-se importante conhecer a relação entre o custo de produção e o preço final da mercadoria para entender o lucro. O setor de assistência e atenção à saúde é um nicho especial no contexto descrito, demandando tratamento particular, pois guarda diferenças significativas para o referido “mercado”. Os recursos disponíveis também são limitados e a utilização geralmente não é pré-definida. O usuário raramente decide pela aquisição dos serviços oferecidos, pois dispõe apenas de estimativas sobre os preços. Ele não consegue saber, com a precisão matemática, quanto pagará pela internação hospitalar, se acometido por uma patologia a ser esclarecida, por exemplo. É objetivo da economia da saúde o estudo das condições de financiamento, produção e distribuição dos recursos destinados ao setor, seja ele público ou privado. Em 1973, a Organização Mundial da Saúde (OMS) patrocinou em Genebra um Seminário Interregional sobre Economia Aplicada à Saúde, um dos passos pioneiros para a implementação do novo campo de ação. Del Nero (1995) interroga distorções mundiais que acontecem na prestação dos serviços de saúde e que fornecem subsídios à formulação dos problemas levantados pela economia da saúde, tais como: 1. Existe uma correspondência entre os serviços oferecidos e as necessidades da população? 2. Há distribuição geográfica equânime dos recursos ? 3. Há desequilíbrio no contexto da alta tecnologia médico-hospitalar ? 4. Existem excessos na venda e no uso de medicamentos? 5. Como anda a harmonia entre as ações do setor público e as do setor privado na aplicação dos recursos? E entre a prevenção e a cura? 6. É possível otimizar os custos sem perder a qualidade? 7. Como definir e atribuir “prioridades” neste cenário? 8. Como anda a capacitação dos profissionais que atuam no setor? E a satisfação? A prática da Medicina não deve ser resumida à simples prestação de serviços. A transposição linear de conceitos econômicos torna-se perigosa nesta seara. É possível quantificar com relativa segurança o custo hospitalar de um procedimento qualquer, somando-se o preço dos materiais, dos medicamentos, das diárias, das taxas e dos exames complementares. E quais são os indicadores que subsidiam, com alguma fidedignidade, o valor monetário do trabalho médico? Eis outra questão que esta nova área do conhecimento busca responder . Na visão da economia da saúde, a viabilização da assistência passa pela interpretação de cada segmento sobre o uso dos recursos. A economia normativa entende o “bem comum” e a sobrevivência do sistema como itens iniciais da sua lista de prioridades. O paradigma médico assistencialista volta-se, inicialmente, para o bem individual e a sobrevivência das pessoas. A compatibilidade entre as duas visões abre um vasto campo de estudo e torna-se o “plus” para o sucesso da parceria. Ambas as ciências, médica e econômica, subordinam-se a códigos de ética. A origem ética da Economia remonta a Aristóteles, que logo no início de Ética a Nicômaco “associa o tema da economia aos fins humanos, referindo-se à sua preocupação com a riqueza”. Hipócrates, temendo o uso indevido do sacerdócio por indivíduos gananciosos e alheios aos princípios morais, normatizou o comportamento do médico. Nós, médicos, prestamos serviços essenciais desenvolvendo tecnologia do conhecimento ao tratarmos, aliviarmos e/ou prevenirmos agravos. Desenhamos a nossa casuística, gerando indicadores de qualidade com base na experiência técnica individual. A performance do médico, ou seja, a habilidade que ele possui na decisão do uso deste ou daquele recurso técnico para cada caso, é que vai definir a otimização dos custos. As unidades de saúde operacionalizam as nossas ações, instrumentalizando os procedimentos e as condutas. A “porta de saída” do cliente é um parâmetro inequívoco da gestão qualitativa destes custos, fortalecendo o marketing institucional. A difundida globalização, apesar de complexa e polêmica, traz um ganho incontestável à humanidade: a acessibilidade. As características do ensino médico restringiram o profissional ao saber específico durante séculos. Questões como custo, eficácia, viabilidade econômica e outras afins pareciam estar distantes da sua prática diária. As transformações vêm processando-se de forma proativa na busca da excelência assistencial e da conseqüente viabilização do sistema. O diferencial marcante do setor de assistência e atenção à saúde para o mercado de um produto comum ou de um serviço qualquer é o rigoroso e particular tratamento ético na definição de valores morais e na negociação de valores financeiros . * Carla Sartori é médica sanitarista, mestranda em Análise Regional.
A Economia da Saúde e a Medicina
14/04/2003 | 00:00