Escrito por Sandra Franco* e Nina Neubarth**

Há muito se fala sobre crise no setor de saúde no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que seja o modelo ideal de assistência universal à saúde, tem sido alvo de reclamação dos médicos, de outros profissionais de saúde e de pacientes. As causas são a ausência de infraestrutura necessária para os atendimentos, especialmente na atenção primária, o que culmina na impossibilidade concreta de o cidadão ter garantido seu direito constitucional à saúde.

O cenário, que pode ser chamado de recente, é consequência do colapso da saúde pública e do estímulo do Estado para o desenvolvimento do setor privado. Na última década, os pacientes passaram a utilizar seus parcos recursos para financiarem seus próprios planos de saúde, em busca de atendimento mais célere em instituições capazes de suprir seus anseios de assistência médico-hospitalar com qualidade, a despeito de continuarem a pagar por uma saúde pública.

Recentemente, com a mudança na economia do país e a inserção da classe C no universo da saúde privada, o setor passou a enfrentar uma grave crise na qualidade da prestação de serviços. A interferência dos planos de saúde na relação médico e paciente, representada pelo controle de exames complementares solicitados, escolha de material cirúrgico, próteses e órteses, glosas sem explicação para cirurgias, são alguns dos fatores que impulsionam os profissionais médicos experientes a se descredenciarem.

Em especial, é inconteste a intransigência das operadoras quanto à remuneração dos serviços prestados pelos médicos. Situação que colocou o setor privado na esfera do Poder Judiciário e trouxe a deterioração da qualidade no atendimento aos usuários. Um dado representativo dessa defasagem entre crescimento do setor e qualidade da prestação de serviço é o de que a ANS autorizou no período de 2000 a 2011 um reajuste das mensalidades das operadoras que somam 150,89%, no entanto, somente 65% foram repassados aos médicos. Não se pode perder de vista.

Uma equação simples delineia-se: menos médicos, menos serviços, mais ações judiciais por parte dos usuários que pretendem a cobertura para os procedimentos e que desejam o atendimento por profissionais competentes.

Não é demais se lembrar que os planos de saúde também apresentam responsabilidade solidária em caso de alegação de erro profissional, pois um médico que atende o paciente em cinco minutos corre um risco sério de cometer um erro de diagnóstico, seja pela ausência de anamnese, pelo não conhecimento do histórico do seu paciente ou pela impossibilidade de se realizar um exame clínico completo. Oras, se a remuneração pela consulta é aviltante, como se poderá exigir do médico maior dedicação ao paciente? Perdem os pacientes, perdem os médicos e, a médio e longo prazo, perderão os planos de saúde.

Os médicos, então, decidiram não assistir de braços cruzados à falência do sistema de saúde suplementar. Afinal, todos os atores têm responsabilidades e direitos que precisam ser exercidos e não se pode deixar que o setor se autorregule, quando na verdade a saúde é direito constitucional. Uma das medidas adotadas foi à paralisação do atendimento aos beneficiários de alguns planos de saúde em determinados Estados da Federação. O objetivo foi chamar a atenção das autoridades a fim de se buscar intervenção do poder público de forma direta através de normativas que garantam a autonomia da relação médico e paciente, além do estabelecimento de um sistema de contrato com mínimo de garantias profissionais e ainda o reajuste periódico na forma como são realizados os reajustes da mensalidade.

O movimento surtiu efeitos. Entre eles, no último dia 21 de novembro, a Comissão de Trabalho de Administração e Serviço Público aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 216/11, que permite ao Conselho Federal de Medicina, à Associação Médica Brasileira e à Federação Nacional dos Médicos promoverem paralisações coletivas de médicos e movimentos para descredenciamento de planos. A decisão sustou uma determinação da Secretaria de Direito Econômico que proibia as paralisações.

No texto aprovado fica permitida a aplicação dos artigos 18, 48, 49 e inciso XV dos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica para o fim de instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar contra médicos que não acompanharem as decisões das entidades médicas relativas a honorários e rescisões contratuais.

Nos termos da norma, as entidades representativas da classe, como o CFM, poderão promover fomentar ou coordenar qualquer movimento de paralisação coletiva de atendimento aos beneficiários de planos de saúde por tempo indeterminado ou mesmo promover um descredenciamento em massa. As classes representativas poderão, ainda, fixar e divulgar valores de consultas, portes e Unidades de Custo Operacional ou quaisquer mecanismos de indexação com reflexo nos valores pagos pelas operadoras aos médicos.

Os médicos ficam impedidos de negociarem direta e individualmente os honorários entre médicos e operadoras de planos de saúde ou hospitais. A justificativa dá-se em razão de que a negociação direta e individual de honorários entre os próprios médicos e os planos de saúde pode resultar em retribuições dispares e no consequente aviltamento da profissão.

A norma ressalta mais uma vez que a atividade médica não é mercantil, o que não significa dizer que não deva ser amparada por proteção econômico-financeira, já que é uma atividade remunerada. Assim, cabe ao Estado adotar medidas para estimular o exercício da Medicina, em lugar de criar barreiras que impeçam a remuneração condizente com o trabalho desempenhado.

Desta forma, o projeto de lei 216/11 aprovado concede a atribuição legal dos Conselhos de Medicina para defenderem os preceitos fundamentais do Código de Ética Médica, dentre os quais o princípio de que o médico deve contar com boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa, a fim de que possa exercer a medicina com honra e dignidade.

Restam outras medidas para se salvar a saúde privada no Brasil, da mesma forma não se pode esquecer a origem da migração dos cidadãos: uma saúde pública com problemas financeiros e especialmente de gestão.

* Sandra Franco é sócia-diretora da Sfranco Consultoria Jurídica em Direito Médico e da Saúde, do Vale do Paraíba (SP), especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico- Hospitalar da OAB/SP e Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde (ABDMS) – drasandra@sfranconsultoria.com.br

** Nina Neubarth é advogada, membro da Sfranco Consultoria Jurídica, especialista em Direito Público  –  nneubarth@sfranconsultoria.com.br

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

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