O Conselho Federal de Medicina (CFM) realizou, nesta sexta-feira (28), o seu I Fórum de Endocrinologia e Metabologia. As discussões reuniram especialistas de referência para analisar aspectos como o cuidado clínico, os desafios do sistema de saúde, as lacunas na formação médica e a incorporação de tecnologias no tratamento do diabetes.

Coordenado pela endocrinologista Narriane Chaves Pereira de Holanda, membro da Câmara Técnica de Endocrinologia e Metabologia do CFM, o painel “Ato médico seguro e responsabilidades no cuidado ao diabetes” destacou a necessidade de fortalecer a especialidade e garantir que o cuidado seja conduzido por profissionais habilitados, com condutas éticas e baseadas em evidências. Narriane ressaltou que o fórum surge diante das dificuldades enfrentadas tanto por endocrinologistas, quanto por generalistas no cuidado ao paciente diabético. “Eu espero que as discussões gerem respostas e encaminhamentos concretos, e que possamos ajudar na linha de cuidado do diabetes e das doenças metabólicas”, afirmou.
O presidente da SBEM, Neuton Dornelas Gomes, discutiu os limites e complementaridades entre o generalista e o endocrinologista, lembrando que o primeiro desempenha papel fundamental no diagnóstico, educação e suporte inicial. Já ao especialista cabe a condução de terapias mais complexas e o manejo de medicamentos. Neuton também alertou para os custos da judicialização e para a vulnerabilidade de pacientes sem acesso a fármacos modernos. “A obesidade atinge cerca de 1/3 da população brasileira e tem muito tempo de evolução. Tem que haver uma conscientização e o nosso papel é de subsidiar com conhecimento. A judicialização sai muito mais cara para o Estado do que a inserção de novas tecnologias no SUS”, defendeu.
O professor Wellington Santana da Silva Júnior (UFMA) abordou falhas no rastreamento, o estigma do diagnóstico e o impacto das complicações, ressaltando que o diabetes segue como uma das principais causas de cegueira, amputações e doença renal crônica. Para ele, a educação médica precisa incorporar atualizações recentes nos critérios de rastreio e ampliar o entendimento sobre a doença. “A gente tem muito o que evoluir, inclusive na educação médica, porque os próprios critérios para o rastreio do diabetes foram atualizados recentemente pela Sociedade Brasileira de Diabetes. Temos que educar a população e os profissionais para reduzir o estigma do diabetes”, destacou.
O ex-presidente da SBEM, Paulo Augusto Carvalho Miranda, destacou a obesidade como fator-chave no desenvolvimento do diabetes tipo 2 e criticou falhas estruturais na formação médica e no atendimento básico. Ele também explicou o percurso regulatório de medicamentos — da Anvisa à Conitec e à ANS — e a distância entre aprovação sanitária e incorporação efetiva, o que limita o acesso de grande parte da população. “Se o medicamento está aprovado, mas não está disponível na Conitec e nem na ANS, o paciente só tem acesso mediante pagamento pessoal. E a gente sabe que alguns medicamentos são muito caros para esse desembolso e não vão ser utilizados por todas as pessoas”, explicou.
Impacto epidemiológico, social e econômico do diabetes Mellitus – Na sequência da programação, a Mesa coordenada por Ana Caroline Fonseca Bezerra e secretariada por Flávio Adsuara Cadegiani, ambos membros da Câmara Técnica de Endocrinologia e Metabologia do CFM, reforçou que o diabetes é um dos maiores desafios de saúde pública do país, com forte repercussão na evolução de doenças crônicas, nos custos assistenciais e no comprometimento da qualidade de vida. Durante as apresentações, os participantes ressaltaram a importância de equipes multiprofissionais, do controle glicêmico rigoroso e da inserção de tecnologias custo-efetivas no SUS como elementos essenciais para frear o avanço da doença.

Na palestra “O Impacto do Diabetes no Brasil: O que Podemos Avançar em Políticas Públicas?”, a endocrinologista Karla Fabiana Cabral Fagundes destacou que tanto o diabetes tipo 1 quanto o tipo 2 ainda enfrentam grandes desafios no país, especialmente no que se refere ao uso adequado de insulina. Segundo ela, muitos pacientes tratam-se com múltiplas doses diárias sem orientação especializada — realidade que contribui para altas taxas de hipoglicemia, baixa adesão e complicações crônicas que afetam inclusive adolescentes. Karla ressaltou que a judicialização e o elevado custo das complicações, como hemodiálise e lesões microvasculares, mostram a urgência de capacitar profissionais em insulinoterapia, organizar equipes multiprofissionais e adotar um cuidado centrado na pessoa, com identificação rigorosa de risco cardiovascular. “Para mudar o cenário, precisamos capacitar os profissionais em insulinoterapia, mas precisamos também chegar nesses pacientes e seus familiares para instruílos”, afirmou.

Em seguida, apresentando a palestra “Incorporação de Tecnologias em Diabetes: Entraves e Caminhos Possíveis”, Milena Gurgel Teles Bezerra, coordenadora em Endocrinologia e Diabetes do Emílio Ribas Medicina Diagnóstica, destacou a rápida evolução das ferramentas de cuidado — de aplicativos de contagem de carboidratos a canetas inteligentes e sistemas de monitorização contínua de glicose (CGM). Explicou que o CGM, ao fornecer leituras em tempo real, melhora o controle glicêmico, reduz hipoglicemias e aumenta a segurança e a qualidade de vida de usuários de insulina, gestantes e crianças com diabetes tipo 1. Ela apontou que a adoção dessas tecnologias exige capacitação de pacientes e profissionais, mas ainda enfrenta barreiras como custos elevados, desigualdade regional e desconhecimento técnico. Como caminhos, defendeu estudos de custo-efetividade, diálogo com o poder público e estratégias de acesso que permitam incorporar soluções comprovadas ao SUS. “Não é mais aceitável a inércia, estamos caminhando para a medicina profunda”, concluiu.