É impressionante a diferença entre o ouvir falar e a constatação dos fatos de forma presencial, utilizando os sentidos e as nossas capacidades cognitivas. A análise final pode ser bem diferente do boato, ou pode apenas confirmá-lo ou mesmo agravar o que se ouviu falar.

A saúde pública é um problema crônico em nosso país. Em pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM) no final do ano passado, constatou-se que 37% dos pesquisados consideraram a saúde como o principal problema enfrentado pelos brasileiros. A corrupção ficou em segundo lugar, com 18%. Portanto, o brasileiro é ciente da degeneração do serviço público de saúde em todo o país, ocorrida ao longo das últimas décadas, sem perspectiva de ser solucionada.

A saúde pública é tratada como um instrumento de uso político, não havendo uma política de Estado sobre o tema. Os fatos demonstram claramente que se trata de um ponto nevrálgico de qualquer governo, e que deveria ser, assim, tratado de forma técnica, envolvendo profissionais da linha de frente, com uma força-tarefa isenta de vieses ideológicos e de política partidária, sem conflitos de interesse e com a transparência que o cuidado com a coisa pública exige.

Em 19 de julho passado, tive a oportunidade de participar de uma audiência, solicitada pela autarquia CFM e Conselhos Regionais, com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, engenheiro civil de formação, empresário, autointitulado gestor, mas que na prática atua na política partidária desde o século passado. Por “méritos” políticos, foi alçado ao presente cargo, em que parece ter caído de paraquedas, pois reconheceu, durante a audiência, ser um desconhecedor do tema e que, por isso, tem buscado auxílio nas entidades de saúde. O discurso da humildade seria louvável se as entidades que o auxiliam fossem verdadeiramente ouvidas, o que na prática não tem acontecido. Aristóteles já dizia na Grécia Antiga que “nós somos o que fazemos repetidas vezes, portanto, a excelência não é um ato, mas um hábito”. Como podemos aceitar que alguém caia de paraquedas para solucionar uma grave crise? Importante salientar que ele não foi o único a aparecer de forma inesperada na pasta da saúde, e, provavelmente, este tenha sido um dos fatores preponderantes para as decisões equivocadas tomadas ao longo dos últimos anos.

Entregamos ao ministro um manifesto no qual a autarquia se posiciona ao lado da população e dos médicos brasileiros em defesa da saúde pública e alerta que utilizará de suas prerrogativas judiciais e extrajudiciais no amparo a essa nobre causa. Foram anexados relatórios de fiscalizações e relatos das situações encontradas em todos os estados da federação, que juntos somam mais de 15 mil páginas.

A apresentação feita pelo ministro foi surpreendente em vários aspectos. Baseou-se em estatísticas e números matemáticos direcionados a interesses não revelados, mas claramente decodificados pela plateia que o assistia, formada por conselheiros médicos de todo o país. Tais dados se adequam à engenharia, ciência exata, mas tão pouco eficaz na área da saúde. Afirmou que o problema da saúde primária está relacionado à baixa produtividade dos profissionais e esqueceu que este item não está relacionado apenas à atuação do profissional, mas também à estrutura inadequada. Declarou, também, que a solução do problema será investir em equipamentos de controle de presença dos profissionais e na informatização de toda a assistência primária do país. Ele acredita em soluções tecnológicas de alto custo em detrimento de soluções de menor custo e maior eficácia, como a estruturação dessas unidades de saúde.

Alguns destes postos de trabalho estão sem pia para lavar as mãos, outros sem banheiros, muitos sem local adequado para a realização do ato médico, outros tantos sem equipamentos básicos de assistência (como termômetros, estetoscópios, medicamentos etc.), além dos locais insalubres e impróprios para a presença humana. Teremos tecnologia de ponta na atividade-meio, mas seguiremos com carências na atividade-fim, que é a assistência aos nossos pacientes. A análise final foi pior do que a expectativa do “ouvir falar”.

Para resumir, tentarei utilizar a linguagem da engenharia civil, apesar de não ser conhecedor técnico dessa profissão de enorme importância e credibilidade na sociedade, mas permitam-me afirmar o que qualquer ajudante de pedreiro saberia interpretar: é impossível colocar as telhas se não há tijolos.

 

Marcos Lima de Freitas

Médico e presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte (CREMERN).

 

    

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