Pandemia fez com que caísse a realização de exames preventivos e de cirurgias eletivas na rede pública

Oftalmologia: procura por exames caiu 36% em serviços da rede pública
Números levantados por entidades médicas de todo o País indicam que exames preventivos de doenças como câncer de pele, próstata e mama, além de cirurgias eletivas e outros procedimentos médicos, caíram durante a pandemia. Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), além de aumentar a fila de espera no futuro, sobretudo na rede pública, esse represamento pode refletir na gravidade das doenças por falta de diagnóstico e tratamento precoce.
“A pandemia de covid-19 afastou muitos pacientes dos consultórios e hospitais, medida importante e até recomendada pelas autoridades sanitárias nacionais e internacionais no começo da pandemia. Além disso, parte expressiva dos profissionais de saúde passou a dedicar-se exclusivamente à atenção dos pacientes infectados, e as unidades hospitalares tiveram que adaptar seus ambulatórios e enfermarias para atendê-los”, explica Adriano Meira, conselheiro federal e coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS.
Pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, a pedido da Johnson & Johnson Medical Devices, mostrou que 64% dos brasileiros declararam que adiaram ou cancelaram serviços de saúde em 2020, entre eles check-ups preventivos (22%) e cirurgias eletivas (21%). A pesquisa ainda apontou que o diagnóstico de novos casos de câncer caiu nos primeiros meses da pandemia.
Em maior ou menor grau, as doenças cardiovasculares e doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, também tiveram queda no número de novos diagnósticos e nas consultas de acompanhamento. De acordo com pesquisa do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, as cirurgias de urgência também tiveram uma queda significativa durante a pandemia de covid-19: 60% entre fevereiro e maio de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019.
Para a 2ª secretária do CFM, Tatiana Della Giustina, um dos legados da pandemia é este cenário que agora preocupa os médicos: as consequências desse represamento na assistência para a saúde dos brasileiros a médio e longo prazo. “A ausência dos exames para diagnóstico precoce de muitas doenças pode trazer uma piora na evolução e no prognóstico, porque potencialmente seriam tratáveis e curáveis em estágios iniciais. Os próximos meses certamente exigirão dos gestores habilidade e competência para gerenciar e reorganizar os sistemas de saúde”, pontuou.
Prevenção – Dados levantados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e pela Sociedade Brasileira de Patologia mostram, por exemplo, que caiu 70% o número de cirurgias voltadas ao câncer e houve ainda redução de até 90% das biópsias enviadas para análise. Estima- -se que pelo menos 50 mil brasileiros deixaram de receber diagnóstico de câncer nos dois primeiros meses de pandemia. De acordo com a pesquisa, as cirurgias mais adiadas foram as de colo retal, mama, estômago, pâncreas e pulmão.
Já a Sociedade Brasileira de Urologia relata queda de 18% nos pedidos de exame de antígeno prostático específico (PSA) em uma rede nacional de laboratórios no período de março a junho de 2020, em comparação ao mesmo período do ano anterior. O exame de PSA é o marcador mais utilizado no auxílio ao diagnóstico de câncer de próstata.
Em dezembro, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também verificou que a pandemia afastou pacientes de câncer de pele de consultórios e ambulatórios, comprometendo o diagnóstico da doença e, consequentemente, o tratamento precoce. Em 2019, de acordo com a SBD, foram 210.032 pedidos de biópsias para detectar câncer de pele, entre janeiro e setembro. Em 2020, no mesmo período, foram 109.525, 48% a menos.
Números indicam queda
Outra análise que indicou prejuízos da pandemia partiu do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, que mostrou queda de 36%, na média nacional, entre janeiro e agosto, da realização de exames para diagnóstico de retinopatia diabética pelo Sistema Único de Saúde, em relação ao mesmo período do ano anterior. A complicação acomete pessoas com diabetes dos tipos 1 e 2 e ocorre quando o excesso de glicose no sangue danifica os vasos sanguíneos dentro da retina.
Além da pandemia do coronavírus em si, os efeitos dela também impactaram negativamente na doação de órgãos. Isso porque a redução dos voos comerciais prejudicou a logística para transporte de órgãos e de equipes médicas. A consequência foi que os transplantes de coração e de medula óssea diminuíram 25% este ano. E o de córnea reduziu 51%, segundo o próprio Ministério da Saúde.
Para o CFM, é preciso que o sistema de saúde se adapte à situação atual e que seja dada atenção às demais doenças.
“Caso contrário, teremos o agravamento de alguns pacientes e muitas vidas poderão ser perdidas. Os doentes crônicos, por exemplo, precisam de um acompanhamento constante”, raciocina a conselheira federal Tatiana Della Giustina.
Aumentou a procura por psiquiatras
Ao impedir a circulação de pessoas em locais públicos e restringir o convívio social, a pandemia do novo coronavírus também aumentou os sintomas de ansiedade e os quadros de depressão e outros transtornos mentais, alterando ainda o sono dos brasileiros. A constatação é da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que realizou pesquisa com os associados para saber qual é a percepção dos especialistas sobre os atendimentos psiquiátricos durante o ano de 2020.
De acordo com a pesquisa, quase metade dos entrevistados percebeu aumento em seus atendimentos após o início da pandemia. Neste grupo, os atendimentos cresceram em até 25%, quando comparados ao período anterior, para cerca de um terço dos entrevistados (59,4%).
A pesquisa também teve como objetivo identificar o atendimento a pacientes que apresentaram recaídas após tratamento já finalizado, ou o agravamento de quadros psiquiátricos já em tratamento. Cerca de 68% dos psiquiatras participantes da enquete responderam que receberam pacientes que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes. Além disso, quase 70% do grupo informou ter atendido pacientes que, após alta médica, tiveram recidiva de seus sintomas.
Tabaco – Outra estatística que chamou atenção partiu do estado de São Paulo, onde a procura por tratamentos antitabagistas registrou alta de 30% durante a pandemia. O percentual, segundo informações do Programa Estadual de Controle do Tabagismo, foi observado tanto no serviço público quanto na rede privada.
Entre janeiro e maio do ano passado, 8.249 pessoas buscaram atendimento no programa, um acréscimo de quase um terço em relação ao registrado no mesmo período de 2019. Desse total, quase 60% eram mulheres. Para especialistas, a alta se deve ao fato de o cigarro aumentar os riscos de o paciente fumante desenvolver as formas mais graves da covid-19.