Escrito por João Carlos Simões*
(…) quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém.
Paulo Freire – Pedagogia da Autonomia
As diretrizes curriculares nacionais para o curso de Medicina dizem no seu preâmbulo que a formação do egresso deve ser crítica e reflexiva.
A palavra reflexão vem do latim reflectere, que quer dizer “voltar atrás”; ou seja, refletir significa rever, retomar, repensar, reexaminar de maneira crítica o que já foi feito.
As reformas curriculares pelas quais ainda estão passando as escolas médicas motivam a comunidade acadêmica a reflexões diversas sobre: metodologias de ensino, cenários de ensino e aprendizagem, conteúdos abordados, humanização da relação médico-paciente, modelos de avaliação, perfil do médico a ser formado e tantos outros aspectos relacionados à formação médica.
Todavia o que se observa na grande maioria dos cursos de Medicina pelo País são ainda passos muito tímidos em relação à educação médica e ao cumprimento das diretrizes curriculares que já tem mais de 11 anos.
A transformação político-pedagógica até então inserida é pouco relevante e muito pouco apropriada para este início de século XXI, época que o estudante tem um acesso e domínio da informação de um modo diferenciado – e não mais restrito às salas de aulas e bibliotecas.
É óbvio que ainda, a transmissão de conteúdo presencial tem uma força importante para o discente. Principalmente se este conteúdo é preparado de forma moderna e trazendo principalmente, a experiência daquele profissional sobre o assunto. Se ele for só copiar e projetar o que já está escrito – tem pouco valor – acrescentará muito pouco.
Outro aspecto fundamental é a inserção do estudante no treinamento em serviço sob a supervisão de um docente capacitado. Ainda se vê aulinhas incansáveis para os estudantes do internato – quando deveríamos prepará-los para cumprir as competências necessárias para a formação do egresso que estão relacionadas nas diretrizes curriculares
O que se precisa, intensamente, é a motivação, representação e a participação discente cada vez mais ativa nos colegiados dos cursos de medicina que sempre foi marcado por uma postura propositiva e incentivo de debates acadêmicos.
Os estudantes sempre procuraram a esquiva de discursos e posturas cuja crítica se encerrasse em si mesma. As críticas, na maioria das vezes, devem ser acompanhadas de propostas afirmativas para a melhoria da qualidade do ensino que os estudantes recebem.
Outro aspecto relevante é em relação à observação sobre a falta de preparo do docente de Medicina para o magistério considerando que nas escolas médicas não existe preparo específico no terreno pedagógico. A competência na área técnica de atuação médica é o critério fundamental para a escolha dos profissionais que irão passar de médico a professor, prevalecendo uma concepção de ensino tradicional, baseada na transmissão do conhecimento e na experiência do professor, com supervalorização dos conteúdos disciplinares e reprodução desses conteúdos pelos alunos.
É, pois, mister, instituir um modelo pedagógico que não tem nada de novo para a educação médica, visando a:
a) Priorizar o processo ensino-aprendizagem no estudante, destacando seu papel ativo neste processo;
b) Promover uma capacitação docente voltada para a competência técnico-científica e didático-pedagógica, e com compromisso com o sistema de saúde público;
c) Maior ênfase na saúde do que na doença;
d) Treinamento em serviço dos estudantes dentro dos diversos sistemas de saúde em graus crescentes de complexidade;
e) Implementação no curso de uma metodologia conhecida como teste de progresso, que prevê, entre outros pontos, a realização de exames no fim do segundo, do quarto e do sexto período, sempre com a preocupação de avaliar, simultaneamente, estudantes, corpo docente, conteúdo pedagógico e até as instalações das instituições de ensino;
f) Discussão crítica da dinâmica do mercado de trabalho por meio da reflexão dos aspectos econômicos e humanos da prestação de serviços de saúde e de suas implicações éticas.
Assim, esperamos que este chamamento à reflexão crítica sirva de entusiasmo a todos os estudantes – que somos – graduados ou não, para uma discussão e implementação de modificações necessárias da educação médica em todos os cursos de medicina do País.
* É mestre e doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, professor titular de Oncologia do curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná e editor da Revista do Médico Residente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná (CRM–PR).
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