O levantamento Radiografia das Escolas Médicas no Brasil mostra, além da falta de infraestrutura adequada nos locais onde estão instaladas, o aumento desenfreado no número de faculdades e de vagas nos últimos anos. O trabalho constatou que, desde 2010, foram criadas 210 novas escolas médicas em todo o território nacional (150 particulares e 60 públicas). Esse número é superior ao total de escolas inauguradas em mais de 200 anos.
Entre 1808 e 2010, foram 180 unidades. Hoje, existem 390 escolas médicas em atividade no Brasil, distribuídas em 250 municípios, as quais, juntas, oferecem cerca de 42 mil vagas por ano. O País já conta com cerca de 600 mil médicos em atividade, o que dá uma média por habitante superior ao verificado, por exemplo, no Japão, Estados Unidos, China, México, Colômbia e Coreia do Sul.
“As cidades têm que oferecer serviços de pronto atendimento, atenção psicossocial ou maternidades. Não é o que vemos. Isso causa prejuízos a todos, pois a formação de médicos é essencial para a excelência e a segurança na assistência à saúde”, destaca o conselheiro Julio Braga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM.
Ele alerta que não basta que as cidades tenham leitos suficientes; é preciso que os equipamentos não estejam ociosos. “Para efeito de aprendizagem do estudante de medicina, é necessário que haja paciente. Uma unidade de saúde que oferece 100 leitos e tenha taxa de ocupação baixa, por exemplo, não consegue oferecer o que os jovens precisam para aprender”, pontua.
O presidente do CFM, José Hiran Gallo, acrescenta que a disponibilidade dos leitos de internação ocupados e na proporção correta permitirá o desenvolvimento de habilidades semiológicas e semiotécnicas entre os alunos; a maior compreensão dos problemas de saúde com a inserção na Estratégia Saúde da Família; e o aprofundamento em áreas como clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria, saúde mental, ginecologia e obstetrícia, por conta da frequência em Unidades de Saúde-Escola que oferecem ambulatórios de especialidades.
Do conjunto de 390 escolas, 111 estão em municípios que não atendem aos três requisitos mínimos defendidos pelo CFM; 191 es[1]tão em localidades que não atendem pelo menos a dois dos itens apontados como fundamentais pelos médicos; e 197 não respondem a um dos critérios recomendados. Isso implica dizer que meta[1]de das escolas médicas brasileiras está em situação de desconformidade com o padrão defendido pelo CFM.
Privatização – Das 390 escolas médicas do País, 34% (134) são públicas e 66% (256), privadas. Há grande concentração nas regiões com maior desenvolvimento socioeconômico: 215 (55%) estão nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, onde já há grande quantitativo de médicos por habitantes. Além disso, 70% dos 256 cursos privados ficam nesses seis estados e mais Santa Catarina.
Abertura de escolas médicas públicas e privadas por ano. Fonte: CFM, Radiografia das Escolas Médicas no Brasil. Distribuição das escolas médicas por estado. Fonte: CFM, Radiografia das Escolas Médicas no Brasil.
O mesmo processo de privatização verificado na quantidade de escolas médicas ocorreu em relação ao número de vagas nos cursos de medicina. No período de 2003 a 2022, a taxa de crescimento médio de vagas públicas foi de 3,1% por ano. Em contraste, a taxa de crescimento de vagas privadas no mesmo período foi de 7,3% por ano, ou seja, mais que o dobro.
“Essa corrida de mercado tem nos deixado em alerta. O CFM defende a exigência de critérios de qualidade no processo de abertura de novas escolas e vagas. Outro ponto que merece reflexão é o argumento usado pelos gestores de que a abertura de cursos de graduação em medicina fixa os egressos nas localidades onde se formam. A experiência e os dados nos mostram que isso não acontece”, resume o conselheiro Donizetti Giamberardino, que supervisionou a elaboração da Demografia Médica CFM 2024, recentemente lançada.
Ele conclui afirmando que, geralmente, esses alunos migram para os grandes centros ou áreas mais desenvolvidas em busca de avanços na formação ou melhores oportunidades de emprego.