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Na retomada do julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, os ministros do Supremo Tribunal Federal analisaram, nesta quarta-feira (27/4), o cabimento da ADPF proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Por sete a quatro, os ministros resolveram dar seqüência à tramitação do processo no Supremo, para posterior decisão quanto à legalidade da interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (ausência de formação cerebral). Votaram a favor os ministros Marco Aurélio (relator), Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim (presidente). Negaram seguimento à ação os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso. O julgamento recomeçou com o voto do ministro Carlos Ayres Britto, após pedido vista dos autos, no sentido da adequação da ação proposta. Ele seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, que havia se pronunciado anteriormente pelo cabimento da ADPF. Também favorável, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que “milhares de autorizações judiciais de interrupção de gravidez em caso de anencefalia já foram concedidas no país nesses últimos anos, mas para cada autorização concedida várias outras são negadas, criando assim uma insegurança jurídica inadmissível”. Ao analisar se a ADPF pode ser utilizada como instrumento para questionar a falta de previsão na lei para os casos de interrupção da gestação de feto anencefálico, o ministro Gilmar Mendes considerou que, para a segurança jurídica, o Supremo deveria dar uma interpretação ampla, geral e imediata sobre o tema, para evitar decisões contraditórias em outras instâncias. Gilmar Mendes argumentou que a própria insegurança jurídica pode ser vista como descumprimento de preceito fundamental. Para ele, o que a CNTS questiona é a necessidade de se respeitar um preceito fundamental da Constituição brasileira, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, da liberdade e do direito à saúde. “A existência ou não da violação de tais preceitos será objeto de exame quando do julgamento de mérito. Mas cabe enfatizar ,nesse ponto, que este requisito legal para a admissibilidade da ADPF me parece completamente cumprido”, observou Mendes. O ministro Celso de Mello votou pelo cabimento da ADPF entendendo que “esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da República”. Dessa forma, o ministro considerou haver, no caso, plena adequação formal da ação do instrumento utilizado pela confederação. Também favorável à ADPF, o ministro Sepúlveda Pertence afirmou que, no caso, o que se questiona não é a exclusão de punibilidade que dispõe o Código Penal em relação ao assunto, mas a atipicidade do fato. “Na lógica da petição, não se segue que se queira aditar-lhe uma nova cláusula de exclusão da punibilidade. Ao contrário, se pretende excluir para dar prevalência aos valores constitucionais invocados”, afirmou. Último a votar, o presidente Nelson Jobim também acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, e julgou admissível a ADPF. Ele acredita ser fundamental, diante da existência de várias decisões contraditórias em todo o país a respeito do assunto, que o Supremo possa dar ao caso uma solução definitiva. Ao proclamar o resultado da questão de ordem, o ministro-presidente determinou a devolução dos autos do processo ao relator, para que ele decida sobre o procedimento a ser seguido na instrução processual. Nelson Jobim levantou a hipótese de se aplicar o parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 9.882/99 – que dispõe sobre o processo e julgamento de ADPF. O dispositivo diz que o relator poderá ouvir as partes no processo, requisitar informações adicionais, designar perito para emissão de parecer ou ainda fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Jobim entende ser necessário, para o julgamento de mérito, o esclarecimento, do ponto de vista médico, da situação de um feto anencéfalo. Votos contrários Divergindo do relator, o ministro Eros Grau entendeu ser inadequada a ação proposta, pois, segundo ele, a CNTS pede que o Supremo crie, por via oblíqua, nova hipótese de não-punibilidade do aborto, ferindo o princípio da reserva de lei e transformando a Corte em legislador positivo. “O que a autora pretende é lançar mão da ADPF como instrumento de interpretação extensiva de normas do Direito Penal, e as excludentes de punibilidade previstas no artigo 128 não admitem a interpretação conforme a Constituição”, disse. Da mesma forma, o ministro Cezar Peluso negou o pedido, ao afirmar que, no caso, não há controvérsia constitucional. Para ele, o caso envolve ” pura e simples interpretação do artigo 124 do Código Penal”. No fundo, disse Peluso, “o que se trata é de criar mais uma excludente de ilicitude”, o que seria tarefa própria do Poder Legislativo. “O foro adequado para a questão é do Legislativo, que deve ser o intérprete dos valores culturais da sociedade e decidir quais desses valores podem ser diretrizes determinantes da edição de normas jurídicas”, afirmou. A ministra Ellen Gracie votou pelo não-conhecimento da ADPF. Ela afirmou que, além da necessidade de análise do controle de constitucionalidade, era preciso haver, também, o controle da passionalidade devido ao caráter controverso do tema. A ministra reconheceu o problema social e a polêmica em torno da autorização legal para a interrrupção da gravidez nos casos de anencefalia. No entanto, ressaltou que a intenção da CNTS ao propor a ação seria, através de mecanismos artificiosos, fazer com que o Supremo suprisse a lacuna deixada pelo Congresso Nacional, que não apreciou os projetos sobre aborto que lá tramitam. “Parece-me profundamente antidemocrático pretender obter, por essa via tão tortuosa da ADPF, manifestação a respeito de um tema que, por ser controverso na sociedade brasileira, ainda não logrou apreciação no Congresso Nacional, inobstante às tantas iniciativas legislativas registradas em ambas as Casas”, sustentou a ministra. Ellen Gracie ressaltou que mesmo nos casos em que o Tribunal julga ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, a Corte se reserva a apontar ao legislador as lacunas existentes na lei, “mas não a preenchê-las”, ponderando que tal intenção poderia acarretar na ruptura de princípios constitucionais como o da separação dos Poderes e repartição de competências entre eles. Carlos Velloso também defendeu o não-cabimento da ADPF. Para ele, os dispositivos da lei penal utilizados pela confederação constituem direito pré-constitucional. “A pretensão do autor resulta, em última análise, na declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de normas infraconstitucionais às normas penais mencionadas anteriores à Constituição vigente”, declarou o ministro durante o seu voto. Ele lembrou que a jurisprudência do Supremo, a partir da ADI 02, não admite ação direta de inconstitucionalidade de direito pré-constitucional. Fonte: Site do Supremo Tribunal Federal

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