Neste cenário próspero, as empresas fecham transações às toneladas. No entanto, depois dos compradores assinarem os contratos fica evidente que a realidade prometida, não raro, tem ares de pesadelo. Ano após ano, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) prova isso ao colocar o setor dos planos de saúde no topo do ranking de reclamações.
As queixas apontam abusos, descaso, indiferença, cobertura deficiente ou até inexistente: tudo aquilo que não se espera de uma empresa que oferece bem estar. Pelo jeito, para as operadoras vale tudo em nome do lucro, até sacrificar a saúde de quem nelas confiou.
Com os médicos e outros profissionais da saúde, prestadores de serviços dos quais dependem para seu “negócio” prosperar, também não agem com boa fé. De forma dissimulada, glosam procedimentos, fogem de acordos e evitam reajustar honorários, algo legítimo na relação estabelecida. O ganho fácil prevalece em detrimento da valorização do trabalho.
Nos últimos anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em parceria com outras entidades médicas, tem tentado romper com essa lógica e mostrar o quão perversas as operadoras são contra profissionais e pacientes. Em diferentes manifestações, fica evidente que estes dois elos– cada um à sua maneira – são vítimas do abuso do poder econômico.
Em 2013, os planos ficaram 8,73% mais caros, enquanto o IPCA foi de 5,91%. Desde julho de 1994, o aumento acumulado dos planos supera em mais de 200 pontos percentuais a alta desse Índice no período. Resultados nada desprezíveis para as 1084 operadoras em atividades, que deveriam atender 50,3 milhões de beneficiários de assistência médica padrão Fifa.
Contudo, o mais surpreendente é constatar que nesta arena, os empresários encontraram acolhida junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É como se o juiz da final da Copa decidisse ouvir apenas os pleitos do time do seu coração. Essa distorção rompe com a lógica da regulação do segmento, que deveria se pautar pela defesa das partes mais vulneráveis – pacientes e profissionais – ante o empresariado.
Novos ventos podem mudar essa história. Com a aprovação do PL 6964/2010, o Congresso Nacional sinalizou que mesmo os políticos entendem ser a hora de colocar limites na farra das operadoras. Se a ANS não faz sua parte, os parlamentares fizeram a deles, estabelecendo critérios claros para os contratos firmados entre planos e prestadores de serviço.
Tudo agora está no papel e pode ganhar força de lei se o Palácio do Planalto a sancionar. Os ganhos serão gerais: pacientes terão melhor cobertura, médicos e profissionais contarão com mecanismos de reajuste de honorários e até o Governo faturará com o retorno do equilíbrio ao segmento.
Assim, se a lógica da proteção ao cidadão e ao trabalhador prevalecer, veremos, neste round, um inédito nocaute da cultura do lucro. Por outro lado, se após 10 anos de tramitação essa lei não ver a luz do dia, teremos a certeza de que os mercadores de ilusões têm mesmo muita influência. Esse impasse será revelador e mostrará quem realmente importa para quem está no Poder.
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