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Escrito por José García Férez*

Nos últimos anos, houve considerável revolução no estudo da doença de Alzheimer (DA) graças aos avanços e à pesquisa no campo da genética humana. A aplicação de modernas técnicas de genética molecular resultou na identificação de possíveis genes causadores da DA, mas também permitiu que se estabelecessem certas hipóteses sobre as causas e a evolução da patologia.

O aconselhamento e o assessoramento genético têm grande importância para o diagnóstico precoce de algumas doenças e prognóstico futuro de determinadas afecções. Assim, as modernas técnicas de engenharia genética utilizadas para investigar algumas doenças constituem uma previsível e factível possibilidade de tratamento para doenças como a DA. É graças a elas que foram encontrados alguns cromossomos relacionados à DA (o 11, o 14, o 12, o 19 e o 21). Por outro lado, a técnica dos implantes, das transferências e das modificações genéticas trazem problemas técnicos e éticos de peso considerável.

Ultimamente, os estudos genéticos sobre a DA têm aumentado basicamente em função de dois fatores: a) à inquietação pública devido ao possível componente hereditário da DA; b) ao avanço de modernas técnicas de genética molecular capazes de identificar genes alterados. De fato, os avanços científicos mais promissores da DA estão acontecendo no âmbito da biogenética. Daí vem a grande necessidade de refletir sobre o que a ciência está trazendo para o conhecimento, prevenção e tratamento precoce da DA, bem como sobre os problemas éticos que podem advir das ditas práticas.

Genética e DA

Há quase duas décadas os cientistas concluíram que existem dois tipos de DA: a genética e a esporádica. O controle genético é de suma importância na DA genética em vista de seu caráter hereditário. Assim, sabe-se, por exemplo, que o risco de desenvolver a DA aumenta quando um teste genético detecta a presença do gene Apo E-4 (tipo de proteína encontrada nos alelos de alguns cromossomos) – um aumento de até 47% naqueles que têm uma mutação no dito gene ou até mesmo de 91% nos casos em que o mesmo gene apresente duas mutações. Somente aquelas pessoas cujo histórico familiar apresenta algum caso de DA e nas quais se detectam genes como os APP, PS1 E PS2 demonstram certa predisposição, mas, segundo alguns autores norte-americanos, o risco estimado não costuma superar 2% dos casos. Recentemente, foram descobertos três genes (APP: precursor da proteína amilóide; PS1: presenilina 1 e PS2:

presenilina 2) nos quais determinadas mutações são responsáveis pela doença de Alzheimer familiar. Descobriu-se ainda que um outro gene (APOE: apolipoproteína E) atua como fator de risco. As mutações genéticas dos mesmos constituem os principais fatores genéticos responsáveis pelo desenvolvimento degenerativo da demência tipo Alzheimer. Contudo, seria possível dizer que a DA é geneticamente heterogênea e que é um transtorno esporádico multifatorial.

Terapia gênica e DA

As doenças de nítida predisposição genética naturalmente são e têm sempre sido séria preocupação para a humanidade. Calcula-se, hoje, que existam aproximadamente 3.000 doenças de origem genética e que 2% dos recém-nascidos sejam atingidos por uma delas. O patrimônio genético do ser humano pode apresentar alterações ou anomalias enzimáticas que desencadeiem ou predisponham patologicamente a vida de um indivíduo – podendo provocar disfunções bioquímicas que causem deformações orgânicas durante o desenvolvimento vital, ou até mesmo a morte.

O conhecimento e a intervenção na biblioteca genética do homem permitirá reduzir o risco de contrair doenças – desde a DA até o câncer – e até mesmo preveni-las antes que apareçam. A terapia genética, portanto, objetiva curar doenças causadas total ou parcialmente pela herança genética e, inclusive, impedir que surjam no desenvolvimento evolutivo humano. Assim, não se limita a suprimir sintomas, mas age no sentido de anular as causas.

Tendo em vista que atualmente há muitas doenças de fundo genético, vale distinguir os três tipos de doenças que resultam de alterações na informação genética do indivíduo. De acordo com o modelo de herança é possível salientar três diferentes categorias de alterações: doenças de herança monogênica (aquelas que resultam da presença de um só e único gene mutado); doenças de herança poligênica ou multifatorial (aquelas em que vários genes herdados interagem com fatores ambientais, pré-natais ou pós-natais, produzindo uma deformação congênita); e as doenças de base cromossômica ou citogenéticas (aquelas em que se encontra alguma alteração numérica ou estrutural dos cromossomos e que podem trazer conseqüências pré ou pós-natais graves ao portador).

Contudo, a DA não é atribuída à alteração de um único gene, mas a vários genes defeituosos aliados a outras condições multifatoriais. Por isso, nem a medicina preditiva nem a terapia gênica parecem ser as únicas respostas médicas para combater a doença. No momento, não é fácil aventurar-se a dizer, com a contundência que gostaríamos, que a terapia gênica seja uma panacéia contra a DA – ela pode, no máximo, ajudar a preveni-la e tratá-la melhor. Além disso, a terapia gênica limita-se a doenças monogênicas recessivas (não autossômicas ou dominantes). Existem, portanto, falhas na DA: a primeira é que nem tudo se enquadra na predisposição genética; a segunda, é que a terapia gênica não é a única nem a melhor solução para combater a doença.

É lícito usar a terapia gênica na DA?

A terapia gênica, definida como a intervenção terapêutica no genótipo, poderia ser feita em células somáticas ou em células germinais (gametas). No primeiro caso se trataria de células que cumprem uma missão básica no organismo, mas a intervenção sobre as mesmas não resultaria em uma alteração transmissível do patrimônio genético. No caso da terapia gênica em células germinais surje o problema da herança, ou seja, a modificação do patrimônio genético se transmitiria aos descendentes – este último ponto implica numa enorme amplitude e complexidade e ocasiona o nosso questionamento básico sobre a doença: a terapia gênica germinal no caso da DA é lícita?

A priori, a resposta parece poder ser totalmente afirmativa, mas aqui, como em muitos outros temas bioéticos, é preciso deixar aberta a porta do “sim, mas…”. É necessário recorrer a uma série de pautas prévias para justificar a licitude clínica e ética deste tipo de intervenção. Assim, dentre os requisitos clínicos possíveis gostaríamos de fazer especial menção aos seguintes: Que o defeito genético acarrete um elevado risco patológico, como parece ser o caso da DA;

Que não existam outros métodos alternativos de tratamento que possam evitar o uso da terapia gênica – atualmente, não se conhece nenhum, nem mesmo a própria terapia gênica; Que o benefício desejado justifique o risco, isto é, que o fim procurado (curar ou paliar os sintomas da doença) seja igual ou maior que os danos que possam surgir a curto ou longo prazo. Além destes critérios, consideramos que caso seja possível usar a terapia gênica na DA precisamos tratar de uma série de problemas éticos que não devem ser relegados ao esquecimento. Entre outros: a confidencialidade dos dados, a decisão de ficar ou não a par desses dados, o consentimento informado sobre algumas decisões a partir dos referidos dados, o assessoramento psicológico sobre os resultados dos ditos testes genéticos, etc. Contudo, também pode-se discutir o fato de que se é possível justificar a terapia gênica curativa o que impede de se justificar a intervenção preventiva ou profilática? Ou ainda: seria possível manipular os componentes genéticos para melhorar certas condições biológicas?

Ante estas questões cabe apenas parar, pensar e deliberar a partir de critérios éticos prudentes e estabelecer uma possível ‘ética da responsabilidade’, tanto na investigação quanto no tratamento genético desta doença. Devido a todos esses fatores e considerando toda a problemática ética, devemos dizer com relação às possibilidades presentes e futuras da terapia gênica na DA que torna-se cada vez mais necessário introduzir o chamado ‘princípio da cautela e da responsabilidade’. Assim, propomos o seguinte como critério ou regra ética fundamental nos casos em que exista incerteza técnica ou ética: in dúbio pro malo, ou seja, em caso de dúvida considerar o pior prognóstico e não o melhor, ou ainda: in dubio abstine, em caso de dúvida melhor abster-se, especialmente quando as conseqüências negativas forem imprevisíveis ou quando possamos estar tomando um caminho de retorno difícil ou impossível.


* É professor de Bioética e secretário técnico da Cátedra de Bioética da Universidade Ponificia Comillas de Madrid.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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