Uma combinação de fatores leva os brasileiros a se arriscarem em consultórios com assistência precária, onde o atendimento em atos que, pela Lei 12.842/13, são exclusivos da medicina acabam sendo oferecidos por outros profissionais não médicos. No pacote, estão a disseminação de informações questionáveis nas redes sociais, o avanço da tecnologia nos tratamentos, a desinformação sobre os limites das competências entre as categorias e o baixo conhecimento sobre aqueles que oferecem os serviços e os preços oferecidos por eles, quase sempre abaixo dos valores praticados por médicos.

As impressões foram deixadas pelos relatos apresentados no I Fórum do Ato Médico, organizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), nesta sexta-feira (22), por pacientes que sofreram lesões em decorrência de procedimentos estéticos realizados por profissionais sem formação em medicina, uma delegada da Polícia Civil de Goiás que investiga os crimes cometidos por essas pessoas e por representantes de sociedades médicas de especialidades.

Dossiê – A secretária geral da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Francisca Carneiro, apresentou um dossiê que traça o atual panorama sobre a invasão de competência do médico, em desrespeito à Lei do Ato Médico, e suas consequências. Ela trouxe as principais intervenções estéticas feitas no Brasil por profissionais não médicos que causam até morte de pacientes e ressaltou que quem paga a conta pelas complicações “evitáveis” é o Sistema Único de Saúde (SUS). “Os tratamentos estéticos particulares vão parar na rede pública. Quem paga essa conta somos todos nós”, observou.

Entre os principais procedimentos oferecidos no mercado estão a aplicação de PMMA no rosto e de ácido hialurônico em rinomodelação, lipo enzimática (ajuda a eliminar a gordura localizada de várias partes dos corpos), peeling de fenol (usado contra rugas e flacidez) e luz intensa pulsada em melanoma. Todos são realizados basicamente por dentistas, biomédicos, farmacêuticos, fisioterapeutas e enfermeiros, entre outros, os quais não possuem outorga legal para a realização de procedimentos invasivos, como pontuou Francisca Carneiro.

Muitos dos procedimentos são seguros e têm evidência científica, como o ultrassom microfocado (usado em áreas de flacidez). Porém, alertou a especialista, o atendimento não depende só de técnica. Segundo ela, são fundamentais exames e uma anamnese para identificar as necessidades e as possibilidades de êxito. “É preciso saber detalhes de quem é o paciente. É preciso identificar características que os profissionais não médicos não conseguem fazer por não terem capacidade”, destacou.

Resoluções – Na avaliação de Francisca Carneiro, um dos principais problemas para combater a invasão de competência dos médicos e o crime de exercício ilegal da medicina é a publicação de resoluções por parte dos conselhos de classe. Segundo ela, por conta dessas resoluções, cada vez mais não médicos estão atuando em procedimentos dermatológicos. Além disso, essas normas, que não são superiores às determinações legais, confundem a população, a imprensa e até o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle.

De acordo com ela, há uma luta diária contra as resoluções, que contrariam a Lei do Ato Médico. “Como não há hierarquia entre os conselhos, a batalha é prejudicada. O CFM não pode mandar no Conselho Federal de Odontologia (CFO), por exemplo. Então, na divergência, quem opina é o Poder Judiciário. E muitas vezes as decisões, mesmo favoráveis, derrubando uma resolução, não alcançam a criação das novas, publicadas na sequência”, explicou.

Perda do lábio – As explicações da representante da SBD ganharam corpo e voz no depoimento dado por Samara Kellen, secretária executiva, de 29 anos, que é uma das milhares de vítimas de procedimento invasivos realizados por não médicos, contrariando os pressupostos da Lei 12.842/13. Atraída por postagens nas redes sociais com fotos do tipo “antes e depois”, ela contratou os serviços para fazer uma rinomodelação, em Brasília, sem saber, até então, que a operação seria feita por dentistas. Ela acreditava que, por ser tão divulgado, o procedimento seria simples e os profissionais eram médicos. Em nenhum momento, segundo ela, recebeu informações detalhadas, inclusive sobre os riscos envolvidos.

Samara contou que, no ato da aplicação do ácido hialurônico, sentiu forte dor e informou à profissional a sensação de que o produto estava escorrendo pelo lado esquerdo da face. Em resposta, foi orientada a “passar gelo” no local indicado. Trinta minutos depois, se deslocando para casa, ela já estava com a ponta do nariz roxa, quadro que se espalhou na sequência para outras áreas da face. Então, ela foi para um hospital e, na emergência, foi atendida por um clínico geral, que a mandou procurar um dermatologista rapidamente.

No entanto, contou a vítima, ao invés de seguir essa orientação, voltou a procurar a equipe que fez o tratamento inicial. Deles, ouviu que seria executada uma “reversão por alergia ao produto”, o que a livraria da ida ao dermatologista. “Perdi sete quilos em uma semana por não conseguir comer. Também não conseguia falar direito. E doía muito”, contou.

A situação se prolongou por mais de duas semanas, com equipe de não médicos dizendo à Samara que estava tudo bem. “Até que a dor, enfim, sumiu, mas eu não sabia que isso era um mau sinal. Com 20 dias, a parte escura caiu. E aí caiu meu chão. Fui pela primeira vez a um médico cirurgião plástico. Perdi 80% do lábio superior e tive de passar por oito cirurgias de reconstrução e outros procedimentos. Isso foi há quatro anos. Várias cirurgias de enxerto não deram certo porque a área estava acometida. Hoje é a primeira vez que falo sobre isso”, relatou, aos prantos.

Crimes leves – A emoção de Samara pontuou também a exposição de Débora Daniele Rodrigues e Melo, da delegada de Repressão a Crimes contra o Consumidor da Polícia Civil de Goiás. Responsável por ações que levaram à detenção de não médicos acusando de lesionar dezenas de pacientes, ela afirmou que a legislação no Brasil ainda é muito incipiente em relação a esse tipo de crime, especialmente diante do avanço da tecnologia dos procedimentos estéticos.

“Não basta apenas enquadrar essas pessoas no crime de exercício ilegal da medicina, pois basta o denunciado assinar um termo circunstanciado de ocorrência para ser liberado. Como se diz no popular, não dá em nada. É um crime de menor potencial ofensivo. É preciso agravar junto com o crime previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que é o de executar serviço de alto grau de periculosidade. Assim, podemos abrir um inquérito policial, que nos permite no Judiciário termos mandados de prisão e de busca e apreensão”, explicou.

Segundo ela, o cerco aos abusos pode ainda incluir outros recursos com base nos códigos Penal e de Proteção e Defesa do Consumidor, como os que que se referem aos crimes de lesão grave e gravíssima e de regulação de consumo, uma vez que o consumidor é induzido a erro mediante propaganda falsa e enganoso. “As pessoas sempre acreditam que estão sendo tratadas por médicos. E não são. Creio que é preciso fazer uma ampla campanha nacional de esclarecimento à população sobre o que só um médico pode fazer e outros profissionais, não, abordando os riscos. Além disso, creio que o ideal seria criar delegacias específicas de saúde, porque atualmente se exige muito conhecimento e qualificação para combater tais práticas”, concluiu.

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