Escrito por Marcos Luna*

Como não retomar o universal W. Shakespeare, quando contemplamos passiva e piedosamente a recente tragédia paulista em “broadcasting” nacional?

A transcendência temporal de sua obra literária engendra naquelas circunstancias dramáticas, toda a essência da nossa experiência humana comum em (des) construção. Estupefato e constrangido diante daquelas imagens televisadas encenando outro capitulo da paixão entre humanos desembestados – “… a jovem cerva que deseja unir-se ao leão/ deve morrer por amor…” –, eu me perguntava sobre a precária originalidade.

Ao mesmo tempo, reconhecia o desespero primitivo inerente a nossa condição animal ali em flagrante vulnerabilidade. “Mostre-me um ser humano que não é escravo da paixão e eu o levarei, no fundo do meu coração, bem no fundo… como levo você…”, refletira Shakespeare em Hamlet. O diabólico assalto do jovem brasileiro para reconquistar a sua namorada, também resvala na utopia do relacionamento amorável eterno e infalível. Reproduz o drama de Romeu e Julieta sem os meandros e romantismos da peça clássica, mas que a modernidade cuida de atualizar vulgarmente.

Os ex-amantes ensaiaram uma película trágica em “real time” – quisera o “teatro do oprimido” em Boal, alcançar tal veracidade. Um drama tão fático e verossímil do cotidiano: um “reality show” sem meias emoções e com entradas inteiras. A platéia pedindo bis, sempre, quando a arena abre os portões como na Roma antiga, mas nestes tempos, o marketing vibra gozando os altos lucros nos intervalos comerciais.

Naquelas cem horas ininterruptas de uma tragédia iminente, o conflito de interesses sentimentais entre humanos juvenis ficou periclitando sob o olhar do atirador de elite: a ordem social teria que ser preservada pela policia estatal. O contrato social numa sociedade contemporânea passa pelo status quo civilizatorio predominante, com suas teogonias e cinismos inclusive.

Desde a publicação de “O sofrimento do jovem Werther” (Goethe), as autoridades européias apreenderam que a publicidade das violências amorosas e suicídios suscitavam mortalidades em escala, como uma peste nos corpos destroçados pela inquietação de um devir sem ilusões existenciais amorosas. Destaquemos os elevados índices de assistência nas televisões, expressão sintomática da conformação patológica do ethos social numa coletividade pauci-solidaria consumista e autodestrutiva.

Como terá repercutido nas comunidades do interior do país? Quantos perceberam que a mediação do infortúnio amoroso naqueles dias, não incluíra a voz feminina, simbolizadora dos cuidados maternais e familiares, tão aclamados pelo senso comum de justiça, numa sociedade estigmatizada pelo utilitarismo capitalista e autoproclamada cristã?!

No palco fatídico havia duas adolescentes, entretanto, as intervenções externas esgrimiam argumentos autoritários masculinos, uma representação do poder. Não discorro sobre a evidente escassez de inteligência emocional e incompetência dos protagonistas policiais: quem deu a ordem para mudar de tática, arrombar a porta e acabar o espetáculo? Quem governou? Nas circunstancias com grave infração a moralidade coletiva, deveriam ficar afastados os cidadãos de bem, portadores da prudência necessária, aqueles que plasmam a nossa matriz societária?

Aquele brasileiro implodiu a sua integridade e o seu futuro, ao não conseguir conter uma pulsão instintiva avassaladora sobre a sua “amada presa”. Como um Romeu incompleto, não correspondido e desgraçado, o promitente trabalhador de uma implacável megalópole brasileira, resgatou, dramaticamente, o que existe em todos nós: “… criaturas que buscam sentido, que tem que lidar com o inconsciente desconhecido, às vezes incontrolável, numa sociedade que ademais da sua pulsão pela sobrevivência intrinsecamente, não tem sentido teleológico…”. Os ecossistemas latejam já os desequilíbrios. Encerrado o episodio, o sangue continua derramando pelas escadas de um popular condomínio maldito, revelador de nossas mazelas… Seguiremos o nosso cotidiano, entremeando a arte no convívio social, por que, como dissera Nietzche, precisamos da arte e da teatralidade, para que a verdade não nos destrua. ”Bem esta o que bem acaba”, termina Shakespeare.

* É clínico geral e nefrologista.

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