Escrito por Márcio Jansen Figueiredo*
Tenho acompanhado o debate em torno do projeto em tramitação na Câmara Municipal de Campinas, interior de São Paulo, sobre a obrigatoriedade de restaurantes da cidade oferecerem pratos com restrição de sal. Nem me passou pela cabeça opinar sobre o complexo assunto da formulação das leis na nossa sociedade, sobre onde cabe ao legislador atuar ou não. Quem sou eu para tanto?
Mas gostaria de oferecer minha pequena contribuição para o tema. Como cardiologista, acho que posso, ao menos, orientar os muitos que estão se manifestando, colunistas ou leitores, sobre um detalhe que vem incomodando: como os donos de restaurante saberão quantos são os portadores de hipertensão que freqüentam suas casas e consomem seus pratos?
Pois bem, aqui vai minha contribuição: saibam os senhores que cerca de 30% dos clientes que entram pela porta do estabelecimento têm a pressão alta. Sim, senhores: um em cada 3 que passam pelos pratos quentes ou saladas tem hipertensão.
Esses dados foram obtidos em estudos epidemiológicos realizados no mundo todo. E não é coisa de países ricos: dados do Brasil mostram quantidade semelhante de afetados.
A hipertensão arterial, ou pressão alta, é uma doença cosmopolita e sem preconceitos: afeta pessoas de todos os credos e raças. Tem, sim, algumas preferências, como os adultos e idosos. Mas está aí, no meio de nós, silenciosamente (sim, porque na maioria das vezes não provoca sintoma algum) bombardeando nossos cérebros, rins e corações, causando derrames, infartos e insuficiência renal. E qual a conseqüência?
A principal causa de morte no Brasil são as doenças vasculares, diretamente ligadas à hipertensão. E a insuficiência renal? Haja diálise, e depois temos que correr para credenciar mais centros para transplante, sem falar na falta de doadores… Melhor seria evitar.
Da doença, embora nossa velha conhecida, sabe-se pouco, Em 95% dos casos não há uma causa determinada, só alguns fatores chamados “de risco” que, somados, vão levando, em geral lentamente e de maneira contínua, para a elevação da pressão. E o consumo de sal é (há muitos anos) sabidamente um desses fatores. Tanto que a restrição do consumo de sal, juntamente com outras orientações gerais, é a primeira orientação dos a seus pacientes, antes mesmo dos remédios. Isso está escrito nos livros e nas diretrizes que norteiam o tratamento da doença.
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo está atenta a essa questão. Procura, por meio de ações em conjunto com outras Sociedades médicas, difundir o conhecimento a respeito da doença. E está trabalhando para promover uma campanha para a sua detecção e tratamento. Detecção? Sim, porque das pessoas que têm a doença, só um terço sabe! E, desses, só a metade está com os níveis de pressão controlados. Medicina preventiva é isso: ações para promover a saúde, e evitar gastos com o tratamento de complicações.
O Legislativo tem sido criticado por debater temas com menor importância. O tema da Hipertensão Arterial é, ao contrário, urgente. Pode ser que a forma sugerida pelo Vereador não seja a melhor. Mas sabemos que a implementação de algumas atitudes que trazem benefícios à saúde nem sempre é bem recebida. Os desfibriladores, por exemplo, que salvam vidas, tiveram que ser impostos por uma lei proposta pela Câmara.
Então, podemos combinar assim: pode ser que a lei seja difícil de ser aplicada como está, que tenha que ser melhorada. Mas nós não podemos fugir do debate e devemos procurar soluções para combater as doenças que ceifam milhares de vidas todos os anos na nossa cidade.
* É médico cardiologista pela Unicamp e diretor de Regionais da Socesp.
* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM). * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60. |