A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio. O Art. 9 do Código de Ética Médica é claro ao condenar a atividade médica praticada com o intuito do lucro ou imbuída de mentalidade mercantilista. Entretanto, por desconhecimento ou logro, existem os profissionais que vêem a medicina como um negócio destinado à obtenção de recompensas. Em face disso, o Cremeb está desenvolvendo um trabalho pedagógico de prevenção que pretende alertar os médicos e zelar pela prática ética da profissão. “É fundamental que os médicos tomem ciência do caráter indevido e ilegal dessa atividade”, afirma o conselheiro corregedor do Cremeb, Abelardo Meneses. A comercialização de produtos médicos dentro de consultórios e a interação e dependência com organização destinada à comercialização de produtos médicos são algumas expressões da subordinação dos princípios éticos da Medicina aos interesses puramente mercantis do comércio. Tratadas ainda nos artigos 87, 98 e 99 do Código de Ética Médica, essas práticas podem trazer riscos e prejuízos para os praticantes e seus pacientes. O presidente da regional baiana da Sociedade Brasileira de Cardiologia, José Péricles Esteves, lembra que o profissional pode, além disso, perder o prestígio tanto da classe médica quanto da população, pois cria uma divisão de interesses. “Mais cedo ou mais tarde, médicos e pacientes descobrem que ele apenas está pensando em obter lucros. E assim começa a perder clientela, o respeito profissional e a confiança”, diz. O presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, seção Bahia, Alan Eduardo Sanches, também acredita que os riscos de uma atividade conjugada entre Medicina e comércio são muitos. O médico que se torna empresário, observa, esquece o lado humano da profissão e trata o paciente como uma mercadoria. A possibilidade da indicação médica sofrer influência mercantil, para ele, é ainda mais arriscada. “Em alguns casos, pode haver indicação exagerada de cirurgia ou ainda prescrição de medicamentos caros, quando existem outros mais em conta”, diz. O encaminhamento de pacientes é outra prática possível entre aqueles que encaram a Medicina como comércio. Conhecida por dicotomia, consiste numa dupla modalidade de ganância: uma a título de comissões e a outra na intenção da reciprocidade. O Art. 16 do Decreto nº 24.492/34 proíbe os médicos oftalmologistas indicarem estabelecimentos de vendas de lentes de grau para o aviamento de suas prescrições. É lícito apenas dizer ao paciente quais as óticas que vêm-se mostrando incapazes de fazê-lo. O presidente da Sociedade de Oftalmologia da Bahia, Marco Aurélio de Oliveira, lembra que os médicos que trabalham em associação com óticas acabam provocando uma concorrência desleal. A instalação de consultórios em instituições comerciais e a participação em empresa que se dedica a fornecer medicamentos ou correlatos também são consideradas atentatórias aos postulados éticos da profissão. O Art. 14, do Decreto nº 24.492, estabelece que nenhum médico, na localidade em que exercer a clínica, nem a esposa, poderão possuir ou explorar o comércio de lentes de grau. “Teoricamente seria bom que pudéssemos ser oftalmologistas e donos de óticas para garantir a qualidade de alguns serviços, mas o risco é começar a pensar somente no lado comercial”, diz Marco Aurélio de Oliveira. De fato, o comércio, enquanto forma exclusiva de gerar dividendos pela intermediação de bens e valores, não corresponde aos serviços prestados no exercício profissional médico. Segundo o Parecer-consulta CFM nº 02/89, a atividade médica deve ser sempre em favor da saúde e do bem-estar do paciente e da sociedade, e nunca se servindo de ferramenta para a mercancia e para a pecúnia. O conselheiro corregedor do Cremeb, Abelardo Meneses, acha essencial o apoio das sociedades de especialidades numa campanha para alertar os médicos sobre esses limites e garante que o Cremeb não se afastará de sua função judicante nesses casos.