Escrito por Henrique Batista e Silva*
Diante da ausência de uma política eficaz de assistência em saúde à população brasileira, o que se reflete na dificuldade de acesso a médicos e atendimento nas regiões mais distantes do país e nas periferias das metrópoles, o Governo Federal tem insistido em promessas equivocadas para solucionar estes graves problemas de saúde pública.
Os erros se sucedem, comprometendo a qualidade da formação médica e até mesmo do atendimento oferecido aos que dependem da rede pública. Passemos esse retrospecto em perspectiva. Num primeiro momento, por entender que a falta de médicos poderia ser resolvida com a abertura de mais vagas nos cursos de medicina em regiões mais carentes de profissionais, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a ampliação do número de vagas nos cursos de medicina existentes e até a abertura de novas escolas.
Independentemente da falta de estrutura dessas instituições de ensino, argumentou-se, entre outros pontos, que a decisão seria uma forma de fixar os médicos formados nas regiões onde estudaram. Neste sentido, o estudo Demografia Médica (volumes I e II), realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) apresenta provas conclusivas de que essa linha de raciocínio é falha.
Os dados indicam que a presença de condições atrativas para o exercício do trabalho médico, como o acesso às técnicas e equipamentos que permitem melhores diagnósticos e de tratamentos, está entre as maiores razões para fixação do profissional numa determina área, o que desmonta o argumento simplista governamental.
Além disso, existe a perplexidade dos médicos (mesmo das capitais) diante do sucateamento das estruturas de atendimento, configurando-se em outro fator de desestimulo. As fiscalizações realizadas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) testemunham o cenário de guerra que médicos e pacientes enfrentam para fazer e receber assistência. Em todos os estados, sobram postos e hospitais com instalações abaixo da crítica: prédios velhos e mal cuidados, equipamentos obsoletos, sujeira por todo lado. Enfim, nada que lembre a dignidade e o respeito aos quais todo cidadão tem direito.
Um olhar mais atento aos argumentos do Governo também evidencia a vinculação das propostas dos gestores atuais aos interesses políticos. Isso transparece, especialmente, na pressão dos prefeitos, que querem a absurda permissão para médicos formados no exterior atender os brasileiros sem a devida revalidação dos seus diplomas.
Existem até gestores que falam em “calibrar” as provas do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Universidades Estrangeiras (Revalida), criado pela Portaria MEC nº 278/2011, tornando-as mais fáceis. Na caneta, querem apagar as evidências do fracasso desses candidatos, já que, em suas duas primeiras edições (2011 e 2012), o índice médico de aprovação dos candidatos no Revalida ficou em torno de 10%.
Este percentual representa a falta de preparo desses profissionais para enfrentar o desafio da assistência. O assunto é sério, pois envolve vidas humanas. Não podemos esquecer que alguém creditado como médico, mesmo não sendo habilitado para exercer esse papel, pode cometer erros, com consequências definitivas, agindo com as melhores intenções. No entanto, mesmo diante dos alertas, os gestores insistem em seu ponto de vista, colocando o bem estar de milhões em risco.
Ao exigir a convalidação dos diplomas dos que se formaram em Medicina em outros países, não se faz nada diferente do que ocorre em outras nações importantes. Processos semelhantes ocorrem na Inglaterra, Estados Unidos da América do Norte, Chile, Canadá e África do Sul, por exemplo. Em todas eles, os candidatos têm avaliados seu conhecimento teórico, prático, ético e de língua. Porque no Brasil deveria ser diferente? Que país é este?
O Conselho Regional de Medicina de Sergipe (Cremese), em consonância com o Conselho Federal de Medicina, mantém sua posição inabalável de contraposição às propostas como estas, apresentada pelo Governo Federal, que ferem a dignidade dos cidadãos, desrespeitam o escopo legal, desvalorizam os médicos graduados no Brasil e colocam em suspeição a qualidade do atendimento oferecido na rede pública.
O Cremese se contrapõe a todos os argumentos simplistas e imediatistas que atentam contra a população brasileira, deixando-a indefesa diante da possibilidade de riscos provocados por médicos que não tenham a devida comprovação de qualidades técnicas, humanísticas e de proficiência da língua portuguesa.
Deixar de observar o que estabelece a Constituição Federal, a Lei nº 3268/57 que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, a Resolução CNE/CES nº 4/01 que institui as Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, e já citada Revalida, sem dúvida, se configura em expediente perigoso de agressão da legislação brasileira.
Ressalte-se que na argumentação e no posicionamento adotado pelos Conselhos de Medicina não reside negação ao direito legítimo do estrangeiro de exercer a medicina no nosso país ou o espúrio espírito de xenofobia. O CFM e o Cremese são a favor da vinda para o país de médicos (brasileiros ou não brasileiros) formados em faculdades estrangeiras, desde que aprovados em exames criteriosos para revalidação dos seus diplomas, como o Revalida.
O que fica evidente em todo este debate público, de grande relevância para a Saúde e a Medicina, é que há questões negligenciadas pelo governo federal para explicar as razões da falta de médicos em regiões de difícil acesso, ignorando-se – convenientemente – problemas estruturantes. Ao colocar o foco do sucesso da assistência na presença (ou não) do médico, não se fala em compromissos de gestão de longo prazo.
Por isso, os Conselhos de Medicina se alinham em defesa da boa Medicina, pelo fim do subfinanciamento da saúde (com a destinação de 10% das receitas brutas da União para o setor) e pela implementação de uma política de trabalho para o médico, que incorpore atrativos para o médico (como remuneração adequada e perspectivas de progressão funcional) e garanta às comunidades e aos médicos as condições de trabalho para a assistência se materialize.
A criação de uma carreira de Estado para o médico do Sistema Único de Saúde, proposta já encaminhada ao Palácio do Planalto e ao Ministério da Saúde, toca em todos estes pontos e comprova que os médicos estão empenhados com solução urgente dos problemas vivenciados pela população carente, mas sem fazer maquiagens ou propor ações paliativas.
Os Conselhos de Medicina apenas exigem o que é justo e seguro para todos os brasileiros. Agora, cabe ao Governo – em todas as suas esferas – assumir sua responsabilidade e sua obrigação. Precisamos é de médicos bem formados, bem preparados, bem avaliados e com condições e estímulo para o trabalho. Tratar a população de maneira desigual é sinal de desconsideração e de desrespeito para com a cidadania brasileira.
* É secretário-geral do Conselho Federal de Medicina (CFM), onde representa o Estado de Sergipe.