Em audiência pública promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados sobre uso de canabidiol nesta terça-feira (5), o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou preocupação com a produção artesanal de derivados da cannabis. O debate se deu em torno do Projeto de Lei nº 2259/2025, que trata do reconhecimento, regulamentação e apoio às associações civis sem fins lucrativos dedicadas à cannabis medicinal.
O vice-corregedor do CFM, Francisco Cardoso, afirmou que, por mais bem-intencionado que seja, esse tipo de produção enfrenta dificuldades objetivas para garantir o grau de pureza, rastreabilidade e controle de qualidade necessários para a distribuição segura de medicamentos. “Existe risco real de fornecimento de produtos contaminados com componentes químicos, físicos ou biológicos indesejáveis ou com níveis não controlados de tetrahidrocanabinol (THC), mesmo quando o objetivo é produzir canabidiol isolado”, ressaltou.
Na avaliação do conselheiro, permitir a produção artesanal de supostos medicamentos fora dos critérios rigorosos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da regulação médica estabelecida representa um prejuízo em relação aos avanços conquistados em décadas de desenvolvimento do sistema regulatório brasileiro. “Isso constitui uma possível ameaça potencial à saúde do cidadão, à sua dignidade como paciente, aos sistemas de farmacovigilância e ao próprio Sistema Único de Saúde (SUS), destacou.

Cardoso observou que, apesar de não haver evidências científicas robustas para a maioria das indicações atribuídas à cannabis, o uso compassivo é autorizado em circunstâncias excepcionais. “É permitido o uso de uma substância ainda em investigação científica, mas com potencial terapêutico demonstrado, quando todas as alternativas terapêuticas convencionais disponíveis já foram adequadamente testadas sem sucesso, e quando o médico assistente, com sólido respaldo técnico e científico, avalia que os possíveis benefícios superam claramente os riscos conhecidos para aquele caso específico e individual”, explicou.
Mas o integrante do CFM ponderou que esse uso compassivo deve ser necessariamente submetido a controle rigoroso, monitoramento constante por profissionais de saúde devidamente qualificados, supervisão contínua da vigilância sanitária e sistemas adequados de rastreabilidade. “Trata-se de algo completamente diferente de apoiar o cultivo doméstico, a manipulação artesanal e a produção caseira de substâncias com ação farmacológica complexa”, afirmou.
O vice-corregedor do CFM avalia que, embora bem-intencionado, o projeto de lei 2259/2025 representa um caminho arriscado, baseado na terceirização da produção de medicamentos para entidades sem a necessária capacidade técnica e científica, sob o pretexto humanitário de atender pessoas com deficiência e doenças crônicas.

“Reconhecemos plenamente que é legítimo e profundamente humano o desejo de famílias em buscar alívio para a dor de um filho com epilepsia refratária, de um pai com doença de Alzheimer, de uma mãe com doença de Parkinson. Essa busca é não apenas compreensível, mas moralmente admirável. Contudo, nossa responsabilidade como profissionais de saúde nos ensina que empatia, por mais sincera que seja, não pode substituir evidência científica sólida. Casos individuais emocionantes, embora importantes para sensibilizar e humanizar o debate, não devem por si só determinar a legislação de um país”, disse Cardoso.
Uso permitido – Durante o debate, o vice-corregedor do CFM reconheceu que existem evidências científicas consistentes e robustas para o uso de canabidiol em três formas específicas e raras de epilepsia infantil: a síndrome de Dravet, a síndrome de Lennox-Gastaut e a epilepsia associada à esclerose tuberosa. Para essas condições específicas, ele explicou, estudos clínicos randomizados e controlados demonstraram benefício moderado, mas significativo, com o uso de canabidiol isolado, sem THC.
“Estes são casos onde a ciência médica avançou o suficiente para sustentar o uso terapêutico com segurança”, destacou. O conselheiro federal sublinhou que a posição do CFM deriva exclusivamente do compromisso inabalável com a ciência médica, a ética médica, a segurança dos pacientes e a saúde pública. Ele sublinhou que, para outras condições frequentemente mencionadas como justificativa para o uso da cannabis medicinal, incluindo autismo, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, dor crônica, transtornos de ansiedade, entre outras, as evidências científicas disponíveis são insuficientes ou ausentes.
“Portanto requerem maior robustez para sustentar políticas públicas abrangentes. As pesquisas existentes, embora promissoras em alguns aspectos, baseiam-se frequentemente em relatos de caso, estudos observacionais ou ensaios clínicos com limitações metodológicas significativas. O nível de evidência para essas indicações situa-se ainda em graus GRADE C ou D, correspondendo a níveis de evidência 3 ou inferiores na classificação científica”, detalhou.
