Ildo Simões* Confesso que nunca me senti tão impotente nas diversas tentativas de escrever o texto com o título acima e que versa sobre visita realizada a uma instituição pública que se intitula Hospital de Custódia e Tratamento. Há algumas semanas A TARDE publicou uma matéria contundente na qual chamava a dita instituição de ante-câmera do inferno. Vistas de perto as cenas descritas pelo competente repórter são apenas uma tintura cor-de-rosa sem nenhum demérito para o texto. Tenho, ao longo de mais de 40 anos, socorrido, por força da profissão, portadores das mais diferentes chagas, situações crític as de angústia e sofrimento, mas nada se compara ao que se encontra entre as quatro paredes daquela masmorra que lembra as catacumbas dos tempos negros da humanidade. Seus habitantes, quase todos privados da sanidade mental, encontram-se ali encarcerados por força de um delito praticado num surto e, portanto, tecnicamente denominados inimputáveis, termo do jargão jurídico que poderia ser traduzido literalmente como alguém que não pode responder por um delito que não tinha consciência quando o praticou. Ora, se alguém praticou um delito num surto de insanidade, se é tecnicamente irresponsável, por que deveria estar pagando uma pena tão cruel? Privado da liberdade, privado de tratamento, com a conivência das autoridades que deveriam zelar pela prevenção do crime praticado, ou se inevitável, promover o suporte necessário para que tal crime não se repita. O que se vê na prática são cenas de terror explicito: trapos humanos em que a auto-estima já não existe, encarcerados em cubículos infectos, de odores nauseabundos causados por acúmulos de dejetos, pagando uma pena que certamente, não têm consciência de sua extensão. A indignidade vai desde a falta de espaço para repousar o corpo cansado; remédios para amenizar suas dores e suplícios de causas mais diversas; profissionais que lhe receitem os medicamentos; serviçais que lhes recolham os excretas. Vendo o quadro de perto, algumas dores ficam-nos cravadas na alma. Hipócrates não merecia esta afronta. A dignidade humana não pode permanecer na lata do lixo. * Ildo Simões Ramos é médico fiscal do Cremeb. E-mail: ldosimões@uol.com.br
A dignidade na lata do lixo
14/08/2003 | 03:00