O protagonismo do médico no diagnóstico, notificação e tratamento de doenças infecciosas e parasitárias, sobretudo no combate à pandemia de covid-19, teve destaque durante o III Fórum de Infectologia do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Pela primeira vez online, o evento reuniu nos dias 26 e 27 de outubro infectologistas e representantes de universidades e sociedades de especialidades. O evento foi aberto pelo vice-presidente da autarquia, Jeancarlo Cavalcante, e pelo coordenador da Câmara Técnica de Infectologia do CFM, conselheiro Domingos Sávio Matos Dantas.
O cenário do pós-pandemia no mundo, doenças emergentes e a preocupação com doenças como tuberculose, dengue e HIV levou a Câmara Técnica a realizar o encontro, como explicou o coordenador da Câmara Técnica. “Com esse evento, esperamos dar uma resposta à sociedade e dedicar nosso empenho para que os médicos se envolvam e possamos diminuir as taxas e incidências”, aposta Dantas.
Doenças Emergentes – O primeiro painel do Fórum de Infectologia do CFM tratou sobre as doenças emergentes. O debate foi em torno da Monkeypox, Arboviroses (Dengue, Zika, Chikungunya), Leishmaniose e o emprego das novas metodologias diagnósticas nas doenças emergentes.
Durante a explanação sobre as Arboviroses, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Kleber Giovanni Luz, chamou atenção para números alarmantes: o Brasil apresenta um aumento significativo de casos de dengue, de acordo com o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Os dados, que consideram os registros da doença até a primeira semana de setembro, apontam que houve um aumento de 189,1% de casos em comparação com o mesmo período de 2021. Até o dia 5 de setembro, foram contabilizados 1.337.413 casos prováveis de dengue no país.
Luz pontuou a importância do manejo da dengue: “É preciso reconhecer a doença pelo quadro febril e alertar para os sinais de alarme e de choque. Dengue é basicamente a única doença que piora quando a febre diminui, por isso, ao atender um paciente deve se ter certeza aos sinais de alarme”.
Monkeypox – Ainda no primeiro painel do Fórum, a programação destacou o avanço da Monkeypox, com palestra da consultora nacional da Organização Panamericana da Saúde (OPAS), Ho Yeh Li. Estiveram em análise questões como o plano nacional de contingência, cenário epidemiológico mundial, vacinação, atualização de conhecimento e cuidados de prevenção entre médicos e demais profissionais de saúde
De acordo com a especialista, é preciso aumentar a sensibilidade para detectar os casos, com o que é indispensável a notificação imediata para o enfrentamento da doença.
Pós-pandemia – A vacinação deve ser a grande bandeira para 2023. Foi o que defendeu os participantes do segundo painel do encontro que tratou da “pós-pandemia, o que teremos pela frente?”.
Os desafios e os legados da pandemia de covd-19 foram destacados pelo professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Clóvis Arns da Cunha. “Nós, médicos, aprendemos muito com a pandemia de covid-19. Foram trabalhos extremamente dinâmicos, que que nunca tivemos isso durante a nossa geração. Tivemos vacinas e medicações em tempo recorde, o que abriu possibilidades e avanços significativos”.
Acesse aqui os debates realizados no primeiro dia do III Fórum de Infectologia do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Demografia – O segundo dia do evento foi dividido em três painéis: demografia médica, autonomia médica e judicialização na infectologia e tuberculose e HIV.
O primeiro palestrante foi o vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) da Região Centro-Oeste, Etelvino de Souza Trindade, que falou sobre a “distribuição demográfica dos infectologistas no Brasil”. Após destacar a importância do uso de informações para o controle de pandemias, Trindade mostrou quem são e onde trabalham os infectologistas brasileiros.
“São majoritariamente mulheres, jovens, concentrados na região sudeste e em áreas metropolitanas”, resumiu. Na interação com outras especialidades, muitos infectologistas também exercem a clínica médica e a pediatria.
Em seguida, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Milton de Arruda Martins, falou sobre a “Distribuição demográfica dos médicos no Brasil”. “Temos uma média de 2,31 médicos por mil habitantes, que é uma média semelhante aos países da América, mas em 2030 esta média será de 3,76, que é uma média próxima dos países europeus”, explicou.
Arruda mostrou que o número de escolas médicas cresceu muito nos últimos anos. Em 2013 existiam 206 cursos, com 111.198 alunos de medicina. Em 2020 já eram 349 cursos, com 204.279 alunos. “Precisamos estabelecer uma política pública que fixem esses médicos em todas as regiões do país”, defendeu.
Judicialização – A secretária-geral do CFM, Dilza Terezinha Ribeiro, foi a primeira palestrante no painel “Autonomia Médica e Judicialização na Infectologia – problemas e soluções possíveis”. Em sua fala, ela explicou que a autonomia médica “é um poder-dever de agir”, sempre buscando o bem do paciente. Afirmou, também, que o limite da autonomia “está no direito de o paciente decidir livremente sobre o tratamento”.
A conceituação jurídica da autonomia foi apresentada pelo professor e juiz no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Wendell Lopes Barbosa de Souza. Após discorrer sobre as responsabilidades criminais e civis e sobre processos emblemáticos sobre erros médicos, o juiz alertou que a quantidade de processos tem levado os médicos a agirem de forma preventiva. “Há uma tendência de uma postura mais defensiva”, concluiu.
Já a advogada e membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB-SP, Stella Cerny, falou sobre a judicialização na medicina, principalmente para a obtenção de medicamentos pelo SUS. “É preciso avaliar o custo benefício do tratamento, se o medicamento tem registro na Anvisa e apresentar uma justificativa robusta, caso esteja fora da lista do SUS”, argumentou.
O sigilo na área médica e seus desafios foi o tema da palestra do advogado Osvaldo Pires Garcia Simonelli, que é mestre em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de Medicina. Ele argumentou que a intimidade do paciente é inviolável. “O médico não é delator do seu paciente. Não pode denunciar, por exemplo, a mulher que fez aborto”, defendeu.
No entanto, segundo ele, o sigilo pode ser quebrado em algumas hipóteses excepcionais, como um motivo justo, por dever legal, no caso de doenças de notificação obrigatória, ou por consentimento escrito do paciente. “Mas não pode haver divulgação de qualquer informação que possa identificar qualquer patologia do paciente”, ressaltou.
Tuberculose – O último painel debateu sobre doenças infecciosas. A coordenadora do Programa Nacional de Tuberculose do Ministério da Saúde, Fernanda Dockhorn Costa Johansen, falou sobre as políticas públicas de controle da tuberculose. Apesar de ser uma doença com um tratamento reconhecido há décadas, a tuberculose ainda é um grave problema de saúde públicas. Um dos motivos é que o tratamento é longo, o que leva ao abandono. “Infelizmente, essa é uma doença negligenciada pela indústria farmacêutica”, lamentou.
A pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz Sandra Wagner Cardoso falou sobre os novos desafios do HIV, como o uso da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV). Após fazer um mapa epidemiológico da doença, ela afirmou que o PrEp não é para todos os grupos sociais, mas defendeu que o PrEp deve ser oferecido para pessoas com alto risco de infecção.
Segundo a pesquisadora, os dados mostram que o uso de alguns medicamentos profiláticos, como o cabotregavir tem se mostrado promissor. “É um caminho longo a ser percorrido para que a evidência científica seja implementada como política de saúde, mas devemos sempre trabalhar para oferecer o melhor ao indivíduo”, afirmou.
O III Fórum de Infectologia do CFM foi transmitido ao vivo pelo canal do Conselho no YouTube.
Assista aqui a íntegra dos debates realizados no III Fórum de Infectologia do Conselho Federal de Medicina (CFM).