O Conselho Federal de Medicina (CFM) se reuniu com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na tarde desta terça-feira (21) para solicitar oficialmente a proibição do polimetilmetacrilato (PMMA) no Brasil como substância preenchedora. Na avaliação da Autarquia, o produto, que vem causando lesões e até morte de pacientes em procedimentos invasivos, deve ser proibido. O requerimento do CFM, que tem 35 páginas e traz extensa fundamentação técnica e científica, foi entregue pelo presidente do CFM, José Hiran Gallo, e ao diretor-presidente substituto da agência, Rômison Rodrigues Mota. Para o CFM, o país vive um grave problema de saúde pública com o uso indiscriminado do PMMA para fins estéticos, inclusive por não médicos.
O documento (que pode ser lido AQUI) é focado na apresentação do PMMA como substância injetável para preenchimento, sem análise de suas aplicações como cimento ósseo, lente intraocular ou outros usos em medicina e odontologia. O texto ressalta que a decisão foi tomada após diversas tentativas de alerta e regulamentação feitas por sociedades médicas de especialidade, como da Sociedade Brasileira de Dermatologia e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, pelo CFM e pela Anvisa ao longo de mais de 18 anos.
“As tentativas têm se mostrado infrutíferas, sendo incapazes de restringir o uso de produtos à base de PMMA a pequenas quantidades e com fins reparadores. O uso em grandes volumes e com fins estéticos vem aumentando vertiginosamente, inclusive por profissionais não médicos, causando imenso dano à população”, observa o documento.
Os conselheiros do CFM constataram que uma série de normas do uso do PMMA são infringidas: o registro na Anvisa só permite que médicos realizem procedimentos com a substância – o que não acontece – e a bula do produto não traz indicação para aplicação de grandes quantidades e no glúteo, por exemplo, como também tem acontecido com frequência. Em 2013, um parecer do CFM já recomendava que a substância fosse utilizada apenas por médicos, em pequenas doses e com restrições, “pois em grandes volumes seu uso é inseguro e imprevisível, podendo causar reações incuráveis e definitivas”.
Complicações – “O uso do PMMA pode causar edemas locais, processos inflamatórios, telangiectasias, cicatrizes hipertróficas, reações alérgicas e formação de granuloma. Estas reações podem ser imediatas, mediatas ou tardias”, listou o documento do CFM à época. Para o CFM, existem alternativas mais seguras, como a aplicação de ácido hialurônico, disponível em diversas apresentações e que promove aumento de volume com menor risco de reações adversas tardias.
“A medicina evolui e produtos mais seguros vêm para substituir produtos antigos. Ao longo do tempo, ficou demonstrado que os riscos suplantam seus benefícios. As complicações do PMMA são tardias, relacionadas a características do produto, e ocorrem mesmo quando aplicados por médicos especialistas”, afirma o presidente do CFM. O requerimento que será entregue à Anvisa ressalta que “é perceptível, pela análise das publicações científicas, que o Brasil é um dos únicos, senão o único país, onde o PMMA ainda é usado com finalidade estética, especialmente em grandes volumes para preenchimento da região glútea”.
No entendimento do CFM, o tratamento da reação inflamatória do produto é extremamente complexo, pois ele fica entremeado aos tecidos saudáveis, tornando sua remoção cirúrgica um procedimento complicado e com sequelas irreversíveis. “Seu uso em grandes volumes ainda está relacionado ao desenvolvimento de hipercalcemia e lesões renais, podendo evoluir para insuficiência renal em casos graves”, lembra o documento.
Apesar da incidência da formação de granulomas possa ser considerada baixa na literatura médica (1,9% conforme a revisão sistemática publicada em 2019), esse número é contrastante com os dados obtidos nos levantamentos conduzidos pela SBCP, evidenciando a existência de subdiagnóstico e subnotificação do problema.
HIV/Aids – No documento, o CFM reconhece a importância do tratamento da lipodistrofia relacionada ao HIV/Aids, condição que é parte fundamental para a inclusão e o bem-estar desses pacientes. Porém, o tratamento padrão-ouro utilizado em todo o mundo consiste no uso de substâncias de preenchimento mais modernas e com melhor perfil de segurança, tais como o ácido polilático, a hidroxiapatita de cálcio e a lipoenxertia autóloga.
“O uso do PMMA como preenchedor em paciente com HIV/Aids vem sendo abandonado em favor de produtos mais seguros e, atualmente, tem seu uso restrito a poucos centros de referência no Brasil, vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A manutenção da comercialização do PMMA como substância de preenchimento para atender somente esse grupo populacional não se justifica”, diz o requerimento.
Por fim, o CFM reforça seu compromisso com o exercício da boa medicina, colocando-se à disposição para auxiliar de todas as maneiras que lhe competem na condução do assunto, acreditando que esforços conjuntos contribuem para a proteção clara e efetiva da sociedade.