Marco Aurélio Smith Filgueiras1 e Milenne Raposo Miranda Smith2

 

Qualquer um pode zangar-se. É fácil! Porém zangar-se com a pessoa certa, na hora certa, pelo motivo certo, na medida certa, da maneira certa, não é fácil.
(Aristóteles em Ética à Nicômaco)

Qualquer um pode medicar ou medicar-se, é fácil! Porém medicar ou medicar-se com o medicamento certo, na hora certa, pelo motivo certo, na medida certa, da maneira certa, não é fácil.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais da metade de todos os medicamentos é prescrita ou dispensada de forma inadequada, e também metade dos pacientes não usam esses produtos corretamente . Por conta disso, em 1985, na conferência de Nairóbi, a OMS propôs o conceito de uso racional de medicamentos (URM) : quando os pacientes recebem os medicamentos apropriados à sua condição clínica, em doses adequadas capazes de gerar efeitos farmacológicos eficazes, boa tolerabilidade e segurança com mínimos efeitos tóxicos, em horários compatíveis por um período de tempo suficiente e ao menor custo possível. O URM tem, portanto, como objetivos maximizar a atividade terapêutica, minimizar os riscos para o paciente e evitar custos desnecessários.

Segundo Le Grand, Horgezeil e Haaijer-Ruskamp , o uso irracional de medicamentos é um importante problema de saúde pública em todo o mundo, com grandes consequências econômicas. Ainda segundo os autores, estima-se que a prescrição incorreta possa acarretar gastos de 50 a 70% mais altos dos recursos governamentais destinados aos fármacos. Entretanto, quando utilizados apropriadamente, os produtos farmacêuticos são os recursos terapêuticos mais frequentemente custo-efetivos.

Na verdade, os autores, além de reforçar a proposição da OMS, declararam que o médico, como um dos integrantes do sistema de saúde pública em todo o mundo na qualidade de “prescritor maior”, poderia, em um ato de prescrição irracional de medicamentos, provocar problemas de saúde para seu paciente, acarretando assim gastos mais altos dos recursos governamentais com graves consequências econômicas.
O URM envolve três atores de forma fundamental: o prescritor, que é o médico; o paciente (individual ou coletivo); e o dispensador. Esses protagonistas interagem de forma dinâmica. O prescritor tem papel determinante na conduta do paciente, assim como o paciente, com suas expectativas, hábitos culturais entre outros, e o dispensador, pois muitas interferências positivas ou negativas estão ligadas à forma como a dispensação acontece .

Mais de 50% de todos os países não implementam politicas básicas para promover URM. A situação é pior em países em desenvolvimento, com menos de 40% dos pacientes no setor público e menos de 30% no privado sendo tratado com diretrizes clínicas. No Brasil, o uso incorreto de medicamentos deve-se comumente aos seguintes fatores: polifarmácia; uso indiscriminado de fármacos (analgésicos, anti-inflamatórios, antidepressivos, hipnóticos, ansiolíticos, hipotensores, diuréticos, hipolipemiantes, hipoglicemiantes, entre outros), prescrição não orientada por diretrizes, automedicação inapropriada e desmedido armamentário terapêutico disponibilizado comercialmente.

No Brasil, o ensino sobre URM, também conhecido como Farmacoterapia Racional, começou a ser propagado nas escolas de Medicina e demais cursos da área de saúde a partir dos anos 2000. No total, até 2006, 458 profissionais da saúde e 309 estudantes universitários de 21 estados brasileiros participaram de cursos . Essa experiência é necessária no Brasil, onde não há Farmacoterapia como disciplina médica. A Farmacologia é ministrada no início dos cursos da área de saúde, como disciplina básica, sem inter-relação com a atividade profissional. A intenção, a partir de treinamento para docentes, é disseminar os princípios da prescrição racional de medicamentos entre estudantes das áreas de saúde – futuros prescritores e dispensadores –, intentando melhorar o nível da atenção à saúde nos países em desenvolvimento.

A discussão sobre o ensino para o URM é uma estratégia mundial que, no Brasil, tem apoio da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), do Ministério da Saúde (MS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em parceria com as principais universidades e centros de ensino e pesquisa do País. Por isso, o ensino para o URM ganhou espaço e respeito em muitas universidades, entre docentes, discentes e profissionais da área de saúde. De acordo com o modelo normativo proposto pela OMS para o ensino da Farmacoterapia Racional, em um primeiro momento os estudantes são levados ou conduzidos a selecionar tratamentos padronizados para as doenças comuns, resultando em um conjunto de medicamentos de primeira escolha, chamados de medicamentos-I (individuais). No curso de desenvolvimento de seus medicamentos-I os estudantes são ensinados a consultar protocolos de tratamento nacionais e internacionais, formulários, livros-texto e outras fontes de informação. Em seguida, são orientados a aplicar o conjunto de medicamentos-I a problemas específicos de pacientes, usando um esquema de resolução composto por seis passos: (1) definir o problema do paciente; (2) especificar o objetivo terapêutico; (3) verificar as conveniências de seus medicamentos-I e escolher o tratamento para esse paciente individual; (4) fazer a prescrição; (5) informar e instruir o paciente; (6) monitorar e/ou interromper o tratamento .

O professor Moacyr Luiz Aizenstein, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, sugere medidas para instauração dos princípios do URM, a saber :

1)    Elaboração de protocolos em ambientes hospitalares, com diagnóstico clínico e tratamento farmacoterapêutico adequado, baseado em evidências, treinamento da equipe e, se necessário, revisões periódicas;

2)    Elaboração, pelo comitê de Farmácia e Terapêutica, de lista de medicamentos padrão em Unidades Básicas de Saúde, hospitais e asilos, entre outros, após avaliação do arsenal terapêutico existente, sujeita a revisões periódicas;

3)    Formação e treinamento da equipe de saúde em Farmacoterapia e URM;

4)    Inserção de disciplina sobre URM nas escolas da área de saúde;

5)    Educação continuada para profissionais;

6)    Introdução de residência hospitalar multiprofissional para integração entre os diversos profissionais da área de saúde;

7)    Treinamento de farmacêuticos que atuam em drogarias e farmácias;

8)    Instauração de medidas educativas para a população, evitando assim a automedicação;

9)    Instauração de medidas regulatórias em registro, propaganda, distribuição e consumo.

Os participantes da capacitação sobre URM ou Farmacoterapia Racional acreditam que essa abordagem deveria ser incorporada às atividades de Farmacologia de todos os cursos de Medicina, pois se trata de uma perspectiva de ensino diferenciada que estimula o aluno a aprender e buscar informações e a tomar decisões próprias, a partir do seu raciocínio clínico. Por meio dela, é possível que os alunos tenham uma visão mais abrangente do que é verdadeiramente uma prescrição médica, da racionalidade envolvida, bem como dos seus riscos e benefícios.

 

1. Neurologista. Mestre em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Vice- corregedor do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba.

 

Professor Adjunto Nível IV da disciplina de Neurologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro da Academia Brasileira de Neurologia – Revisor do periódico Arquivos de Neuro-Psiquiatria.

 

2. Faculdade de Medicina Nova Esperança, João Pessoa, PB, Brasil.

 


1 QUELUZ, T. H. A. T.; LEITE, S. N. Uso racional de medicamentos: conceito e alguns elementos para discussão. In: CORDEIRO, B. C.; LEITE, S. N. (Org.). O farmacêutico na atenção à saúde. Itajái: UNIVALI, 2008. p. 25-40.

2.  BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Uso racional de medicamentos: temas selecionados. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

3. LE GRAND, A.; HOGERZEIL, H. V.; HAAIJER-RUSKAMP, F. M. Intervention in rational use of drugs: a review. Health Policy and Planning, Oxford, v. 14, n. 2, p. 89-102, 1999.

4. MARIN, N. et al. (Org.). Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: OPAS/OMS, 2003. [373]p., ilus.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. op. cit.

6 FRANCESCHET-DE-SOUSA, I. et al. Uso Racional de Medicamentos: Relato de Experiência no Ensino Médico da Unesc, Criciúma/SC. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 34, n. 3, p. 438-445, 2010.

7.FRANCESCHET-DE-SOUSA, I. et al, op. cit. loc. cit.

8 AIZENSTEIN, M. L. Fundamentos do Uso Racional de Medicamentos. São Paulo: Artes Médicas, 2010.

 
 
 
    

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