A Resolução nº 2.292/2021, do Conselho Federal de Medicina (CFM), a ser publicada esta semana no Diário Oficial da União, estabelece como procedimento experimental a administração de hidroxicloroquina (HCQ) e cloroquina em apresentação inalatória. Pelo texto, tratamentos médicos baseados nessa abordagem podem ser realizados somente por meio de protocolos de pesquisa aprovados pelo sistema de Comitês de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/Conep).
A decisão veio após o CFM se debruçar sobre aventada possibilidade de a apresentação inalada desses fármacos ser uma alternativa para reduzir o risco de eventos adversos e aumentar eficácia no tratamento contra a covid-19.
Segundo análise da autarquia, porém, a HCQ para uso inalatório não é preconizada pelo fabricante, não havendo na literatura nenhuma informação sobre a eficácia e segurança da medicação aplicada por essa via, assim como dados sobre sua farmacocinética e farmacodinâmica nessa situação. “Essa forma de administração não caracteriza uso off label da medicação, sendo necessárias pesquisas que comprovem a eficácia e segurança da HCQ, assim como a dose a ser aplicada”, conclui.
Limites éticos – A Resolução nº 2.292/2021 destaca que, de acordo com a Lei nº 12.842/2013, o CFM tem a competência legal de determinar o que é ou não é tratamento experimental no País. Com base nessa outorga legal, a autarquia elaborou o Parecer CFM nº 4/2020, que estabelece critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de covid-19, delegando ao médico e ao paciente a autonomia de decidirem juntos qual a melhor conduta a ser adotada, desde que com o consentimento livre e esclarecido firmado por ambas as partes.
Conforme destacou o conselheiro Domingos Sávio, relator da Resolução nº 2.292/2021, “a autonomia do médico de prescrever o que julgar melhor para seu paciente é um dos pilares da medicina desde Hipócrates, só tendo limite na lei e na ética, objetivando sempre única e tão somente a beneficência e nunca a maleficência”.
Ao apresentar suas considerações, no entanto, ele explica que “a simples dissolução de um comprimido de HCQ para produzir uma solução para inalação não deve ser considerada, em vista dos excipientes presentes no produto, que podem ser agressivos às vias aéreas, e da dificuldade de estabelecer as dosagens compatíveis com os limites da administração inalada”.
“As apresentações orais de hidroxicloroquina e cloroquina de diferentes fabricantes podem ter excipientes diferentes de uma lista de excipientes para medicamentos orais recomendada pelas agências reguladoras de medicamentos. É obrigatório que os excipientes estejam listados em bula, pois são de interesse dos alérgicos e diabéticos, por exemplo”, pontuou.
Pandemia – O CFM ressalta que pesquisas nos centros mais avançados do mundo tentam encontrar tratamento para frear a pandemia de covid-19, tendo desenvolvido vacinas em tempo recorde, sem precedente na história, além de avanços importantes no tratamento dos doentes críticos, como a intubação (precoce X tardia), posição PRONA, uso de corticoides, anticoagulantes e bloqueadores neuromusculares, sob prescrição médica. Apesar disso, o uso da HCQ numa nova apresentação (inalada), em registro anterior em nenhuma parte do mundo, acrescenta ainda incerteza ao tratamento, pois não tem garantida sua eficácia e segurança.
“A obtenção de nova apresentação medicamentosa para uso inalatório é um processo complexo, da competência de farmacêuticos especializados em técnica farmacêutica. Esse fato não pode ser ignorado pelo médico que pretende prescrever tal produto, pois se trata de procedimento experimental e está fora de sua competência responsabilizar-se pela qualidade, pureza e segurança de um produto experimental que foi processado por outro profissional de saúde”, cita o relator.